O total de pessoas em situação de deslocamento forçado no mundo, incluindo refugiados e deslocados internos, chegou a 122 milhões de pessoas no final de abril. O dado consta da edição mais recente do relatório Tendências Globais (ou Global Trends, no original em inglês), divulgado internacionalmente nesta quinta-feira (12) pelo ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados). Em relação ao ano anterior, houve um acréscimo de 2 milhões de indivíduos, mantendo a tendência de alta verificada nas edições anteriores do levantamento.
Embora longe de representar algum otimismo, o número representa um ligeiro recuo em relação aos 123,2 milhões registrados ao final de 2024. A população global de refugiados diminuiu em 2024, totalizando 42,7 milhões — uma queda de 613 mil em relação a 2023. Os deslocados internos – ou seja, aqueles que precisam abandonar suas casas por causa da violência, mas que não deixam o próprio país – ainda representam a maioria dos deslocados forçados no mundo —60% do total.
Palco de uma guerra que se arrasta há dois anos e considerada uma crise ignorada pela comunidade internacional, o Sudão é o pais que mais gera deslocados forçados internos e refugiados no momento (14,3 milhões de pessoas), superando a Síria (13,5 milhões). Uma em cada três pessoas em situação de deslocamento forçado ou de refúgio é natural de um dos seguintes países: Sudão, Síria, Afeganistão e Ucrânia.
O relatório também menciona outras crises severas de deslocamento forçado, como em Mianmar, Haiti, Gaza, Líbano e República Democrática do Congo. A persistência da situação de emergência e calamidade nesses países gera efeitos sobre as nações vizinhas.
“Vivemos numa época de intensa volatilidade nas relações internacionais, em que as guerras modernas criam um cenário frágil e dilacerante, marcado por um sofrimento humano agudo. Devemos redobrar nossos esforços para buscar a paz e encontrar soluções duradouras para os refugiados e outras pessoas forçadas a fugir de suas casas”, disse o alto comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi, em comuinicado público à imprensa sobre o relatório.
O ACNUR destaca no relatório os resultados de mecanismos que visam solucionar ou ao menos amenizar as situações de refúgio. Em 2024, cerca de 9,8 milhões de pessoas retornaram para suas casas, incluindo 1,6 milhão de refugiados —o maior número em mais de 20 anos— e 8,2 milhões de deslocados internos. Segundo a agência, esse retorno atingiu o maior patamar em quatro décadas.
No entanto, a agência reconhece que tal retorno ocorre em condições muito distantes do ideal, uma vez que países como a Síria seguem sendo epicentros de instabilidade e de potencial violência contra a população. Além disso, também há a consideração de que as políticas migratórias cada vez mais restritas de diferentes governos nacionais mundo afora têm deixado o ambiente menos propício para a integração de refugiados às sociedades locais.
Apelo por financiamento
No relatório, o ACNUR também faz um apelo diante do orçamento mais curto em razão dos cortes de repasses recebidos da comunidade internacional. A situação ficou ainda mais aguda com o início do governo de Donald Trump nos Estados Unidos, que suspendeu a ajuda humanitária e desmantelou sua agência responsável para esse fim, a USAID.
O documento da agência da ONU mostra ainda que financiamento para ações humanitárias caiu drasticamente, com o orçamento do ACNUR no mesmo patamar de 2015 – quando o total de refugiados e deslocados internos era de 65,3 milhões de pessoas. “Essa situação é insustentável e deixa os mais vulneráveis ainda mais expostos”, ressalta Grandi.
Com os recursos mais escassos, segundo o ACNUR, missões em todo o mundo tiveram a operação revista e, em alguns casos, finalizada. O mesmo problema afeta também outras agências da ONU e organizações internacionais que dependem de verba repassada por governos nacionais.
Em maio passado, a Diretora de Proteção Internacional do ACNUR, Elizabeth Tan, citou em coletiva de imprensa uma série de programas da agência em todo o mundo que tiveram sua atuação afetada ou mesmo finalizada pela escassez de recursos. “Devemos nos unir internacionalmente e reconhecer nossa responsabilidade compartilhada de apoiar os que precisam e garantir que ninguém seja deixado para trás”, disse.
Olhar para as Américas
O continente americano tem no momento duas das maiores crises de deslocamento forçado da atualidade, representadas por Haiti e Venezuela. A nação caribenha viu o total de pessoas obrigadas a deixar suas casas triplicar durante o ano de 2024, ultrapassando 1 milhão de afetados, em razão da violência gerada por conflitos entre gangues e pela resposta insuficiente da comunidade internacional. No caso dos venezuelanos, persiste a diáspora entre países vizinhos, incluindo o Brasil.
Além de reforçar o apelo global por mais apoio financeiro, o diretor regional do ACNUR para as Américas, José Samaniengo, disse em comunicado à imprensa que a região ainda se destaca no cenário internacional por manter fronteiras relativamente abertas e por avanços locais na proteção e integração de pessoas refugiadas. Também citou estudos recentes do próprio ACNUR que reforçam as contribuições econômicas e sociais que os refugiados geram para as sociedades de acolhida.
“Por toda a nossa região, as pessoas refugiadas estão abrindo negócios, ingressando no mercado de trabalho e revitalizando as economias locais. Mas só poderão continuar fazendo isso se investirmos em sua proteção, estabilização e inclusão”, afirmou Samaniego. “Acolher e integrar essa população não é apenas um imperativo humanitário, mas também uma importante oportunidade socioeconômica.”
Em declaração ao MigraMundo, o representante oficial do ACNUR no Brasil, Davide Torzilli, disse que o governo federal tem demonstrado uma forte liderança nos processos de acolhimento, proteção e integração da população que requer proteção internacional. Ele cita como exemplos: a realização da segunda edição da Comigrar (Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia), que visa aperfeiçoar a política migratória nacional; a Operação Acolhida, que levou à interiorização de mais de 148 mil venezuelanos para quase 1.100 cidades brasileiras; e o Programa Brasileiro de Reassentamento e Patrocínio Comunitário para Afegãos.
“A concessão de vistos humanitários para nacionais de determinados contextos de crise humanitária, assim como as análises de solicitações de asilo de forma acelerada (prima-facie) contribuem para reforçar um sistema ágil, eficiente e de vocação progressista que dialoga com as necessidades das pessoas refugiadas”.
Os dados sobre refúgio no Brasil serão anunciados oficialmente em evento nesta sexta-feira (13) em Brasília.
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