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domingo, dezembro 22, 2024

Marcha dos Imigrantes supera medo e vai à rua contra retrocessos

A nova conjuntura política não inibe imigrantes que se reuniram na Paulista para provar que estão prontos para resistir

Por Pâmela Vespoli
Colaboração de Rodrigo Veronezi e Amanda Rossa
Em São Paulo (SP)
Atualizado às 17h27 de 03/12/18

Em vozes com palavras de resistência, os imigrantes de diferentes regiões do mundo compuseram neste domingo a 12ª Mancha dos Imigrantes, em São Paulo. Definido pelo tema “não me julgue antes de me conhecer” comunidades de diferentes nações marcharam na famosa Avenida Paulista a fim de mostrar suas culturas e desmistificar qualquer preconceito que gere xenofobia.

O ato iniciou em pequena quantidade e foi ganhando corpo ao longo da tarde, com a chegada de coletivos, instituições e comunidades de imigrantes, além de simpatizantes com a causa. A alta circulação na Avenida aos domingos e a presença de outros eventos na via eram um desafio a mais para a organização da Marcha manter o ato coeso.

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Um momento que inspirou cuidados foi quando a manifestação passou ao lado de um protesto contra o aborto e ouviu objeções xenofóbicas de alguns de seus participantes. No entanto, a atuação da organização e da Polícia Militar impediram conflitos com o outro ato – a organização optou por desligar a caixa de som da Marcha nesse momento.

Pela terceira vez consecutiva, a Marcha dos Imigrantes vai à Avenida Paulista.
Crédito: Pâmela Vespoli/ MigraMundo.

A Marcha dos Imigrantes acontece desde 2007 e pelo terceiro ano seguido ocorre na mais famosa avenida de São Paulo, aproveitando seu fechamento para carros aos domingos e a oportunidade de tentar dialogar com outras pessoas que frequentam a área. A organização fica por conta de um conjunto de entidades ligadas à sociedade civil e imigrantes – seja independentes, seja ligados a algum coletivo.

Até o fechamento desta reportagem os organizadores não haviam informado o público estimado no evento.

Luta por direitos

No microfone aberto, imigrantes puderem falar para a sociedade como se sentem num país que os trata com preconceitos, e como gostariam que os brasileiros os vissem com igualdade e compreendam suas exigências de direitos.

Entre os tópicos, citaram o direito ao voto, a regulamentação da lei de migração humana e democrática, o fim da deportação, do trabalho escravo e da exploração dos imigrantes e refugiados.

Lassana Kone, 34, da Mauritânia, reivindica a qualidade de trabalho no Brasil e seu direito por seus documentos. Segundo ele, está trabalhando informalmente como esfiheiro e não consegue outra oportunidade por falta de suas documentações, devido burocracias brasileiras. “Eu vim mostrar que eu estou aqui”, afirma ao dizer que quer uma qualidade de vida melhor.

Os vereadores Eduardo Suplicy e Jualiana Cardoso mostraram apoio ao movimento.
Crédito: Pâmela Vespoli/ MigraMundo.

Segundo a vereadora paulistana Juliana Cardoso (PT), a Comissão de Direitos Humanos da Câmera Municipal, da qual ela também faz parte, tem discutido sobre a questão dos imigrantes que chegam a São Paulo.

“A gente sabe em direitos humanos, por exemplo, que ela não conseguiu avançar com a política que estava anterior, que era a política da coordenadoria dos imigrantes. A gente vê que principalmente no orçamento, não está colocado para esta pasta dos direitos humanos, infelizmente em especial coordenadoria dos imigrantes”, cita a vereadora, sobre a postura da gestão atual.

A vereadora menciona que o CRAI (Centro de Referência e Acolhimento do Imigrante), localizado próximo à Câmara Municipal, está com poucos recursos para realizar seus atendimentos, principalmente voltados para ao colhimento da recepção dos imigrantes. Ela afirma que foi montado um relatório final, solicitando para o relator que seja inclusa no orçamento a política dos imigrantes, em especial para aquelas de recepção.

