Por Ramana Duarte
Em meio ao grande número de refugiados e apátridas gerados no pós-Primeira Guerra Mundial, surgiu também a primeira iniciativa de proteção internacional a essas pessoas. Em 1922 era criado o Passaporte Nansen
Seu idealizador foi o norueguês Fridtjof Nansen (1861-1930), o primeiro Alto Comissário para refugiados da Liga das Nações — entidade antecessora da ONU. Fridtjof era cientista, diplomata, explorador e humanitário e se destacou ao liderar a primeira grande missão humanitária da Liga das Nações para a repatriação de 450 mi prisioneiros de guerra.
Por esses esforços humanitários, Nansen ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1922.
A queda dos impérios russo, alemão e austro-húngaro, alem das novas configurações de fronteiras trazidas pelos tratados de paz, ocasionaram um grande movimento de migração no início do século XX. Luiz Ernani Bonesso de Araujo e Stefania Eugenia Barichello, em um artigo para a Revista do Direito da UNISC, escreveram: “Em pouco tempo, foram deslocados de seus países 1.500.000 russos brancos, 700.000 armênios, 500.000 búlgaros, 1.000.000 de gregos e milhares de alemães, húngaros e romenos”.
As minorias se tornaram os grandes responsáveis pelas consequências econômicas e sociais desastrosas da guerra. Governos de Estados-nações passaram a definir quem seria, de fato, os cidadãos e quem seriam aqueles que atrapalhavam a ordem e o desenvolvimento. Somado a isso, outros países fechavam suas fronteiras para os refugiados mediante a crise que se alastrava.
Hannah Arendt, filósofa e cientista política, escreveu em sua obra “Origens do Totalitarismo”: “Uma vez fora do país de origem, permaneciam sem lar; quando deixavam o seu Estado, tornavam-se apátridas; quando perdiam os seus direitos humanos, perdiam todos os direitos: eram o refugo da terra”.
O surgimento do Passaporte Nansen
Foi com o propósito inicial de servir ao povo russo que surgiu o Passaporte Nansen. Muitos fugiam da Revolução Russa (1917) que levou os bolcheviques e o Exército Vermelho ao poder e começou uma série de desnaturalizações por discordâncias políticas.
A partir dos decretos de 28 de outubro e 15 de dezembro de 1921, aqueles fora da Rússia há mais de 5 anos e que haviam abandonado o país após a revolução por apoiar o Exército Branco e contrarrevolucionário já não poderiam mais ser considerados cidadãos do país.
Além dos russos, os armênios também se destacaram por estarem privados de sua nacionalidade, segundo artigo do The Conversation de autoria de Peter Gatrell (professor de história econômica na Universidade de Manchester). Eram 300.000 refugiados armênios que se dissiparam em razão do genocídio que sofriam no Império Otomano. Apesar do massacre ter sido de 1915 a 1923, foi só dois anos depois de seu surgimento que o Passaporte Nansen passou a incluí-los. Mais tarde, o benefício passou a abranger refugiados turcos, gregos e búlgaros.
No documento, constavam informações como identidade, gênero, e etnia. Sem garantir a cidadania dos imigrantes, o passaporte era uma forma de identificação internacional que os permitia viajar pelos países que reconheciam o documento, sem ameaça de deportação.
Isso era importante não só para que os refugiados pudessem se locomover a fim de encontrar trabalho e membros da família, mas também para desafogar as regiões superlotadas, como Istambul (Turquia), e Varna (Bulgária). ]
‘Qualificação coletiva’
A ideia era distribuir os refugiados pelos outros países que compunham a Liga das Nações. Porém, segundo uma matéria do Atlas Obscura escrita pela freelancer Cara Giaimo, ele não garantia que o seu possuidor poderia voltar ao país que o emitiu.
Na época, havia uma “qualificação coletiva” dos refugiados e apátridas, como chama José Henrique Fischel de Andrade, doutor em relações internacionais e ex-consultor jurídico do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Ou seja, os critérios para ser um refugiado partiam de premissas unicamente coletivas, como etnia, nacionalidade e origem. Desse modo, diversas pessoas acabaram excluídas da proteção oferecida pelo passaporte.
No ano de 1923, um total de 39 países reconheciam o Passaporte Nansen — número que chegou a 52 quando ele deixou de existir, em 1942. Ao todo foram cerca de 450 mil passaportes emitidos.
Com a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, tornou-se obrigação dos Estado contratantes de garantir documentos para viagens para refugiados e apátridas. Outro marco da convenção foi a mudança de definição de refugiado, que assumiu um caráter mais global, podendo se aplicar a qualquer pessoa.
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