Por Letícia Agata Nogueira
As redes sociais as redes sociais são fundamentais no processo de migração, seja pelo compartilhamento de informações, seja para conexões com pontos de apoio e outros elementos. No entanto, também oferecem armadilhas que podem levar as pessoas migrantes para situações perigosas, incluindo aquelas que colocam vidas em risco. Foi pensando em atender essa complexidade e fornecer informações de qualidade para o público migrante que foi desenvolvida a Cartilha sobre Migrações & Redes Sociais, lançada em quatro idiomas e já disponível gratuitamente em formato PDF – links abaixo.
Português – link em atualização
Fruto de uma inquietação generalizada
O material traz dados e orientações confiáveis e acessíveis para que migrantes possam identificar e evitar golpes no ambiente digital. Dessa forma, também colabora para que direitos fundamentais das pessoas migrantes sejam resguardados.
A publicação explica, por exemplo, quem são os chamados “coiotes digitais”, descreve suas táticas mais comuns, sua atuação nas redes sociais e orienta sobre os cuidados necessários ao receber propostas suspeitas, ensinando também como analisá-las para evitar cair em golpes. Além disso, apresenta informações sobre os serviços de apoio disponíveis através dos órgãos governamentais.
A cartilha é fruto da pesquisa de mestrado conduzida por Brunno Ewerton, membro e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Migrações Transnacionais e Comunicação Intercultural (DIASPOTICS), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidade e Ecologia Social (EICOS – UFRJ). Segundo ele, a publicação “nasceu de uma inquietação teórica, comunitária, social, psicossocial e de inovação”.
Além da presença do autor, o evento contou com a mediação da Profª Dra. Catalina Revollo Pardo (EICOS IP, DIASPOTICS – UFRJ) e com a participação da Dra. Ana Maria Gomes Raietparvar (Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos das Pessoas Migrantes, Refugiadas e Apátridas – Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania – MDHC), Profª Dra. Denise Cogo (PPGCOM – ESPM), Benvindo Manima (Coordenador do Centro de Referência de Atenção a Pessoas Refugiadas, Imigrantes e Apátridas – CRAI RIO), Julia Kronemberger (Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e ao Trabalho Escravo – Governo do Estado do Rio de Janeiro), Margarita Campo Cuero (Liderança migrante – Projeto Sabores do Mundo) e Prof. Dr. Mohammed ElHajji (PPGCOM ECO / EICOS IP / DIASPOTICS – UFRJ).
A atividade, ocorrida no último dia 15 de abril, foi transmitida pelo canal do grupo DIASPOTICS no YouTube e pode ser vista também no player abaixo.
Olhar para a movimentação no meio digital
Cada convidado teve a oportunidade de apresentar um panorama de sua área de atuação e refletir sobre os benefícios que o material poderá trazer para o desenvolvimento de seu trabalho.
De acordo com a Dra. Ana Maria Gomes Raietparvar, “é muito importante a gente olhar para as relações e para as movimentações que estão sendo feitas no âmbito digital. Às vezes a gente se preocupa demais com as relações, como elas estão acontecendo, e a gente esquece de investigar como que elas estão se dando no meio digital”. A convidada trouxe informações relevantes sobre a operação de repatriação de brasileiros deportados dos Estados Unidos, após realizar um fluxo migratório irregular.
A pesquisadora traçou ainda o perfil da maioria dos deportados recepcionados nesse ano, que são homens desacompanhados na faixa de 20 a 40 anos, que tentam chegar aos Estados Unidos para realizar o sonho de trabalhar no território. A maioria é de origem dos estados de Minas Gerais, Rondônia e Pará. Além disso, ela citou que 15% das pessoas deportadas é de mulheres, que às vezes vão desacompanhadas, e em cada voo da FAB (Força Aérea Brasileira) chegam três ou quatro familiares com crianças e adolescentes.
