Por André Gabay Piai
Como mencionado em artigo anterior, a França está prestes a promover mudanças importantes em suas políticas migratórias por meio de um novo projeto de lei a ser implementado em breve. Dentre as mudanças, pode-se citar como uma das principais linhas da lei uma maior facilidade em expulsar estrangeiros que se encontram sobre o território francês em situação irregular. Para contextualizar, atualmente, poucas dessas expulsões são, de fato, executadas, mesmo se são emitidas em grande número pelas préfectures da França (mais de 150 mil notificaçõs para deixar o país foram expedidas apenas em 2022).
A nova lógica por trás da nova lei a ser implementada no país europeu não escapa a outros territórios franceses situados fora do continente. Resquício da época colonial, a França conta, até os dias atuais, com 5 departamentos e territórios ultramarinos (Guadalupe, Martinica, Mayotte, Guiana Francesa e Reunião, além de Nova-Caledônia, Wallis-et-Futuna, Polinésia Francesa e Terras Austrais e Antárticas Francesas).
São localidades administradas pelo Élysée (sede da presidência francesa) e representadas pelo ministro do interior e de regiões ultramarinas, atualmente, Gérald Darmanin, que ganhou mais notoriedade, justamente, a partir da nova lei de imigração apresentada recentemente.
A experiência de Mayotte
Neste contexto, um desses departamentos (equivalente aos estados brasileiros, formando a federação), Mayotte, pequena ilha próxima à costa da África no Oceano Índico, ganhou as atenções do dito ministro. Sob a lógica de uma lei que visa a um maior controle de fluxos migratórios e de populações não-francesas sobre o território, ambiciona-se transformar a ilha, tomada pela pobreza, insegurança e tensões sociais, em uma vitrine para as novas políticas anti-imigração do governo.
Concretamente, teve início em abril uma operação denominada Wuambushu (Retomada, em mahorais, língua falada em Mayotte). De forte caráter xenofóbico e militar, ela tem como objetivo a expulsão massiva de migrantes, em sua maioria, provenientes das Ilhas Comores – arquipélago vizinho e antiga colônia francesa, do qual Mayotte originalmente fez parte. Há também pessoas de outros países próximos, como Madgascar e as ilhas Seychelles.
Evidentemente, Comores se opõe às medidas direcionadas a seus cidadãos em Mayotte. Quase 20 mil expulsões estão previstas até o fim de junho, em um departamento francês que conta com pouco menos de 300 mil habitantes.
Para estes fins, um grande efetivo policial foi enviado pela França metropolitana, como é chamado a porção europeia do país no francês cotidiano, revelando, assim, as relações neocoloniais ainda vigentes nos territórios ultramarinos franceses. As forças policiais mobilizadas estão também orientadas a reprimir qualquer forma de tentativa de rebelião em uma das prisões da ilha, o centro de retenção de Majicavo, ocupada, em sua maioria por migrantes em situação irregular, os sans-papiers.
Ademais, a operação a ser realizada no contexto da nova lei de imigração não poupará as crianças e adolescentes escolarizados na ilha de Mayotte. Assim, os professores estão cientes da possibilidade de que alguns alunos de origem migrante “desapareçam” da noite para o dia. As férias escolares na França serão grandes aliadas da celeridade da operação conduzidas por Darmanin, pois um jovem que frequenta a escola não pode ser expulso, segundo as leis do país. Ou seja, um aluno em período ocioso pode ser expulso.
Discurso e práticas xenófobas
O discurso xenofóbico, largamente difundido pela classe política de Mayotte, reforça o motor da operação: o amálgama entre imigração e delinquência. A operação Wuambushu constitui um verdadeiro laboratório para a política anti-imigração a ser implementada pela França. Para especialistas em estudos migratórios, a operação emcabeçada por Darmanin agravará, sem dúvidas, as tensões político-sociais latentes em Mayotte. De fato, quase 80% da população da ilha vive abaixo da linha da pobreza e as elites locais culpam a “invasão” de cidadãos de Comores pela situação.
Último território anexado pela França a partir de um referendo, Mayotte é uma terra de exceções. No arquipélago, o acesso à nacionalidade francesa não funciona da mesma maneira do que no resto do país europeu e é dificultado, a fim de coibir a entrada e a instalação de estrangeiros na ilha. Em última análise, segundo especialistas em migrações, não são os não-nacionais que contribuem ao estado permanente de tensão social na ilha.
O Estado francês, buscando conservar seus interesses geoestratégicos na região, instalou esse clima anti-imigrante no arquipélago. Os políticos locais incorporaram o discurso e legitimam Mayotte como laboratório das políticas migratórias implementadas pela França.