Outro vereador que marcou presença na marcha foi Eduardo Suplicy (PT), que aproveitou o microfone aberto para falar sobre a importância dos imigrantes para o país e cantar a música Blowing in the Wind, de Bob Dylan.

Representatividade dupla

“Também somos pessoas que aportamos a sociedade, também pagamos impostos, trabalhamos duro, duro, duro. Trabalhamos bastante, por um país melhor, porque é a nossa nova casa”, diz Remberto Suaréz Roca, que veio da Bolívia há quatro anos e dá vida à Drag Queen Florência.

A personagem do boliviano virou atração para muitos passantes da avenida que parou para tirar foto da Drag Queen. Por meio dela, ele consegue descontraidamente alcançar diferentes públicos de várias idades e transmitir sua mensagem. “Imigrante não é só escravidão, não é só sofrimento, também é alegria, é diverso. Nós estamos aqui para dar amor e alegria, e meu personagem mostra muito daquilo”.

Remberto/Florência comenta que foi muito bem recebida na marcha, porque acredita que o brasileiro é um povo curioso e gosta de conhecer novas culturas e idiomas. Por isso, afirma que os migrantes vieram para somar por meio de um intercâmbio cultural – ela foi uma das vencedoras do 7º Festival de Música e Poesia do Imigrante, que aconteceu em agosto deste ano.

Ao mencionar sobre seus temores sobre as medidas do futuro presidente, Jair Bolsonaro – que já se expressou várias vezes contra as migrações atuais no Brasil -, não deixa de mostrar seu suave sorriso, demonstrando que sua alegria servirá como ato de resistência. “Com o novo governo a gente não sabe como vai ser ano que vem. Como imigrante LGBT é um medo duplo, não sabe se o coiso vai querer”.

Remberto Suaréz Roca participa pela primeira vez da Marcha e afirma que participará das próximas.
Crédito: Pâmela Vespoli/ MigraMundo.

Já para a colombiana Maria Paula Botero, 29, não é momento de ter medo. “A gente tem que perder o medo. A gente não precisa ter medo, porque o medo é uma coisa que deixa a gente pelo chão. A gente precisa se orgulhar do que é e precisa ter dignidade”, afirma ela, que é uma das representantes do coletivo Rede de Mulheres Imigrantes Lésbicas e Bissexuais, também presente à Marcha.

Com esse espírito de força que ela marchou e fez parte de uma das alas femininas do movimento. Além de representar os imigrantes, o público homossexual, ela também compôs um dos três grupos de mulheres presentes, formados por quantidades um pouco menor que nos anos anteriores.

Apesar de elas estarem presentes em outros coletivos, a ativista afirma que “ a gente está aqui, a gente tem voz, a gente quer visibilidade, porque normalmente são espaços de homens com vozes de homens. A gente não precisa disso, a gente tem voz e tem todas as habilidades e potencialidades do mundo para fazer o que a gente puder”

Compartilhar suas culturas

Vestida com uma roupa típica do folclore da Nicarágua, Ana Carolina Hidalgo Torai por meio de sua dança manifesta sua gratidão ao Brasil por acolhê-la há mais de 36 anos.  “Essa marcha maravilhosa nos dá a oportunidade de expressar nosso sentimento e agradecimento ao Brasil”.

Ao notar a visibilidade e a curiosidade daqueles que foram aproveitar a Paulista fechada, Ana Carolina menciona que os olhares mostram para ela o quanto os brasileiros se interessam pela cultura deles e querem conhecê-las. Segundo a nicaraguana, a cultura do seu país é rica em paz, amor e união, e por meio de sua apresentação é isso o que ela deseja aos brasileiros.

