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sábado, dezembro 21, 2024

Comigrar chega à etapa nacional sob desconfiança e críticas de delegados migrantes

Dez anos depois, segunda edição da Comigrar chega à fase final após uma série de idas e vindas e sob críticas de delegados eleitos sobre os rumos do evento

Mais de um ano depois de seu anúncio, a segunda edição da Comigrar enfim se aproxima de sua etapa nacional, que tem início nesta sexta-feira (8) em Brasília e vai até domingo (10). Mas diferente do que o evento gerava de expectativa em seu início, o clima atual é repleto de decepções por parte tanto de delegados eleitos quanto de pessoas e instituições envolvidas nas fases prévias.

A Comigrar é promovida pelo Ministério da Justiça, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) – que sedia o evento – e órgãos governamentais, organizações internacionais e sociedade civil. Segundo projeções do governo federal, são esperadas cerca de 700 pessoas nos três dias de evento, entre delegados e público em geral.

A programação tem início na noite desta sexta-feira (8) e terá transmissão pelo canal do Ministério da Justiça no YouTube. O mesmo vai ocorrer com a plenária de encerramento, no domingo, a partir das 8h30.

Além de atividades destinadas especificamente e somente aos delegados, a Comigrar terá uma série de atividades abertas ao público, entre palestras, rodas de conversa, oficinas culturais e oferta de serviços públicos voltados à população migrante. A relação completa pode ser consultada neste link.

Segundo dados divulgados pela pasta, foram 134 conferências prévias organizadas de outubro de 2023 a julho deste ano, que elegeram 269 delegados e apresentaram um total de 2.151 sugestões para a futura política nacional de migrações, refúgio e apatridia. Elas, por sua vez, foram sistematizadas em 180 propostas finais, que integram o Caderno de Propostas da conferência. Ainda de acordo com a pasta, cerca de 14 mil pessoas estiveram envolvidas nesse processo.

Sentimento de frustração

O lançamento do processo de elaboração da Comigrar foi carregado de expectativa, esperança e otimismo por migrantes e pela sociedade civil brasileira engajada na temática migratória. Os números divulgados pelo Ministério da Justiça quanto a propostas e pessoas mobilizadas mostram como foi grande a adesão ao chamado para contribuir efetivamente com a elaboração de uma Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia. Essa, que segue como uma das grande lacunas na governança dessa temática no Brasil, é considerada ainda uma das metas públicas da Comigrar.

No entanto, o espaço para essa participação popular foi reduzido pouco a pouco, na avaliação de delegados ouvidos pelo MigraMundo e de outros atores que estiveram envolvidos em parte das conferências prévias. O período entre o final desses eventos preparatórios e a conferência nacional foi alvo de seguidas objeções por parte de diferentes delegados eleitos, que se queixaram da forma como o Ministério da Justiça – a quem coube a Secretaria Executiva da Comigrar – conduziu o processo de elaboração do caderno de propostas e do regimento interno.

“A forma em como estamos participando da II COMIGRAR mostra indícios de que pretendem realizar apenas uma formalização de um processo que já foi definido previamente. Essa não é a forma de participação política que conhecemos, promovemos e defendemos”, destacou o psicólogo venezuelano José Miguel Ocanto, eleito delegado por Minas Gerais.

Também eleita delegada por Minas, a peruana Laura Queslloya reforça as palavras do colega venezuelano. “A partir da minha experiência na organização da Conferência Municipal em Belo Horizonte e da Conferência Estadual em Minas Gerais, onde o trabalho foi realizado de forma colaborativa e as ponderações sempre foram levadas em consideração, posso afirmar que o posicionamento atual do Ministério de Justiça tem dificultado a comunicação. Isso ocorre tanto para sugestões de melhorias e críticas quanto para a obtenção de respostas simples sobre os procedimentos”.

Essas objeções ligadas à elaboração do regimento interno foram sintetizadas em uma carta aberta entregue à pasta em outubro e públicada na íntegra no site O Estrangeiro. Procurado pelo MigraMundo para comentar as manifestações de descontentamento sobre a Comigrar, o Ministério da Justiça não se manifestou até o fechamento deste texto.

Idas e vindas

As queixas de delegados eleitos para a Comigrar se somam a uma série de idas e vindas sobre a própria realização da Comigrar, que chegou a ficar cerca de três meses sem uma data definida para ocorrer.

A portaria de lançamento da Comigrar, publicada em setembro de 2023, inicialmente previa a etapa nacional para os dias 7, 8 e 9 de junho 2024, mesmo mês em que a conferência completaria dez anos de sua primeira realização, em Brasília. Em novembro seguinte, no entanto, começaram a circular rumores sobre uma mudança de local, para a cidade de Foz do Iguaçu (PR), no espaço da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), o que só foi oficializado em fevereiro de 2024.

Nos meses seguintes, novas mudanças deixaram um clima de incerteza sobre a Comigrar. Em abril, a conferência acabou adiada para a primeira quinzena de novembro, com local e data ainda a serem definidos. Já em junho, um dos principais articuladores da conferência junto ao governo federal, Paulo Illes, deixou o posto de Coordenador de Política Migratória do Ministério da Justiça por questões de saúde.

As confusões quanto à realização da Comigrar geraram incômodo junto a delegados eleitos, que passaram a pressionar o governo federal em busca de respostas. Um grupo de 18 delegadas elaborou uma carta direcionada ao Ministério da Justiça, que se transformou em um abaixo-assinado que ultrapassou cem adesões, reivindicando respostas sobre o evento e a respeito da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia.

O hiato de informações sobre a Comigrar só terminou em julho, quando Brasília foi novamente confirmada como sede da Comigrar, nos dias 8, 9 e 10 de novembro. Pouco depois, em agosto, o campus da UnB foi designado oficialmente como sede das atividades.

Caminhos

Diante da resposta considerada insatisfatória do Ministério da Justiça para as demandas apresentadas, delegados eleitos para a Comigrar começaram a pensar em alternativas para amplificarem as prórias vozes de maneira independente.

Uma dessas ações é o projeto Vozes Migrantes, que consiste em uma estratégia de comunicação midiática alternativa, criada por pessoas delegadas migrantes, para fazer cobertura da atual Comigrar. A ideia, após a conferência, é continuar divulgando os processos do movimento social de migrantes no Brasil por meio desse canal. A iniciativa conta com um perfil no Instagram (@vozezmigrantes) e será acompanhada por um podcast.

Além de ações relativas à Comigrar, o grupo pretende também se posiconar a respeito de outros temas relativos à temática migratória no Brasil, como o repúdio às medidas implementadas em agosto pelo governo federal que restringiram as solicitações de refúgio no país de pessoas em trânsito. A situação acabou ilustrada pelo caso do migrante ganês que morreu depois de passar mal na área restrita do aeroporto de Guarulhos, onde passou dias detido.


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