Por Eleonora Silanus
De Turim (Itália)
A crise do sistema Schengen mostra a inevitabilidade de uma mudança estrutural forte na própria concepção da União Europeia (UE).
Estamos diante o ponto final da União Europeia como as conhecemos. É evidente que esta Europa, construída a partir dos capitais e da vontade de regulamentar e facilitar trocas econômicas, não tem as ferramentas para lidar com a crise humanitária que ocorre neste momento. Os benefícios econômicos não podem mais governar a Europa: é necessária uma colaboração entre a população e países, que precisam abrir os olhos e entender que uma UE baseada somente no capital não funciona. Uma união entre países só pode ser baseada na união entre as pessoas: não é uma utopia, mas é uma necessidade.
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A fraqueza do sistema da União Europeia se percebe na falta de confiança e de colaboração entre os países. A primeira é evidente se consideramos que os países que assinaram um acordo estão prontos a suspendê-lo e esquecê-lo por exigências internas. Na França, Marine Le Pen, candidata às eleições presidenciais de 2017, declara: “Em caso de vitória negociaremos com a UE sobre o espaço Schengen e sobre o Euro. Como os ingleses”.
Além disso é inegável que a colaboração entre os países não é a prioridade desta Europa. A redistribuição dos solicitantes de asilo que chegaram na Itália e na Grécia para os outros Estados-membros da UE não está funcionando: dos 160 mil migrantes que os países da UE deveriam ter transferido, foram realocadas apenas 21 pessoas que se encontravam na Itália e 279 pessoas na Grécia.
Para confirmar as atitudes de não colaboração, as últimas recomendações do Conselho da Europa, baseadas na avaliação do sistema Schengen, preveem um tempo de três meses para a Grécia “proteger melhor as próprias fronteiras orientais” ou ficar de fato “trancada do lado de fora” da área Schengen com a suspensão do tratado.
Para melhor entender o quanto é fundamental mudar da atitude de “uma briga entre vizinhos” (como foi definida a situação europeia pelo Ministro das Relações Exteriores da Itália, Paolo Gentiloni) à colaboração entre países é importante analisar a real intenção de quem faz propaganda para o fechamento das fronteiras e a construção de muros. Como citado, o acordo já prevê esta possibilidade por um limitado período de tempo e vários Estados já usufruíram disso antes sem terem divulgado com tanta força a ameaça de uma “saída de Schengen”. Esta escolha mostra a intenção de excluir de alguma forma as nações do sul da Europa, colocando em suas mãos o destino de milhões de pessoas que não têm nenhuma intenção de morar na Grécia ou na Itália, mas têm como objetivo os países do norte. Além disso, existe um outro significado político: “Estas atitudes são necessárias para justificar uma resposta à crise migratória baseada em cima de medidas de segurança que reforcem os controles nas fronteiras, sem por em discussão a essência do sistema europeu, nem abrir um caminho humanitário para ajudar quem foge de perseguições e guerras” (Giuseppe Campesi, meltingpot.org).
O fechamento das fronteiras e a ameaça de aumentar a intervenção policial não são respostas a uma crise humanitária, mas atitudes de quem não sabe – ou não quer – resolver os problemas. O empenho colocado nas políticas de exclusão poderia ser direcionado mais convenientemente em políticas de acolhimento. A situação na Europa e os últimos acontecimentos são extremamente significativos: os bancos em crises, o mercado de ações instável e milhares de pessoas que chegam depois de ter fugido da guerra e da fome. Em quem é mais vantajoso investir? Nos capitais ou nas pessoas que tem a força e a vontade de sobreviver arriscando as próprias vidas? Mesmo se esquecermos a tutela dos direitos humanos e o princípios de solidariedade e limitando nossa análise às vantagens econômicas da migração, veremos que estes são infinitamente maiores que as desvantagens.
A evolução demográfica europeia é negativa e a imigração é o único motor demográfico positivo; para crescer, uma economia precisa de um mercado de trabalho ativo, e a idade media dos imigrantes está entre 25 e 45 anos. Todos os dados estatísticos mostram como as consequências econômicas da migração são extremamente positivas: como os migrantes são, na maioria dos casos, adultos com a idade para trabalhar, eles contribuem diretamente ao sistema fiscal e previdencial de um estado.
O maior problema do gerenciamento da emergência migratória é a ausência de um governo central que possa administrar as fronteiras de uma Europa melhor. Chegou a hora de considerar a virtual falência de Schengen como uma oportunidade, parar de se esconder atrás de muros e admitir que é preciso colaborar para criar uma nova Europa. A União Europeia nasceu em 1957 como a Comunidade Econômica Europeia, que baseava a sua constituição nos princípios da liberdade econômica. Passaram-se cinco décadas e muitos passos foram dados para o reconhecimento dos direitos das pessoas, mas falta o último: modificar os valores.
Não podemos mais ser uma União Europeia fundada na economia. Temos que ser uma União Europeia baseada nas pessoas. Se conseguimos criar uma moeda única e um banco central para gerenciá-la, podemos, como um só povo, ter um governo único e maduro, pronto para esquecer os egoísmos nacionais e focar numa Europa que seja, finalmente, unida.
Eleonora Silanus, italiana, é formada em direito com especialização em direito da imigração. Desde 2012 trabalha na cooperação internacional e promoção dos direitos dos migrantes, com passagens pela Itália, Tanzânia e Brasil. Colabora com o MigraMundo desde 2015.