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terça-feira, março 19, 2024

Museus de imigração em SP e SC vivem desafio de dialogar ao mesmo tempo com passado e presente

Instituições têm promovido atividades que fazem pontes entre as migrações históricas e os fluxos contemporâneos

Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo (SP) e Joinville (SC)

Segundo um conhecido ditado popular, quem vive de passado é museu. Mas museus que abordam a temática migratória, no entanto, tem feito movimentos para deixar essa expressão cada vez mais ultrapassada e estabelecer um diálogo entre os fluxos do passado e do presente.

Foi a partir dessa perspectiva que o Museu Nacional de Imigração e Colonização (MNIC), em Joinville (SC), lançou na última sexta-feira (17) o documentário “E ficaram saudades…”, a partir das histórias de vida de imigrantes de diferentes nacionalidades que se instalaram no Sul do Brasil.

Mas ao contrário do que geralmente se espera da região, os rostos na produção são de migrantes do Haiti, Síria, Mali e outros países além dos europeus.

A ação surgiu em 2018 a partir de um festival cultural realizado pelo próprio Museu que tinha como mote a “aproximação” com essas comunidades.

“Na ocasião o festival teve muita aderência e a partir dos retornos dessas comunidades, famílias e grupos organizados iniciamos um processo de pesquisa que deu origem ao documentário”, explica a educadora Elaine Machado, integrante do MNIC e que coordenou e roteirizou o vídeo.

Primeiro museu dedicado à migração a ser aberto no Brasil, em 1957, o MNIC já vem há algum tempo buscando ir além da narrativa predominante em Joinville, que é a da presença germânica. Um movimento que gera resistência em parte da população local, que vê o museu como um espaço destinado exclusivamente à preservação e exaltação da migração germânica.

Fachada do MNIC (Museu Nacional de Imigração e Colonização), localizado em Joinville (SC). Crédito: Divulgação

“O museu não é e não pode ser encarado como cápsula do tempo. Ele vem exercitando cotidianamente a aproximação da imigração do passado daquela que no presente acompanhamos e o mote para pensarmos e problematizarmos esses movimentos é pensarmos na diluição das barreiras, na imigração como um direito, e na ideia de fronteira como um espaço de trânsito, de passagem”, completa a educadora.

A museóloga Renata Cittadini, que atuou no MNIC até o final de 2018, também teve participação nesse processo e complementa o pensamento de Machado.

“Entender imigração enquanto fenômeno altera todo o modus operandi do Museu. Entender o Museu como instituição do seu tempo é fundamental para o cumprimento de sua função. Acredito que a mudança em Joinville é um processo que se iniciou a partir do momento em que os técnicos começaram a questionar a função daquela instituição para a memória da cidade.”

Passado e presente na antiga Hospedaria do Brás

Esse diálogo com o passado tem sido também uma das características do Museu da Imigração de São Paulo, instalado no espaço da antiga Hospedaria do Brás (1887-1978) – principal ponto de recepção dos migrantes que chegaram a São Paulo.

Museu da Imigração de São Paulo, em foto de setembro de 2016. Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo

Antigamente conhecido como Memorial do Imigrante, fechou para reformas em 2010 e foi reaberto cinco anos depois, em 31 de maio de 2014, já com a nova proposta – mais centrada no fenômeno migratório em si e menos no indivíduo migrante.

Essa ideia pode ser notada tanto na mostra permanente – que inclui um pouco do cotidiano da antiga Hospedaria do Brás – como nas mostras temporárias. Desde outubro de 2018, por exemplo, foram três exposições fotográficas que tinham o refúgio como tema – duas sobre crianças refugiadas e uma sobre venezuelanos em Roraima.

“O refúgio foi uma modalidade protagonista após a Segunda Guerra Mundial – e a Hospedaria de Imigrantes do Brás, nossa sede, acolheu algumas pessoas nessa situação – e voltou a ganhar destaque nos últimos anos. Nossa intenção é colocar em discussão o refúgio como fenômeno global, inserindo o Brasil nesse contexto, alcançando diferentes públicos”, explica Mariana Esteves Martins, coordenadora técnica do Museu da Imigração.

As exposições “Cartas de Chamada de Atenção”, em 2015, “Do retalho à trama” e “Direitos Migrantes – Nenhum a Menos”, ambas em 2016, são outros exemplos de abordagens contemporâneas da migração assumidas pelo museu paulista.

Manifestações que fazem reverência a comunidades historicamente estabelecidas em São Paulo, como a italiana, ainda são um grande chamariz para o público do Museu. A Festa do Imigrante, que neste ano acontece nos dias 2, 8 e 9 de junho, serve como exemplo – com as barracas e atrações dedicadas à Itália entre as mais concorridas da festa.

Festa do Imigrante reuniu expressões culturais de dezenas de nacionalidades. Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo

Os museus paulista e catarinense não estão sozinhos nesse movimento. Outras instituições dedicadas às migrações em outros Estados brasileiros e no exterior também compartilham do mesmo diálogo, de acordo com as especificidades locais.

O próprio Museu da Imigração serve como ponto de encontro dessas instituições. Em 2015, recebeu o Seminário Internacional: Museus, Migrações e Identidades, reunindo representantes do Museu da Imigração da Ilha das Flores (Rio de Janeiro), Museo de la Inmigración, na região portuária de Buenos Aires (Argentina), Museo de las Migraciones, em Montevidéu (Uruguai), e Ellis Island Immigration Museum, em Nova York (EUA).

Neste ano, em parceria com o Horniman Museum (Londres, Reino Unido), o museu paulista lançou o documento “Em Contato – Comunidades, Cultura e Engajamento”, que trata justamente de como as duas instituições buscam dialogar com as comunidades migrantes – do passado e do presente.



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