“A gente tem uma certa frequência de crianças autistas que estão chegando. A gente encontra um público LGBT, a gente encontra um público idoso, a gente encontra um público PCD, que foge dessa maioria dos homens desacompanhados. É muito importante a gente olhar para esses perfis, que são perfis que estão numa interseccionalidade de vulnerabilidades e que pegam suas famílias, pegam suas fragilidades e optam por entrar numa rota de um mês até chegar na fronteira dos Estados Unidos, sabendo que chegando lá eles correm um sério risco de bater na fronteira e voltar”, completa Raietparvar.
Julia Kronemberger, por sua vez, reforçou a importância de trabalhar a temática da migração de forma preventiva contra o tráfico de pessoas. Ela explicou o trabalho da Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo, que atua no estado do Rio de Janeiro com o apoio do Ministério da Justiça. Dentre suas atuações, a Coordenação também opera nos atendimentos de vítimas e seu encaminhamento às autoridades, além da prevenção.
“As pessoas entram em contato com o núcleo quando recebem ofertas de trabalho duvidosas, mas que estão ali motivadas principalmente pela rede social. Então é muito comum que as pessoas recebam ofertas pela rede social, contatem o núcleo e a gente, junto com a rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas, consiga fazer uma investigação através das agências de inteligência, da Polícia Federal ou da Rodoviária Federal, um trabalho de prevenção para que a gente possa passar informações sobre aquelas ofertas de trabalho”, contextualiza Kronemberger.
A convidada também fez um panorama dos atendimentos realizados no último ano, sendo que 174 deles foram de migrantes internacionais que se caracterizaram como vítimas ou possíveis vítimas de trabalho escravo. Julia destacou que o número é alarmante e que, em parceria com o Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI), a Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo está fazendo um trabalho de prevenção e sensibilização.
Olhares dos migrantes
De nacionalidade angolana, Benvindo Manima destacou que o CRAI é o primeiro equipamento público do Rio de Janeiro que presta assistência à população migrante, refugiada e apátrida. Ele está ligado à Secretaria de Direitos Humanos e Igualdade Racial da Prefeitura do Rio de Janeiro e possui os serviços de assistência jurídica, serviço social, atendimento psicológico e aulas de português. Benvindo também afirmou que o CRAI irá realizar o uso da Cartilha sobre Migrações & Redes Sociais, pois são recebidos muitos e-mails de estrangeiros que ainda estão em seus países de origem, mas desejam mais informações sobre o processo migratório para o Brasil.
Benvindo recomendou a elaboração de uma cartilha na versão árabe. “Dentre os muitos fluxos migratórios que existem no Brasil, se destaca também a migração da população síria. Embora que alguns pode ser que entendam outras línguas, como o inglês, é importante ter também em árabe, porque serviria como resposta a alguns e-mails que a gente vem recebendo, que claramente mostram que são pessoas que estão precisando de ajuda sem saber como fazer esse processo e acabam se tornando também possíveis vítimas de qualquer tipo de golpe que acontece pela internet”.
A Profª Dra. Denise Cogo destacou alguns temas, observados nos últimos anos, de pesquisas realizadas por acadêmicos que envolvem a temática migratória no ambiente digital. São eles: usos e apropriações de mídias digitais e cidadania de migrantes, ativismo político em ambientes digitais, governança digital migratória, desigualdades digitais no contexto das migrações, plataforma digitais e discursos anti-migração e plataformização do trabalho migrante.
A empreendedora colombiana Margarita Campo Cuero, também presente ao lançamento, relatou o quão útil o material vai ser para sua atuação. “Eu acho que vai ser um apoio fundamental tanto para mim quanto para mais imigrantes, porque muitos imigrantes se dificulta o idioma de português. Então nos idiomas que está é perfeito, porque temos muitas pessoas aqui no Brasil de idade avançada, imigrantes, que podem ser vítimas e têm sido vítimas de golpe tanto em trabalho escravo como em violência sexual. Então a cartilha é muito ótima para isso”.
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