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domingo, dezembro 22, 2024

‘No Parlamento ninguém fala’, diz eurodeputada sobre imigrantes no Mediterrâneo

Segundo OIM, mais de 2.400 pessoas morreram nos últimos dois anos no Mediterrâneo. Em Estrasburgo, Sophie Pelletier cita ''grande frustração''

Por Victória Brotto
De Estrasburgo (França)

”É assim no Parlamento: ninguém fala sobre e é muito muito difícil obter informação’’.

Assim afirmou a eurodeputada Anne Sophie Pelletier sobre o resgate de migrantes no mar Mediterrâneo, durante evento no Instituto de Ciências Políticas de Estrasburgo (França), na terça-feira (12).

Pelletier foi eleita pela primeira vez nas últimas eleições europeias pelo partido Esquerda Europeia Unida (GUE, na sigla em francês). Após uma carreira como assistente médica em asilos, hoje ela é uma das principais vozes da esquerda sobre questões sociais como terceira idade e migração.

”Como se faz um resgate no mar, o que está se passando no Mediterrâneo? Eu não sei, ninguém no Parlamento sabe. Por outro lado, nos chegam inúmeras informações sobre a Frontex. O diretor está sempre lá para falar conosco, pronto para nos fazer uma bela apresentação”, acrescentou.

Nos últimos dois anos, foram 2.417 pessoas mortas nas águas do Mediterrâneo, de acordo com dados da Organização Internacional para Migração. De janeiro a agosto deste ano, a OIM contabiliza 859 mortes.

De acordo com a organização, o Mediterrâneo se tornou a rota mais mortal do mundo para migrantes, responsavel por 50% das mortes de deslocados.

Syphax Allek, diretor regional da ONG S.O.S Mediterranée, afirmou que atualmente ”não existe ninguém fazendo resgates.”

Diretor da S.O.S Mediterranée, François Thomas, falou ao MigraMundo sobre novo diálogo aberto com governo italiano, mas sem ainda efeitos práticos.
Crédito: Victória Brotto/MigraMundo

”Nós partimos para novos resgates no último sábado, e não há ninguém além de nós lá. Metade das ONGs estão bloqueadas judicialmente.” Segundo Allek, isso pode significar mais mortes.

O diretor da ONG criticou ainda a ausência dos Estados europeus. ”Nós gostaríamos que a Europa assumisse a sua responsabilidade, que os Estados fizessem o seu dever. Mas como ninguém faz, as ONGs, o cidadão precisa preencher a ausência do Estado”, afirmou.

Presença em Estrasburgo

A ONG francesa é uma das presentes no mar Mediterrâneo resgatando migrantes que fazem a travessia em botes infláveis da Líbia para a Itália ou Grécia. De acordo com a ONG, 40 mil migrantes foram resgatados por eles desde 2016.

A S.O.S Mediterranée ficou conhecida pelo navio Aquarius, o qual dividia com a Médicos Sem Fronteiras (MSF). O navio foi bloqueado pela Justiça por falta de bandeira, já que, de acordo com o Direito Marítimo Internacional, um navio precisa de bandeira para poder navegar.

”O Equador havia disponibilizado a sua, mas por pressão italiana eles tiraram”, afirmou Allek. O navio deixou de operar no fim de 2018 e foi substituído pelo Ocean Viking.

Em evento de inauguração do novo escritório da ONG em Estrasburgo, o diretor Francois Thomas afirmou ao MigraMundo que foi preciso ir atrás de doações de pessoas físicas para colocar o novo navio em operação .

”Cada dia no mar equivale a 14 mil euros, montante que o cidadão comum nos doa.”

Sobre uma aproximação com o Parlamento, Thomas afirmou que ainda não existe nada estabelecido, mas que ‘’estar em Estrasburgo é uma vantagem’’.

Thomas mostrou-se cético quanto à ação de Estados europeus, citando o novo governo italiano de Comte. ‘‘No último resgate, tivemos que esperar 11 dias para uma autorização ’’, afirmou. ‘’Mas a diferença é que com Matteo Salvini não havia diálogo, hoje o diálogo existe.’’

O ex-ministro do Interior italiano Matteo Salvini fechou os portos do país para o desembarque de migrantes por 15 meses. A capitã alemã Carola Racket quebrou o embargo e desembarcou os migrantes resgatados por seu navio.

Racket ficou presa por um mês na Itália, até a sua soltura por uma juíza italiana que entendeu que ela respondeu a uma crise humanitária.

Eurodeputada criticou postura parlamentar face ao desafio migratório na Europa e falou de silêncio no Parlamento sobre a travessia de migrantes no mar.
Crédito: Victória Brotto/MigraMundo

Resolução

No último dia 25 de outubro, o Parlamento europeu rejeitou por 290 votos a 288 a resolução 2019/2755(RSP) que descriminalizava o resgate de migrantes, conferindo aos Estados o dever de fazer buscas e operações de migrantes no mar.

”É extremamente frustrante para nós”, comentou a eurodeputada sobre os 290 votos contrários.  Veja aqui a íntegra da resolução, disponibilizada no site do Parlamento europeu.

Ao ser questionada sobre o clima no Parlamento sobre o assunto, Pelletier afirmou: ”O clima é de batalha todos os dias. ” E acrescentou, em tom de ironia: ”O clima é esse de proteção de um modo de vida europeu.”

 A eurodeputada se referiu à fala da nova presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen que teria especificado a função de seu subordinado Margaritis Schinas, responsável pelo tema migrações, como uma função para ‘’proteger o modo de vida europeu.’’

”Nós exortamos os parlamentares europeus pedindo que eles tomem responsabilidade no que está acontecendo para que o mar pare de ser um cemitério de pessoas e para que nós não precisemos mais estar là”, reagiu Allek, diretor regional da S.O.S Mediterrannée.

Política mais dura

Na última semana, o governo de Emmanuel Macron anunciou o endurecimento da política migratória francesa.

Entre as medidas, estão um sistema de quotas de novos migrantes econômicos, acesso limitado ao sistema de saúde por requerentes de asilo e aumento da ajuda francesa à Frontex, agência europeia de segurança de fronteiras.

”Se o que ele fez é para fins eleitorais? Sim, claro que é eleitoral”, afirmou Anne-Sophie Pelletier. ”O que existe hoje em termos de política migratória na EU é um envelope com dinheiro para a Frontex”, acrescentou.

De acordo com a Eurostat, órgão estatístico da UE, o orçamento da Frontex para 2020 está previsto para 420 milhões de euros.

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