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terça-feira, outubro 15, 2024

A morte nas fronteiras

Tragédias diárias nas travessias e onda de ódio contra o diferente andam lado a lado

Por Pe. Alfredo J. Gonçalves

Dados da ACNUR/ONU indicam que vem aumentando consideravelmente o número de mortos nas duas rotas mais perigosas dos fluxos migratórios: por um lado, as águas do Mediterrâneo e, por outro, as fronteiras que ligam os países sul-americanos entre si e destes com o sonho do eldorado norte-americano.

Até agora, somente neste ano de 2019, cerca de 800 pessoas se afogaram na travessia do Mediterrâneo, enquanto nos complexos fronteiriços do continente americano o número de mortos gira em torno de 500. Neste último caso, a fuga em massa da Venezuela vem contribuindo para que a quantidade de vítimas fatais nas rotas das Américas se aproxime da rota entre África e Europa.

Historicamente, a rota do Mediterrâneo em direção à Europa, utilizada pelos migrantes do continente africano, do Oriente Médio e até de alguns países asiáticos, tem sido a mais perigosa e letal. Nos últimos anos, porém, aumentam cada vez mais as mortes no mapa da mobilidade humana que cobre de maneira especial a migração de venezuelanos e centro-americanos rumo aos Estados Unidos.

Por outro lado, ainda de acordo com a ONU, tanto em nível interno de cada país quanto em nível externo, atualmente estima-se em 70,6 milhões o número de pessoas que se encontram na condição de “desplazados” (deslocados).

Dois fatores em especial têm contribuído para a maior vulnerabilidade dos migrantes em fuga. Primeiro, o fechamento dos portos de Malta e da Itália, em particular, e dos portos europeus, em geral, para as embarcações que, partindo da Líbia, tentam alcançar o sul da Europa. As naves das ONGs, por exemplo, com centenas de migrantes a bordo, permaneceram vários dias à deriva nas águas do Mediterrâneo, enquanto a União Europeia discutia um possível acordo para um desembarque compartilhado.

Em segundo lugar, o presidente Donald Trump vem provocando um duplo endurecimento na legislação migratória dos EUA, seja nos acordos com ao países centro-americanos, no sentido de dificultar a passagem dos migrantes rumo ao norte; seja ao acelerar o famigerado processo de deportação que tem dividido perversamente os pais “indocumentados” dos filhos nascidos em território estadunidense.

Em outras palavras, tanto na União Europeia quanto nos Estados Unidos, a política migratória em geral sofre restrições em cadeia. Num contexto mais amplo, verificamos uma onda de ódio e discriminação racial, às vezes com tons de supremacismo, perpetrada por governos de extrema direita e de orientação nacional populista, tais como na Áustria, Dinamarca, Inglaterra, Itália, Hungria, EUA, entre outros – isso para não falar do Brasil, cujo número de estrangeiros é mínimo em relação à população do país.

O mais grave é que figuras como Trump, Salvini, Le Pen, Viktor Orbán (novamente, sem falar de Bolsonaro) não passam de porta-vozes de fatias significativas da população. O que significa que são, ao mesmo tempo, causa e efeito da intolerância e do rechaço generalizado aos que chegam de fora. A sociedade se fecha ao outro, ao diferente, ao estranho. Vale lembrar que todos os nomes citados, e seria fácil acrescentar outros, receberam votação expressiva utilizado um discurso eleitoral anti-migratório.

Ao aprofundar-se a longa crise da economia globalizada, agora acompanhada da guerra-fria comercial, os migrantes se encontram no olho do furacão de ventos contrários. Na aparência, representam uma ameaça constante ao status quo, causando medo e ameaça na população estabelecida de cada país. Daí serem apresentados, não raro, como novo “bode expiatório” para toda e qualquer desordem social e política. Como categoria mais frágil e vulnerável, sofrem de imediato as consequências da crise. Os candidatos, por sua vez, de olho na conquista ou manutenção do poder, sabem como manipular e instrumentalizar esse medo e essa ameaça, no sentido de faturar votos nas urnas. Prova mais ilustrativa disso é o uso e abuso de Trump em vista das eleições de 2020 nos Estados Unidos. Resta a pergunta: como navegar na contramão armados com os 4 verbos do Papa Francisco e com o Global Compact for migration?

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