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sexta-feira, maio 2, 2025

Além do Brasil, mudanças na concessão da cidadania italiana causam alarme entre descendentes na Argentina

Um dos principais destinos dos que deixaram a Itália entre os séculos XIX e XX, Argentina está entre os mais afetados pelas mudanças na concessão de cidadania do país europeu

Por Letícia Agata Nogueira

Desde o último dia 28 de março, os descendentes italianos ao redor do mundo têm se preocupado com as novas regras de cidadania estabelecidas pelo governo de Giorgia Meloni, as quais limitam a concessão do documento a milhares de pessoas. As reações da Argentina não são diferentes. Atualmente o país está em segundo lugar entre aqueles que mais concentram descendentes de italianos, sendo o Brasil o primeiro deles. Aproximadamente cerca de 25 milhões de pessoas (60% da população argentina) tem alguma ascendência italiana.

Na virada dos séculos XIX e XX, a Argentina recebeu uma das maiores ondas de imigração italiana da história, impulsionada por crises econômicas, sociais e políticas na Itália, especialmente no sul do país. Milhões de italianos, em busca de melhores condições de vida, foram atraídos pelas promessas de trabalho, terra e prosperidade oferecidas pelo governo argentino, que incentivava a imigração para povoar e desenvolver o país. Essa migração em massa moldou profundamente a identidade argentina, influenciando a língua, a culinária, os costumes e a composição étnica da população.

Apesar de não haver dados públicos específicos sobre o número exato de argentinos que aguardam a concessão da cidadania italiana, sabe-se que nos últimos tempos os consulados italianos na Argentina vêm enfrentando um alto volume de solicitações, resultando em longos períodos de espera e sobrecarga de pedidos de reconhecimento de cidadania no sistema judiciário da Itália. Já a quantidade de argentinos que tiveram o reconhecimento foi de cerca de 20 mil em 2023 e 30 mil em 2024.

Essa nova diretriz imposta pelo governo italiano segue uma tendência mundial de restrição das políticas de migração e cidadania, podendo gerar impactos duradouros nas relações internacionais e nos movimentos migratórios.

Mudança brusca

Antes das diretrizes anunciadas em 28 de março pelo ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani, e aprovadas pelo Conselho de Ministros Italianos, o acesso à concessão da cidadania com base nos critérios jus sanguinis era considerado um dos mais flexíveis do mundo, assim como o acesso às cidadanias irlandesa, espanhola e brasileira.

Anteriormente não havia limite geracional. Ou seja, qualquer pessoa com um ancestral italiano vivo após 1861, ano de criação do Reino da Itália, tinha direito à cidadania, independentemente do grau de parentesco. Com a implementação das novas regras, descendentes que nasceram no exterior serão considerados automaticamente cidadãos  por apenas duas gerações. Sendo assim, somente aqueles com um dos pais ou um dos avós italianos terão direito à cidadania.

A promessa é de que em 2026 seja criado, no Ministério das Relações Exteriores da Itália, localizado em Roma, um escritório especial centralizado para tratar todas as decisões que antes eram tomadas pelos consulados ao redor do mundo e comunes (órgãos administrativos italianos). Dessa forma, os consulados focarão nos serviços oferecidos às pessoas que já são cidadãs.

Apesar da repercussão e preocupação mundial, as pessoas que já iniciaram o processo judicial ou administrativo para o reconhecimento da cidadania e já tiveram seus documentos recepcionados pelo consulado não serão afetadas pela nova legislação, podendo assim ter direito à cidadania.

Repercussão

O governo de Giorgia Meloni argumenta que a decisão busca “valorizar o vínculo efetivo entre a Itália e o cidadão residente no exterior” e a reforma “alinha os critérios para o reconhecimento da cidadania italiana” aos de outros países europeus. O governo relata que “o sistema atual compromete a eficiência dos escritórios administrativos e judiciais italianos, que sofrem pressão de pessoas que viajam à Itália apenas para acelerar o processo de reconhecimento da cidadania, o que também favorece fraudes e práticas irregulares”. As medidas objetivam o estabelecimento de limites precisos, evitando abusos, como a comercialização de passaportes. Em entrevista, Tajani afirma que “a cidadania deve ser algo sério” e que o jus sanguinis não deixará de existir.

Micaela Bracco, diretora do Patronato INAS CISL Argentina, um instituto de assistência e aconselhamento promovido por um dos maiores sindicatos italianos, argumenta que “esse decreto viola importantes normas constitucionais; ele discrimina, estabelecendo categorias de cidadãos de primeira e segunda classe; estigmatiza os descendentes de italianos que vivem no mundo; e, o que também é muito grave, não considera um período de transição”.

Advogados e políticos que se manifestaram contra a medida ressaltam que há ainda um prazo máximo de 60 dias, contados a partir de 28 de março, para um posicionamento do Parlamento. “Temos grandes esperanças de que nossos representantes na Câmara dos Deputados e no Senado possam fazer os ajustes necessários às normas constitucionais e que os obstáculos possam ser transformados em requisitos para que o governo facilite o acesso dos cidadãos a seus direitos”, aponta Bracco.

A segunda fase do projeto, que ainda não tem uma data cravada para entrar em vigor, será a implementação de medidas para que cidadãos nascidos e residentes no exterior mantenham vínculos reais com a Itália ao longo do tempo. Dessa forma, será necessário que essas pessoas exerçam os direitos e deveres de cidadão pelo menos uma vez a cada 25 anos. 

O que é o jus sanguinis?

A Itália, com sua vasta herança cultural e uma diáspora significativa, há muitos anos reforça seus laços com os descendentes de italianos por meio do princípio conhecido como jus sanguinis. Esse conceito jurídico permite que a cidadania seja passada de geração em geração — para filhos, netos e até bisnetos — mesmo que vivam fora da Itália, sendo um elemento essencial na preservação da identidade cultural de milhões de pessoas ao redor do mundo.

O termo jus sanguinis, que significa “direito de sangue” em latim, estabelece que a cidadania pode ser adquirida automaticamente por descendência, independentemente do país onde a pessoa nasceu. Mais do que uma regra legal, trata-se de um elo afetivo e cultural que conecta as gerações às suas origens italianas, mantendo vivas essas tradições e vínculos além das fronteiras nacionais.


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