Por Paula Godoy
Nos últimos anos, o Brasil se destacou como um dos principais destinos de migrantes e refugiados na América do Sul. A intensificação dos fluxos migratórios, especialmente em decorrência da crise na Venezuela, gerou novas demandas e resultou na criação de diversos projetos sociais e ações governamentais para atender essas populações vulneráveis. Um dos projetos que se sobressai nesse cenário é o Sumaúma: Nutrindo Vidas, cujo nome é inspirado em uma árvore da Amazônia.
Em linhas gerais, o projeto é uma ação de Segurança Alimentar conduzida em Boa Vista (RR) pela Cáritas Brasileira, em parceria com a Associação Mexendo a Panela e a Cáritas Diocesana de Roraima. Além disso, conta com o apoio operacional do Exército Brasileiro e da Organização Internacional para as Migrações (OIM).
O nome para o projeto vem de uma árvore típica da Amazônia, conhecida por sua capacidade de armazenar água em tempos de abundância e compartilhar nutrientes com outras plantas durante períodos de seca. Dessa forma, a Sumaúma traz ainda uma ideia de compartilhamento e resiliência, elementos importantes no apoio à acolhida e integração de pessoas em situação vulnerável, como os migrantes recém-chegados da Venezuela.
Rotina diária e reconhecimento
O Projeto tem como objetivos possibilitar que migrantes e refugiados venezuelanos, bem como outras pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade social em Boa Vista, tenham acesso a duas refeições preparadas e nutritivas por dia.
Segundo Giovanna Kanas, assessora nacional da Cáritas Brasileira, os trabalhos na cozinha começam cedo, por volta das 5h30 da manhã. O Exército auxilia no transporte das refeições para o Posto de Recepção e Apoio (PRA), onde ocorre a distribuição, além de fornecer apoio na segurança. A OIM, responsável pela gestão do espaço, colabora para que a distribuição aconteça de maneira organizada.
Giovanna acompanha o projeto Sumaúma desde o início e relembra que o primeiro prato foi servido em agosto de 2022, após a Cáritas dar continuidade ao trabalho iniciado pela Associação Mexendo a Panela, um projeto local que, por seis anos, ofereceu refeições a moradores em situação de rua da região por meio de doações e trabalho voluntário.
“Com o aumento do fluxo migratório, eles começaram a pedir mais doações e a sensibilizar mais voluntários, respondendo àquela necessidade crescente. Antes de haver uma resposta federalizada do governo, e antes das organizações nacionais e internacionais se fazerem presentes, essa associação paroquial já estava dando seus pulos para atender os migrantes recém-chegados”, afirma Giovanna.
Além de combater a fome de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, o projeto estende suas ações à população local que enfrenta dificuldades alimentares. A relevância do projeto foi reconhecida em várias esferas, e, em 2023, o Sumaúma foi premiado pelo Pacto Contra a Fome, em parceria com a UNESCO, recebendo o valor de R$ 100 mil em reconhecimento ao impacto gerado em seu primeiro ano de atividades.
Ricardo Jerônimo Moto, gerente de Inteligência do Pacto Contra a Fome, destaca que o movimento migratório gera desafios sociais, como pobreza, desigualdade e acesso aos alimentos. “O prêmio visa justamente fortalecer as organizações que estão na linha de frente. Algumas delas atuam diretamente com a pauta migratória”, explica.
Em agosto de 2024, o Sumaúma alcançou a marca de 1 milhão de refeições servidas para um total de cerca de de 30 mil pessoas únicas.
Atividades educativas e monitoramento
Além da distribuição de alimentos, o projeto Sumaúma promove rodas de conversa e palestras sobre a importância de uma alimentação saudável e diversificada, respeitando as preferências alimentares dos beneficiários e permitindo sugestões para melhorar o atendimento. A organização busca criar um ambiente de respeito e diálogo, promovendo a dignidade tanto de brasileiros quanto dos migrantes atendidos.
“Temos uma atividade chamada ‘Migração em Dia’, que basicamente leva serviços e atividades educativas para a população venezuelana. Sempre estamos organizando ações para promover a interação entre os migrantes e a comunidade acolhedora”, relata Giovanna.
Um diferencial do projeto é o monitoramento contínuo das pessoas atendidas. Elas recebem cartões de identificação, que permitem o acompanhamento do número de beneficiários, dos serviços prestados e dos detalhes sobre o núcleo familiar, garantindo que as respostas às suas necessidades sejam adequadas.
Cerca de um terço da equipe do Sumaúma é composta por venezuelanos, que colaboram na adaptação dos temperos e auxiliam em tarefas como a contagem de pessoas e o escaneamento dos cartões.
Situações específicas
O projeto enfrenta desafios, como a variação no preço dos alimentos e a imprevisibilidade no fluxo de pessoas, mas a dedicação das equipes faz a diferença no dia a dia. “Estamos preparados para servir até 3 mil refeições por dia, mas esse número varia conforme o fluxo de pessoas. A média atual é de aproximadamente 2.100 refeições. Planejamos cuidadosamente para evitar que falte alimento, mas também para não sobrar, evitando desperdícios”, ressalta a representante da Caritas.
O projeto também tem cautela para atender a grupos mais específicos e que precisam de um atendimento especial. “Algo que sempre me emociona é quando conseguimos atender pessoas com necessidades nutricionais específicas. Temos refeições para todos, mas também oferecemos opções adequadas para públicos específicos. Por exemplo, temos uma sopinha para crianças em fase de introdução alimentar, e os idosos também apreciam muito. Além disso, nossa equipe identifica pessoas com necessidades especiais de saúde, como um menino com paralisia que não consegue mastigar. Casos assim ocorrem quase semanalmente”, conta Giovanna.
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