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quinta-feira, abril 18, 2024

Foto de migrantes mortos não mudará situação na fronteira entre México e EUA, diz pesquisadora

Apesar do impacto gerado pela imagem do pai salvadorenho e sua filha, países seguem com políticas que tornam as rotas migratórias cada vez mais arriscadas

Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo (SP)

A imagem do salvadorenho Oscar Alberto Martínez Ramírez, 25, e de sua filha Valeria, de um ano e onze meses – mortos por afogamento no rio Grande, que divide México e Estados Unidos -, ganhou os jornais na última semana. E retomou debates quanto ao poder das mídias sobre a questão migratória e a situação cada vez mais precária dos deslocamentos humanos – neste caso, em especial, na América Latina.

Ainda que em menor escala em relação a repercussão e comoção, a foto de Oscar e Valeria tem sido comparada à do menino curdo-sírio Alan Kurdi, encontrado morto em uma praia na Turquia em setembro de 2015. Sua imagem viralizou no mundo todo, gerou debates na mídia sobre seu uso e chamou a atenção para o drama dos refugiados que se dirigiam à Europa na época.

No entanto, as tragédias no Mediterrâneo – e em outras travessias – não cessaram após a foto trágica do menino morto na praia turca. Uma tendência que também deve se repetir no caso envolvendo a família salvadorenha.

“A comparação entre as duas fotos [de Alan Kurdi e do pai e filha salvadorenhos] é válida quando nos perguntarmos o que a superexposição e compartilhamento à exaustão dessas duas imagens pelas mídias digitais ou redes sociais fez ou têm feito pela vida de crianças migrantes e refugiadas que diariamente são impelidas (e, possivelmente, não escolham) atravessar fronteiras – como a do Mediterrâneo para entrar na Europa, ou a do México com os Estados Unidos”, afirma a professora Denise Cogo, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP – que tem a temática migratória na mídia como um dos eixos de pesquisa.

Assim como continuaram os naufrágios e mortes no mar Mediterrâneo após a viralização da foto do menino sírio, a professora tampouco espera por mudanças em relação à situação migratória na fronteira México-Estados Unidos a partir da imagem de Oscar e Valeria.

“Essa predominância de uma ordem visibilidade e do imagético da sociedade digital, que parece ter um alto poder de denuncia e comoção públicas, parece não ter ou não desejar exercer o mesmo poder mobilizador em favor dos direitos migratórios ou de políticas migratórias de Estados nacionais que assegurem esses direitos, incluindo o das crianças”, complementa a professora.

De acordo com a OIM (Organização Internacional para as Migrações), ligada à ONU, pelo menos 32 mil imigrantes – incluindo 1.600 crianças – morreram em jornadas perigosas na busca por melhores condições de vida desde 2014, quando a entidade começou a compilar dados.

ONU tem chamado a atenção para a questão das crianças imigrantes. Crédito: ACNUR

Triângulo Norte

Em comunicado distribuído à imprensa, o Alto Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi, afirmou que as mortes de Oscar e Valeria “representam um fracasso em lidar com a violência e desespero que leva as pessoas a trilharem jornadas perigosas pela perspectiva de uma vida em segurança e dignidade”.

“Isso é agravado pela ausência de caminhos seguros para as pessoas buscarem proteção, deixando-as sem outra opção senão arriscar suas vidas”, completa ele.

Os salvadorenhos, aliás, foram a sexta nacionalidade com mais solicitações de refúgio no mundo em 2018 – cerca de 46,8 mil, segundo o relatório Tendências Globais, do ACNUR. Considerando apenas a América Latina, ficaram atrás somente dos venezuelanos.

Ao lado de Honduras e Guatemala, El Salvador formam o chamado Triângulo Norte da América Central – os três países sofrem com a violência causada por gangues, além dos problemas sociais e econômicos vigentes. A violência é causada especialmente pelas “maras” – como são conhecidas as gangues nos três países, que mantêm seu poder por meio de sequestros, assassinatos, torturas e estupros. A recusa em entrar para alguma dessas organizações criminosas pode ter a morte como preço.

Por isso, a fuga para outros países, em especial México e Estados Unidos, cada vez mais se converte não em uma alternativa, mas na única saída possível. Não é por coincidência que salvadorenhos, gutatemaltecos e hondurenhos estejam entre os principais integrantes das caravanas que caminham pelo continente com objetivo de chegar aos Estados Unidos.

Violência na América Central gera deslocamentos forçados para outros países. Estados Unidos são o principal destino
Crédito: Anistia Internacional

Em entrevista ao jornal O Globo, o demógrafo brasileiro Paulo Saad, um dos autores do Atlas de Migração do Norte da América Central, da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), afirmou que somente um plano de desenvolvimento nos países centro-americanos que reduza a pobreza, a violência e consequências das mudanças climáticas, tem potencial para ao menos amenizar os fluxos migratórios na região.

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