Nanni Moretti falou sobre o documentário ”Santiago, Itália”, que funciona como crítica à atual sociedade italiana e seu governo
Por Victória Brotto
De Estrasburgo (França)
”Essa é uma das belas histórias italianas. ” É o que disse o cineasta italiano Nanni Moretti, em entrevista ao jornal Le Monde sobre o seu novo documentário, “Santiago, Itália”.
Nele, Moretti conta sobre os tempos de ”uma Itália solidária”, quando, nos anos setenta, a embaixada italiana em Santiago (Chile) abrigou centenas de refugiados do regime militar de Pinochet. ”Depois, esses homens e mulheres seriam acolhidos pela Itália”, escreve o jornalista francês Jacques Mandelbaum.
Em entrevista publicada no primeiro caderno da edição do Le Monde desta quarta (27), Moretti compara a Itália solidária de ontem com a de hoje, ” hipnotizada pela imigração”.
”Eu temo que muitos italianos hoje estejam hipnotizados pela imigração. É um medo que os tomou, um medo instigado pelo líder da Liga do Norte, Matteo Salvini.”
Questionado se ele pensava em representar Salvini em algum filme futuro, como o fez com Berlusconi em ”Le Caiman”, ele rebateu: ”Não, não, não. Está além de minhas forças.”
Liderado pelo político de extrema-direita Matteo Salvini, o ministério do Interior italiano têm sido o centro das atenções do noticiário intra e extra-muros na Itália. Isso porque Salvini declarou os portos fechados a novos imigrantes, passando um novo decreto sobre segurança nacional e imigração no Parlamento europeu, em novembro passado. ” É mais um passo para fazer da Itália um país mais seguro e independente”, afirmou, criticando também a falta de cooperação europeia e o fracasso do Tratado de Dublin.
Nos últimos dois anos a Itália fechou os seus principais portos, como o de Bari, e Régio Calábria, para o acolhimento de migrantes resgatados no mar Mediterrâneo, impedindo que barcos humanitários desembarcassem em suas praias.
Sobre os possíveis refugiados fugindo do governo chileno de Pinochet, a Itália de 1973 não dera diretrizes claras aos embaixadores situados em Santiago, Piero de Masi e Roberto Toscano. Eles, por iniciativa própria, decidiriam abrir as portas da embaixada para o refugiados do regime. Tempos depois, 600 refugiados que viviam dentro da embaixada seriam acolhidos pela Itália.
”Essa história do passado traz um eco engraçado para a atual situação politica italiana…”, comenta o jornalista do Le Monde ao cineasta que contou a história em seu documentário.
”( A história do filme) é um exemplo de uma bela história de solidariedade, de curiosidade pelo outro e de acolhimento generoso, quando que hoje, na sociedade italiana, grande parte dos italianos escolheram algo que vai no sentido oposto”, disse Moretti.
Ao ser perguntado como ele poderia explicar a solidariedade italiana frente aos chilenos nos anos 70 quando a Itália mesmo passava por uma grave crise política, Moretti afirmou que não havia apenas terroristmo de extrema-direita e extrema-esquerda na Itália, nessa época. ” Existia também um movimento poderoso de solidariedade entre as pessoas”, respondeu. E acrescentou: ”É… mas esses tempos nos parecem distantes hoje…”.
Para Moretti, o povo italiano foi o povo mais solidário para com os chilenos de todos os povos europeus na época da ditatura de Pinochet. Porém, o quadro mudou: ”Você sabe, a memória não é o ponto forte do povo italiano…”, afirmou o cineasta, que diz que o seu filme foi bem recepcionado pelos italianos, principalmente pelos jovens. ”Havia bastante emoção na sala, tristeza. Mas o que predominou foi um sentimento de esperança.”
Mas o que o intriga, sobre a recepção de seu filme, são os rótulos. ”Nós vivemos em tempos tão estranhos hoje na Itália que fazer um filme simplesmente humanista ganha um rótulo de militarismo político.”