Ana Carolina Hidalgo Torai apresenta dança folclórica da Nicarágua.
Crédito: Pâmela Vespoli/ MigraMundo.

O jovem boliviano Christian Jhoel Acho Aliaga também expõe suas tradições por meio da dança, para ele é um símbolo de orgulho ao seu país. Mesmo admitindo ter poucas lembranças de sua infância, já que veio com onze anos de idade, ele diz ter muito orgulho de suas raízes e gostaria de transmitir isso para os outros bolivianos que também vieram muito novos para cá.

“Tem alguns meninos que têm vergonha de dizer que é boliviano, porque a criança não sabe o quanto de riqueza tem o seu país. Cada país tem uma riqueza, todos são bonitos, então temos que sentir orgulho por isso”.

Como todo jovem comemorar a data de seu aniversário é algo muito emocionante. Para Christian que completou 19 anos exatamente neste domingo, foi algo ainda mais especial.  Ao explicar que seu sobrenome Acho tem origem indígena e significa “uma flor que está nascendo”, ele diz que assim como uma planta ele está criando suas raízes e pretende dar frutos no Brasil, sendo um futuro advogado para entender das leis e ajudar tanto no direito dos imigrantes quanto dos brasileiros.

Junto com sua comunidade Christian Jhoel Acho Aliaga, o terceiro jovem da esquerda para direita, festeja seu aniversário na Marcha. Crédito: Pâmela Vespoli/ MigraMundo.

Na visão de outros imigrantes, a marcha é uma oportunidade de voltar a atenção dos brasileiros para a situação do seu país de origem, como é o caso de Alga Umaru Balde que denuncia a ditadura que ocorre em Guiné. Ele reforça que a educação brasileira deveria ser reforçada, porque muitos não sabem distinguir seu país do continente africano. Além da mídia reforçar imagens estigmatizadas sobre eles.

Após muito esforço, Alga conquistou sua dupla cidadania e hoje é um brasileiro, conta ele emocionado e agradecido ao dizer que escolheu o Brasil dentro de tantos países da América. “nós não somos perigo para o Brasil, a gente ajuda a construir também”.

Avaliação geral

Segundo Roque Patussi, brasileiro coordenador do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (CAMI) e representante da organização do evento, a marcha foi além das expectativas esperadas em relação à quantidade de aderentes à causa. Principalmente pela incorporação cada vez mais forte dos próprios imigrantes que estão reconhecendo a marcha como um meio se expressar e ser ouvido num espaço público.

“A marcha está sendo cada vez mais tomada pelas comunidades de imigrantes, antigamente era só nós que puxávamos tudo. Hoje eles fazem tudo, eles organizam e puxam tudo. O nosso papel é ajudar a orientar e ajudar toda movimentação que faz a marcha”.

Entre os empecilhos contornados pela equipe organizadora, os mais dificultosos foram com o poder público, pela demora das licenças e por delimitá-los a um espaço muito pequeno, conforme avalia Patussi.

Mesmo assim, eles superaram e puderam dar o recado que queriam neste novo contexto político, de que eles estão unidos, organizados e não vieram para ficar. “Gostaria de dizer a todos que com resistência, esperança e luta, vamos continuar”.

Elvira Riba Hernandez ensina desde cedo o pequeno Iriê a importância de reivindicar os direitos de seus antecedentes.
Crédito: Pâmela Vespoli/ MigraMundo.

Para a representante da Equipe de Base Warmis-Convergência das Culturas Elvira Riba Hernandez, a marcha é um ato muito importante, mas os imigrantes não devem se unir somente nela. Devem-se procurar espaços de mobilização para enfrentar o que está por vir, pois para ela os espaços não estão formados e os imigrantes devem resistir.

“A gente está num momento político muito delicado. Sabemos que algumas pessoas já estão sendo hostilizadas nos espaços públicos por conta de um discurso de ódio que está muito acentuado”, afirma a costarriquenha.

 

 

 

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