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sexta-feira, outubro 4, 2024

Um desabafo para Lula de um migrante brasileiro na Catalunha

Um dos nossos principais incômodos políticos, coletivos, como migrantes, é sentirmo-nos menos cidadãos por estarmos “longe” (um termo relativo) e somando anos, cada dia, “fora” (outro termo mais relativo ainda, por o trazermos “dentro”) do nosso país

Por Flávio Carvalho

“Uns dias chove, noutro dia bate sol… Que a gente vai se amando que também sem um carinho ninguém segura esse rojão” (Chico).

Alô! Lula? Aqui, Flavio, migrante brasileiro, da Catalunha…

Levo 20 anos de vida migrante, morando na Catalunha. Sou sociólogo, estudei antropologia, cursei um mestrado em ciência política. Dediquei-me a tentar entender esse processo, as migrações, minha vida. Montamos associação, formamos uma rede de brasileiros no exterior, fui eleito conselheiro representante dos brasileiros na Europa, sou presidente de uma nova associação (de promoção da cultura brasileira no exterior). E por aí, vai…

Filiei-me ao PT quando Lula perdeu a primeira eleição presidencial, para Collor. Senti que era bom momento, apesar de que todos me diziam o contrário. Tem dias que… Mas, também, tem dias que…

Enchi meu coração de alegria quando vi que pessoas migrantes, como eu, antifascistas, que compartilhavam as mesmas esperanças, ocuparam a gestão estratégica da política nacional de migração neste novo Governo Lula. Beijei a foto de Paulo Freire, novamente.

Recentemente, me chegaram notícias de que este mesmo governo estava planejando ir de encontro aos nossos anseios de ampliação dos direitos humanos das pessoas refugiadas (migrantes, afinal, como nós). Arrumei logo uma confusão com um amigo, dizendo-lhe: não paute nossa conversa pelo que escutas da mídia grande, burguesa, golpista. Esperemos. Pode ser Fake.

Pedi-lhe desculpas na semana passada, pois ele estava certo. Onde há fumaça, há fogo. Na maioria das vezes, infelizmente.

Junto com aquela esperança, dediquei preciosas horas do meu tempo livre, de voluntariado, a somar forças coletivas com o Ministério da Justiça na construção da 2ª COMIGRAR, a esperadíssima (já vão percebendo o quanto a nossa vida é de espera; e de paciência, jamais infinita). Sistematizamos aqueles 20 anos de propostas e reivindicações ao governo, horas de sono de compilar textos, debatemos, corrigimos, atualizamos, votamos, priorizamos.

Lembro que eu estava em Andorra, viagem amorosa, era Natal. E para não perder prazo, inscrevi a tempo a nossa conferência local, apresentada pela Frente Internacional Brasileira, FIBRA.

1ª proposta? Mais transparência na coisa pública, principalmente no Itamaraty, o organismo que, institucionalmente, mais deveria cuidar da gente.

2ª proposta: desfazer o que o anterior governo fascista nos fez no apagar das luzes, quase no Réveillon (você sabia disso?), modificando o regulamento consular, a burocracia que mexe com as nossas vidas, de milhões de pessoas equivalentes em número ao que seria o 13º Estado da Federação brasileira, sem a mínima participação nossa.

E a terceira proposta. E a quarta. A quinta… Dezenas de propostas. As tenho. Todas. Você quer ver? Mando-te, sim. São pro Lula. Mas pra você também. Claro.

Mandamos pro MJ. Pediram pra nos mandar de novo.
Mandamos novamente, perguntando, ao MJ:
A. como vai tudo?
B. está tudo bem?
C. queremos ir, participar mais de perto, “chegar mais junto”, ajudar… Como fazer?

Perguntei, pessoalmente (em nome de muitos, dezenas de pessoas que se dedicaram ao nosso chamado e participaram virtualmente, da China, dos Estados Unidos, do Brasil, da Galícia…).

Mandei pelo e-mail institucional da COMIGRAR, pelo WhatsApp da coordenação, por interlocutores dentro do Governo. Hoje, com este texto, comemoro trinta dias de tentativas, sem nenhuma resposta. Absolutamente. Nada. Só angústia.

Sabe assim, gritar uma pergunta, respeitosa, sem resposta?

Um dos nossos principais incômodos políticos, coletivos, como migrantes, é sentirmo-nos menos cidadãos por estarmos “longe” (um termo relativo) e somando anos, cada dia, “fora” (outro termo mais relativo ainda, por o trazermos “dentro”) do nosso país.

Em resumo, quais as mais recentes notícias, entre as poucas que eu tive que ler, sabe onde? Pelos grandes meios de comunicação da mídia burguesa. CNN, a velha Globo, G1. Estadão!

O Governo acabou de conceder aumento de 23% para os diplomatas, atendendo a pressão inédita, recente, que lhe fizeram, incluindo ameaça de fazer greve, eles, pela primeira vez na história.

Não custa lembrar que os diplomatas são os principais responsáveis pela maioria das políticas públicas que mexem diretamente com os nossos direitos. Aqueles, anteriormente mencionados, nas dezenas de propostas. Recordam-se? Começando por sentirmo-nos, pelo menos, bem informados, como primeira proposta. Lembram?

O acordo do aumento aos diplomatas, foi assinado pelo Secretário de Relaçoes do Trabalho, Feijó, ex-presidente da CUT. Frase dele: “o governo é intermediário; o povo é que é patrão”. Nós. Né?

Segunda notícia recente, não necessariamente nessa ordem. Sobre a política para os refugiados, nossa proposta número 8, se não me equivoco, já falei. Decepcionado. Recentemente houve novo protesto das associações de migrantes e vários especialistas em São Paulo.

Por último, acabo dizendo que ficamos sabendo que a direção nacional da política de migração, aquela, do coraçãozinho cheio de esperança (lembram?), já não está no MJ. “Saiu”.

Então, alguém pode me passar o telefone da Presidência da República, por favor?

Deve haver, como não, alguma pessoa funcionária encarregada de um contingente equivalente ao 13º Estado da Federação. Sim? Ah, e que não nos encaminhem pro MRE, por favor.

O porquê? Quer saber? Encaminho-te, com prazer.

Tá na base do documento explicativo (trabalho danado!) da nossa Conferência Local. Aquele mesmo, já mencionado, encaminhado ao MJ faz mais de 30 dias, sem resposta.

PS.: esse texto é pra você, que me perguntou hoje, novamente, desde Paris.

E, sim, enfim: prometo nunca mais me informar pela grande mídia, golpista, burguesa.
Leiam, comigo, MigraMundo, Desacato, FibraInternacional, 247…

Sobre o autor

Flávio Carvalho é sociólogo e escritor. Vive em Barcelona

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