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domingo, dezembro 22, 2024

Mulheres migrantes e refugiadas: riscos e proteção no contexto da violência de gênero

*Por Igor B. Cunha
Do CSEM (Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios)

A recente ascensão das políticas restritivas à migração tem contribuído para a crise humanitária que afeta as pessoas em trânsito no mundo. Esta situação deve ser tomada como um fator de violação a todos os migrantes, e, em especial, às minorias sociais: enquanto governantes reforçam as restrições e endurecem o controle nas fronteiras, aumentam as vulnerabilidades que as migrantes podem enfrentar. Com políticas não orientadas a pensar as especificidades de gênero, tais vulnerabilidades são invisibilizadas e a precarização situacional da migrante respalda a ocorrência de diferentes tipos de violência, seja ela psicológica, física ou sexual. São poucas as exceções de ações específicas às mulheres migrantes no mundo, como as recentes tentativas do governo da Cidade do México ao instar a ONU sobre a pretensão dos Estados Unidos de separar mães e filhos migrantes indocumentados.

Estas ações específicas que visam proteger as migrantes e refugiadas reconhecem que situações atribuídas mais às mulheres do que aos homens também levam à mobilidade humana, como a violência e opressão para com a mulher dentro do próprio núcleo familiar e comunitário, a falta de oportunidades e a vontade da emancipação (DUTRA, 2013). Neste sentido, nota-se pertinente considerar que fatos causadores da mobilidade referem-se às variadas formas de violência e desrespeito de direitos, como bem nos lembra a artista Negroma, em entrevista à BBC Brasil, “Se existe um refugiado, é porque existe essa violência”, referindo-se à violência que mulheres transexuais vivem em seus países de origem.

A respeito das mulheres e meninas refugiadas, muitas são expostas a várias formas de coerção, prostituição forçada, assédio e escravidão sexual (WURM, 2017). Por conseguinte, os riscos crescem à medida que os números aumentam. De acordo com o ACNUR, em 2015, um quarto dos refugiados na Europa era composto por mulheres e crianças. Em 2016, elas eram mais da metade. A agência da ONU ressaltou que a resposta aos dados prioriza o mainstreaming – considerar questões de gênero em todas as esferas – e o combate à violência de gênero em todas as atividades humanitárias.

Nas fronteiras, as recentes políticas repressivas causam perigosas consequências aos migrantes e refugiados, tais como os que são levados a utilizar caminhos alternativos e arriscados, uma vez que estes podem acabar nas mãos de traficantes e/ou abusadores. O relatório de 2016 da UNODC sobre tráfico humano revela que mulheres e meninas formam 71% das pessoas traficadas mundialmente e a maioria acaba sendo vítima de casamentos forçados ou de escravidão sexual.

Além das dificuldades que elas podem sofrer no país de origem, mulheres e meninas em mobilidade estão vulneráveis à violência de gênero e violação sexual não apenas no deslocamento, mas em todos os estágios de sua migração – até quando elas chegam a locais supostamente seguros (BIRCHALL, J. 2016). Ademais, frequentemente essas mulheres (e outras minorias sociais, como as sexuais) enfrentam dificuldades ao acessar serviços básicos de saúde e assistência.

Uma característica das políticas que tendem à restrição migratória é a de não refletir a interseccionalidade da migração com a problemática de gênero, e esta é uma das explicações por trás dos obstáculos enfrentados para conseguir igualdade de tratamento e garantias para os riscos específicos de vulnerabilidade, mesmo em lugares ditos seguros.

Considerar que as mulheres que migram acumulam fatores de opressão (por seu gênero e por sua situação como migrantes/refugiadas) é necessário no que tange à elaboração de projetos e políticas sociais que as atendam. Além disso, o maior desafio na crise atual é vencer o estigma negativo que dois vocábulos ainda possuem em setores determinados da política e da sociedade: “migrante” e “proteção à mulher”. Ressignificar tais termos é reconhecer a imperativa necessidade de equidade na proteção dos direitos fundamentais à vida entre homens e mulheres, e combater a violência e discriminação de gênero que permanece afetando meninas e mulheres migrantes.

**Editorial da edição 106 da Resenha Migrações na Atualidade, publicada pelo CSEM – Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios. Material reproduzido no MigraMundo como parte da parceria do portal com o CSEM

Referências:

BIRCHALL, J. 2016. Gender, Age and Migration: An extended briefing. Disponível em: http://www.bridge.ids.ac.uk/news/new-publication-gender-age-and-migration-extended-briefing

DUTRA, Delia. Mulheres, migrantes, trabalhadoras: a segregação no mercado de trabalho. REMHU, Rev. Interdiscip. Mobil. Hum., v. 21, n. 40, p. 177, 2013.

WURM, Gisela. Protecting refugee women from gender-based violence. Report for the Committee on Equality and Non-Discrimination. Disponível em: http://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/20170320-violenewoment-EN.pdf

LA JORNADA. Pide Mancera a ONU pronunciarse contra la violencia hacia migrantes. Disponível em: http://www.jornada.unam.mx/2017/02/23/capital/033n1cap

UNODC. Global Report on Trafficking Persons 2016. Disponível em: http://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/glotip/2016_Global_Report_on_Trafficking_in_Persons.pdf

GABACCIA, Donna. Take five: Migration and women’s rights—where do we go from here? Disponível em: http://www.unwomen.org/en/news/stories/2017/1/take-five-donna-gabaccia#sthash.CX9RNnsy.dpuf

MLAMBO-NGCUKA, Phumzile; SWING, William Lacy. UN Women and the International Organization for Migration call on world leaders to make migration policies that work for women. Disponível em: http://www.unwomen.org/en/news/stories/2016/9/statement-un-women-and-iom-call-on-world-leaders-to-make-migration-policies-that-work-for-women#sthash.71NQAgNX.dpuf

Divers ed. Jonathan Clayton. Refugee women on the move in Europe are at risk, says UN. Disponível em: http://www.unhcr.org/cgi-bin/texis/vtx/search?page=search&docid=569fb22b6&query=%20women%202015

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