São Paulo é considerado um dos polos mundiais da gastronomia. E a diversidade de sabores, aromas e combinações nos restaurantes e bares da cidade foi possível graças às migrações. Podem ser tanto as contribuições trazidas pelos migrantes ou pelos brasileiros que resolveram implantar aqui o que os conquistou no exterior.
Esse processo continua transformando a cena cultural e gastronômica de São Paulo. É por isso que o MigraMundo inicia hoje uma nova série, dedicada a divulgar as contribuições culinárias trazidas ou influenciadas por migrantes – pode ser um restaurante, um bar, uma barraquinha de rua, um novo serviço, um personagem específico… Sim, o leque é mais amplo do que se pesa e cada vez mais riquezas serão descobertas e compartilhadas.
E a estreia caberá à comida peruana e ao relato pessoal da colaboradora Eva Bella sobre o Rio Mar, restaurante localizado na rua Guaianases, e os responsáveis pelo local.
Rio e Mar peruano juntos no centro de São Paulo
Por Eva Bella
Tudo começou com um ceviche. Comi o meu primeiro feito por uma amiga peruana que morava na Rua do Gasômetro com o marido argentino. Não tenho nenhuma frescura para comer, sempre gosto de novos sabores e experiências gastronômicas. Mas sei lá, peixe cru… Bom, vamos lá: deve ser igual sashimi… Mas não.
Era molhadinho, no molho de limão com coentro e pimenta vermelha, e tinha que tomar o molhinho depois (o chamado leche de tigre). Tipo, virando o prato na boca, mas foi incrível! Depois ela serviu uma sopa com leite, milho, legumes… Foi bastante novidade para um dia só!
Quinze anos depois estávamos no centro e uma amiga queria comer no Rinconcito Peruano, que é um dos mais famosos restaurantes peruanos de São Paulo. Mas eu não faço fila pra comer de maneira nenhuma, é contra meus princípios de pessoa ansiosa e comilona. Então meu marido me disse que já tinha ido com o marido da amiga peruana (o argentino) comer por ali, na rua Guaianases. Não tinha certeza bem onde, mas que seria na primeira quadra, uma escadinha. Era o restaurante Rio Mar, bem pertinho mesmo.
Arriscamos e subimos a escada vermelha, não me lembro se tinha alguma placa… Só me lembro de estarmos em um salão cheio de gente comendo, que tinha um cardápio com os pratos, mas tudo em espanhol: o som que vinha das mesas, da garçonete, dos cozinheiros e dos comensais. Então arriscamos e pedimos ceviche e arroz chaufa.
O sabor foi quase o mesmo que o da minha amiga. Sem ninguém mandar ou eu me importar com as pessoas, virei meu pratinho para que não sobrasse nenhuma gota de leche de tigre. Pense num sabor maravilhoso!!! O peixe fresquinho, o azedinho e o amarguinho da pimenta…
Como a cozinha era aberta para o salão, eu fiquei muito curiosa com a dinâmica da cozinha, aquele fogo subindo toda hora e um menino pilotando o fogão com maestria.
Fiquei de voltar outro dia, já que era domingo e não parava de chegar gente.
No dia seguinte o Michael começou a preparar as coisas do almoço e me convidou a ficar com ele na cozinha. Em seguida o Hosler, irmão dele, chegou e se apresentou. Ficava um pouco no salão atendendo os pedidos e de vez em quando entrava na cozinha e ajudava no preparo dos pratos.
A hora ia passando e eu tentando acompanhar o ritmo, experimentando outros pratos, fotografando os ingredientes, ouvindo as histórias dos meninos.
O Michael foi convidado à trabalhar no Rinconcito Peruano, onde ficou por mais ou menos um ano. Depois saiu e começou a vender na rua, ficou mais um tempo até que o irmão mais velho chegou do Peru e resolveram abrir o restaurante. Eles vieram de Cajamarca, com sonhos de melhorar de vida fazendo o que mais gostam. A trajetória deles não é muito diferente dos conterrâneos: primeiro saíram da cidade pequena para Lima, onde trabalharam em restaurantes, mesmo sendo menores de idade, até que cresceram mais, foram estudar Gastronomia, e vieram parar em São Paulo.
Comecei a voltar lá no Rio Mar toda semana, sempre levando alguém comigo para experimentar as maravilhas. Alguns meses depois chega o Franco, o terceiro irmão, para trabalhar lá também e ajudar.
Nessas idas provei quase o cardápio todo: Causa (rocambole de purê de batata recheado com camarão ou frango), ceviche (peixe marinado no limão acompanhado de milho peruano), lomo saltado (carne flambada no fogo alto com molho shoyu, cebola, batata e tomate), pescado em molho bechamel (filé de peixe na chapa flambado com frutos do mar), as chaufas (arroz com acompanhamentos e shoyu), talharim saltado (parece o yakisoba, só que mais gostoso), chicharrones (peixinhos fritos empanados). E até os deliciosos choritos a la chalaca (simplesmente de outro planeta de tão bom…mariscos com cebola, tomate e pimenta marinado no limão).
Entre as bebidas tem chicha morada, pisco sour, mas eu seria muito leviana tentando explicar mais sobre a culinária peruana…
Então deixo uma dica: provem!
Texto publicado originalmente no perfil de Eva Bella no Medium.