Por Vitória Dell’Aringa Rocha
Em 15 de abril de 2025, a guerra no Sudão, o terceiro maior país da África em extensão territorial, completou dois anos de duração. O conflito eclodiu em 2023, após tensões entre lideranças militares – as Forças Armadas do Sudão, lideradas pelo general Abdel Fatah al-Burhan, e unidades paramilitares das Forças de Apoio Rápido (FAR), sob comando do vice-presidente do Conselho Soberano, Mohamed Hamdan Dagalo – escalarem para um conflito civil.
Até o momento, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima ao menos 20 mil mortes, um número que deve ser ainda maior – para a International Rescue Comitee, a estimativa é de que o número real de óbitos esteja em torno de 150 mil. Os preços dispararam, aumentando mais de 142% só em 2024. Dos 51 milhões de habitantes do país, 64% dependem de assistência humanitária e 50 milhões se encontram em insegurança alimentar aguda, o que representa a pior crise de fome extrema no mundo. O sistema de saúde está em ruínas, operando com 30% de capacidade.
De acordo com a ONU, o país precisaria receber 4,2 bilhões de dólares (R$ 24,6 bilhões) em ajuda humanitária em 2025, mas, até o momento, recebeu apenas 6,3% desse valor. Para o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), “o financiamento para a resposta regional é menos de 10% do necessário, tornando impossível cobrir as necessidades básicas”. A crise foi agravada ainda mais pela decisão dos Estados Unidos em suspender a ajuda humanitária internacional – em 2024, quase metade de toda a assistência recebida pelos sudaneses veio de fundos norte-americanos.
A redução de financiamento fará com que ao menos 500 mil pessoas que foram deslocadas pelo conflito percam o acesso a água potável, potencializando o risco de proliferação de doenças
Para Filippo Grandi, o atual Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, o país “está sangrando”.
13 milhões de deslocados
Segundo o ACNUR, o cenário atual do Sudão consiste na “crise de deslocamento forçado mais impactante do mundo”.
Em dois anos, foram quase 13 milhões de pessoas deslocadas (cerca de 26% da população), das quais em torno de 8,5 milhões são deslocados internos e cerca de quatro milhões cruzaram fronteiras internacionais rumo a países vizinhos – como Egito, Sudão do Sul, Chade, Líbia, Uganda e República Centro-Africana. Sendo assim, até o momento, o Estado sudanês é o país com o maior número de pessoas refugiadas na África. Quase metade são crianças e muitas delas encontram-se desacompanhadas.
O número de sudaneses que tentam chegar a países europeus ainda é considerado baixo pelo ACNUR, mas apresentou um aumento de 38% nos primeiros meses de 2025.
Os relatos trazidos pelos solicitantes de proteção internacional são caracterizados por uma série de violações de direitos humanos, incluindo o testemunho de massacres e o sofrimento de violência sexual sistêmica.
Os cortes na ajuda humanitária internacional prejudicam enormemente o acolhimento dos sudaneses nos países vizinhos, fazendo com que fiquem confinados em centros de trânsito fronteiriços superlotados. Na fronteira entre o Sudão do Sul e o Chade, por exemplo, mais de 280 mil refugiados se encontram sem abrigo adequado, sem acesso a água potável, assistência médica ou mecanismos e proteção e vivem em instalações improvisadas.
Já são registrados fluxos migratórios de retorno no Sudão, tanto entre os deslocados internos quanto daqueles que cruzaram fronteiras internacionais, principalmente após a recuperação da capital, Cartum, pelas Forças Armadas. Estima-se que 400 mil dos internamente deslocados tenham voltado à região. Além disso, desde janeiro de 2025, dos 1,5 milhões de sudaneses que haviam ido para o Egito, 123 mil também retornaram (50 mil delas apenas em abril).
Porém, aqueles que retornam se deparam com localidades destruídas, sem acesso a água potável ou eletrecidade, carecendo de infraestrutura e segurança para que vivam de forma minimamente digna.
Sem luz no fim do túnel
“Os sudaneses estão cercados por todos os lados – guerra, abusos generalizados, indignidade, fome e outras dificuldades. E enfrentam a indiferença do mundo exterior, que nos últimos dois anos demonstrou pouco interesse em trazer paz ao Sudão ou alívio aos seus vizinhos”, aponta Grandi, do ACNUR.
Ainda não há perspectivas para o fim da guerra. A ONG global Comitê Internacional de Resgate afirma que a dinâmica do conflito se tornou ainda mais complexa nos últimos meses, envolvendo diferentes grupos com interesses diversos, o que dificulta negociações e a manutenção da estabilidade no país. Alexandra Janecek, porta-voz da organização, também destaca a injeção de armamento no território sudanês e o apoio militar de outros países como fatores que também exarcebam a complexidade do conflito.
Apesar da magnitude da guerra e de suas consequências, este é um conflito ainda ignorado pelos holofotes ocidentais. A organização CARE descreve o conflito como “uma crise esquecida”, com pouca cobertura da mídia e ajuda humanitária muito inferior ao que seria necessário para enfrentá-la.
“Não podemos deixar de observar o nível de foco em crises como a de Gaza e a da Ucrânia e imaginar o que apenas 5% dessa energia poderia ter feito em um contexto como o do Sudão e quantas milhares, dezenas de milhares de vidas poderiam ter sido salvas”, explica Allan Boswell, especialista da International Crisis Group à revista Foreign Policy.
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