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sexta-feira, outubro 4, 2024

Imigrantes e pesquisadores criticam política migratória brasileira na pandemia e defendem projeto de regularização

Campanha RegularizaçãoJá, que inspirou projeto de lei no Congresso para regularização de imigrantes sem documentos, foi um dos temas de audiência na Câmara dos Deputados

O fluxo de migrantes na pandemia, o fechamento e restrição das fronteiras terrestres e a campanha Regularização Já foram alguns dos temas debatidos na audiência publica “Regularização migratória e fechamento de fronteiras”, realizada na última quarta-feira (4).

Solicitada pelas deputadas Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Vivi Reis (PSOL-PA), Luiza Erundina (PSOL-SP) e Fernanda Melchionna (PSOL-RS), junto à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Casa, a audiência contou com a presença dos representantes do governo e da oposição, além dos representantes da sociedade civil, em uma sessão online.

Outro tema abordado diz em relação à Portaria nº 21, publicada em 8 de março de 2021, que estendeu o prazo para regularização migratória até 16 de setembro de 2021 de imigrantes que tenham documentos de identificação expirados a partir de 16 de março de 2020. O Delegado de Polícia Federal, Coordenação-Geral de Polícia de Imigração do Ministério da Justiça, André Zaca Furquim, apontou que já se estuda uma nova prorrogação, mas não falou em datas.

“Há tendência de ser publicada mais uma portaria prorrogando-se novamente este prazo. Então para todas as pessoas que possuem documentos obtidos pela Polícia Federal, protocolos, carteiras de registro migratório que venceram neste ano ou no ano passado, que nós não pudemos atender em razão da pandemia, este prazo será ampliado”, afirmou Furquim.

Campanha Regularização Já

Um dos temas da audiência foi o Projeto de Lei 2699/2020, protocolado pela bancada do PSOL na Câmara, que busca a regularização de imigrantes no Brasil como forma de combater a pandemia de Covid-19. Entre as justificativas apresentadas para sua proposição está a campanha Regularização Já, criada por imigrantes residentes no Brasil, defendendo justamente essa pauta. Ela é inspirada na experiência de Portugal, onde milhares de migrantes foram beneficiados com a regularização como forma de ajudar no combate ao vírus.

A migrante boliviana Jobana Moya, integrante da Equipe de Base Warmis – Convergência de Culturas e que integra o a campanha, ressaltou que a pandemia tem sido um elemento que ampliou as desigualdades, as exclusões e discriminações contra migrantes, uma vez que limita o direito a regularização. Sem ela, muitos imigrantes passam a enfrentar dificuldades e medo ao acessar serviços.

“É do nosso interesse o desenvolvimento do Brasil. Somos parte desse território e, para isso, precisamos estar regularizados, precisamos que entendam que é um direito humano o direito a migrar e que não podemos permitir que sigam fechando as fronteiras”, relatou Moya. 

“Se as pessoas não estão em sua situação migratória regular, elas continuam tendo direitos, isso é fruto da nossa constituição cidadã, o direito a saúde, acesso a serviços de assistência social, de educação. Mas o acesso efetivo a esses direitos só vai se dar com as condições que a regularização migratória permite”, explicou Camila Asano, Diretora de Programas da Conectas. Por isso, para ela, é fundamental garantir as condições mínimas para que haja acesso aos direitos, incluindo a regularização migratória.

Ainda, Asano declarou que a situação irregular aumenta as vulnerabilidades dos migrantes, uma vez que ficam mais suscetíveis a exploração do trabalho, incluindo trabalho análogo a de escravidão, passam por dificuldades em conseguir aluguéis e risco de serem explorados e têm medo de acessarem o Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo a vacinação. 

