Por Tuíla Botega e Brenda Knutsen, do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios
A revolução tecnológica consequência da globalização no século 21, com o advento da internet e a ampliação da possibilidade de acesso individual à informação, é marcadamente uma característica da sociedade contemporânea. Inevitavelmente, essa realidade também faz parte do panorama das migrações internacionais e do cotidiano dos migrantes na atualidade.
De forma paradoxal, na relação entre migração e mídia, percebemos discursos em que se valoriza o encontro intercultural e, paralelamente, outros em que há a difusão e a reprodução de estereótipos e abordagens xenófobas e criminalizadoras da migração e dos migrantes.
As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que são todo meio usado para tratar a informação e auxiliar na comunicação, podem incidir profundamente sobre o trajeto, o pertencimento e a manutenção da identidade cultural dos indivíduos em deslocamento. Primeiramente, apontam para lugares que até então não eram considerados por certos coletivos de imigrantes. O Brasil é um claro exemplo de recebimento de um fluxo crescente de refugiado/migrantes, o que se deve, em parte, à forma como a imprensa internacional o pautou como um país emergente na economia. Em segundo lugar, com a expansão e a diminuição dos custos dos meios de comunicação, a troca de informações numa rede transnacional de migrantes também fortalece os laços com a família deixada no país, propiciando a manutenção das relações familiares de origem, e permite o acesso às notícias e aos conteúdos sobre o local de origem. Em suma, a possibilidade de uso das TICs forma uma relação além fronteira subvertendo de certa maneira os muros físicos e burocráticos que hoje estão implementadas para as pessoas em mobilidade.
Por outro lado, nota-se que a mídia também é utilizada enquanto meio para difusão e reprodução de discursos criminalizadores da migração e dos migrantes. Ao deixar de ser um relato imparcial da realidade, muitas vezes as coberturas jornalísticas são construções sociais alinhadas a uma certa visão sobre a migração e, como não poderia deixar de ser, se utiliza de uma linguagem alarmista e xenófoba para tratar do tema. Nesse sentido, os veículos de comunicação de massa exercem forte influência na formação da opinião pública, moldando, orientando a discussão, interpretando os fatos, elegendo as informações e, conseqüentemente, apresentado vieses para interpretação.
Para além dos jornais e sites eletrônicos de notícias, atualmente as mídias sociais se apresentam como um possível ambiente de democratização das construções identitárias. Assim como apontado no artigo do jornal The New York Times em “O essencial do migrante no século 21: comida, abrigo, Smartphone“, as mídias sociais e o uso que os migrantes fazem das TICs dão um novo enfoque para a cobertura midiática dos fluxos migratórios e as questões de refúgio. Isso porque permite que qualquer pessoa, inclusive os próprios migrantes, publique conteúdos que retratem seu dia-a-dia ou denunciem as condições em que se encontra, como por exemplo, a divulgação das condições subumanas dos acampamentos de refugiados em Calais, na França, a partir do Twitter e do Instagram. Dito isso, essas novas formas de comunicação a partir das redes sociais e sites colaborativos consistem em alternativas aos meios de comunicação de massa e permitem que o próprio migrante gere conteúdos sobre si próprio, contribuindo, em última instância, para revelar o protagonismo e o lado humano dessas pessoas em deslocamento.
O que se espera dos veículos de comunicação é que consigam retratar a mobilidade humana em sua complexidade, riqueza e diversidade. Para além dos fluxos, manchetes e estereótipos, é preciso reportar os fatos a partir de uma abordagem contextualizada, isto é, esclarecendo as situações nos locais de origem que geraram os deslocamentos, assim como as condições e as dificuldades na vida cotidiana nos locais de destino, e, acima de tudo, que se tenha em mente que as notícias não são sobre números, mas sobre seres humanos que precisam ter sua dignidade humana respeitada e representada na mídia.
O texto acima abre a edição 100 do informativo “Migrações na Atualidade”, editado pelo CSEM (Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios). Para acessar o boletim completo, basta clicar aqui.