#RegularizaçãoJá é a hashtag da campanha iniciada por imigrantes residentes no Brasil em favor daqueles que não possuem documentos – e por consequência, mais vulneráveis a questões como o novo coronavírus. (Foto: Divulgação)

Impacto da pandemia

João Chaves, coordenador do Grupo de Trabalho Migrações, Apatridia e Refúgio da Defensoria Pública da União (DPU) ressaltou que desde o início da pandemia, 31 portarias foram editadas com restrições de entradas, fundamentadas pela Lei 13.979/2020, conhecida como a Lei da Covid. Chaves explicou que algumas das medidas presentes nessas portarias, como a deportação imediata sem devido processo legal, a inabilitação do pedido de refúgio, o impedimento de qualquer outra forma de autorização de residência e aplicação de multas que podem chegar até 10 mil reais violam os direitos de migrantes.

Além disso, Handerson Joseph, migrante haitiano, antropólogo, professor e pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apontou que, desde início da pandemia, o medo se faz presente na vida de boa parte das populações migrantes no país e que são esses os que mais precisam da regularização. “Alguns migrantes temem se contaminar com o vírus e não conseguir serem atendidos num posto de saúde, num hospital. Muitos perderam seus empregos, como destacado, temem não conseguir outro emprego. Outros foram despejados de suas casas, como já foi dito, por não conseguir pagar o aluguel. Ou seja, o medo afeta a população migrante e a população em situação de refúgio”, acrescentou. 

Joseph ainda critica as escolhas do governo federal, uma vez que não foram tomadas medidas como o distanciamento social, uso de máscara, realização massiva de testes e ampliação das UTIs e leitos, além de outras, mas sim, o fechamento das fronteiras terrestres. “Em alguns casos, as pessoas migrantes foram consideradas como ameaças a segurança nacional, representando potenciais transmissores do vírus por mais que o novo Coronavírus já se encontrava no país e não foi trazido pelos migrantes”, expos.

Seletividade

Flavio Diniz, Diretor Substituto do Departamento de Migrações do Ministério da Justiça, defendeu que o fechamento das fronteiras seguiu orientações da Anvisa com o intuito de conter a propagação do vírus e apontou que o fluxo migratório vem sendo retomado.

Mas, para João Chaves, existe uma discriminação entre a entrada aérea e a terrestre: “O Brasil tolera o ingresso de turistas europeus, de turistas estadunidenses, mas não tolera garantir o direito ao refúgio”. “O mesmo país que em 2019 reconheceu a grave generalizada violação de direitos humanos na Venezuela, em 2020 reconheceu milhares de venezuelanos e venezuelanas como pessoas refugiadas, fechou as portas a esse público”, explicou.

Segundo Asano, o Governo Federal utiliza a pandemia como uma desculpa para retirar direitos e a Portaria nº 655 permite que haja uma escolha, de forma discriminatória, de qual perfil socioeconômico tem entrada autorizada. “Nós damos milhares de passos atrás em permitir uma seletividade daqueles que são bem-vindos e daqueles que não vão ser bem-vindos”, aponta. “Turistas que chegam por vias áreas, ou seja, que tem condições socioeconômicas podem vir e para eles é concedido a possibilidade de fazer testagem, PCR, quarentena. Agora para essas famílias que chegam pelas vias terrestres, que são famílias mais vulneráveis, não”, acrescenta. 

Participantes 

Veja abaixo a lista completa de participantes da audiência realizada na Câmara:

  • André de Carvalho Ramos (Procurador Regional da República, Coordenador do GT Migração e Refúgio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) 
  • André Zaca Furquim (Delegado de Polícia Federal, Coordenação-Geral de Polícia de Imigração do Ministério da Justiça) 
  • Camila Asano (Conectas Direitos Humanos)
  • Elton Bozzetto (Fórum Permanente de Mobilidade Humana – FPMH)
  • Erika Kokay (Deputada Federal PT)
  • Fernanda Melchionna (Deputada Federal- PSOL)
  • Flávio Diniz (Diretor Substituto do Departamento de Migrações do Ministério da Justiça) 
  • Handerson Joseph (Antropólogo, professor e pesquisador da UFRGS)
  • João Chaves (Grupo de Trabalho Migrações, Apatridia e Refúgio da Defensoria Pública da União- DPU-SP) 
  • Jobana Moya (Campanha Regularização Já) 
  • Orlando Silva (Deputado Federal PCdoB)

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