As eleições que renovaram o Parlamento Europeu e foram concluídas no último domingo (9) confirmaram a tendência sombria que já vinha se desenhando no continente em relação ao trato das migrações. Essa impressão foi corroborada por pesquisadores ouvidos pelo MigraMundo, que ainda apontaram desafios adicionais para outros atores no continente, como os governos nacionais e as entidades de sociedade civil.
Dos 720 assentos do Parlamento Europeu, 402 (56% do total) serão ocupados por eurodeputados de direita e centro-direita. Dentro desse grupo conservador, no entanto, chamam a atenção os 130 assentos conquistados pelos partidos Conservadores e Reformistas (ECR), liderado pela primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, e Identidade e Democracia (ID), que inclui o partido da francesa Marine Le Pen.
Considerando de forma unitária os partidos europeus, a maior bancada é a do Partido Popular Europeu (EPP, na sigla em inglês), considerado de centro, que conquistou sozinho 189 cadeiras. Dele faz parte a atual presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyden, e a maltesa Roberta Metsola (EPP), que preside a Casa no momento.
Embora o Parlamento Europeu siga com uma predominância de partidos de centro e de direita, a extrema-direita consolidou um espaço que deve pressionar o organismo como um todo a manter ou mesmo aprofundar as restrições à mobilidade humana, cada vez mais observadas no continente do ponto de vista securitário.
“Eu acredito que este novo Parlamento Europeu, que, apesar de ainda ter uma maioria de centro e progressista, possui uma fatia maior dos assentos ocupada pela extrema-direita, terá muitas dificuldades para construir uma agenda voltada à imigração como um direito social de mobilidade. Estive em Paris e Estrasburgo, no próprio Parlamento, há cerca de uma semana, e a palavra que mais ouvi foi “criminalização da solidariedade”, o que hoje é uma realidade na França de Macron, mas também em Portugal, Espanha, Itália e na própria Alemanha”, ressalta Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM e pesquisador do Observatório das Migrações Internacionais no Rio Grande do Sul (OBMIGRARS/ESPM-POA).
O pesquisador vai além. “Pelo cenário que se desenha com esta nova configuração do Parlamento Europeu e dos governos nacionais dos países-membros, a tendência é que as migrações sejam cada vez mais restringidas e tratadas não como um tema econômico ou previdenciário, mas essencialmente securitário e com contornos xenofóbicos”.
Pauta popular e recado à sociedade civil
No anseio de tentar manter apoio entre grupos mais moderados e frear a influência da extrema-direita, certas agramiações de centro têm abraçado pautas conservadoras, entre elas uma visão mais securitizadora das migrações. A tendência é verificada até mesmo entre agramiações consideradas de esquerda.
“Há uma disseminação de sentimentos anti-imigração entre os mais variados setores da sociedade civil europeia, inclusive dentre aqueles considerados mais progressistas e voltados para uma agenda política de esquerda. Nas últimas eleições de países como França, Alemanha e Itália, por exemplo, partidos de extrema-esquerda adotaram discursos contrários à imigração”, observa Uebel.
Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio e professor da Universidade Veiga de Almeida UVA), acrescenta ainda que o resultado positivo obtido pela extrema-direita na Europa passa o recado para o mundo que suas bandeiras tem sido bem vistas pelas sociedades locais.
“Isso dá força para qualquer movimentação de fechamento de fronteiras. Governos que estavam planejando mas não sabiam como fazer agora entendem que a hora chegou, porque eles de fato entendem que há uma uma um pensamento europeu um pensamento Continental acerca desse tipo de postura. A tendência é que nos próximos meses e nos próximos anos, vejamos a aprovação de uma série de medidas nesse sentido”.
Instituições de apoio a migrantes tanto em âmbito local quanto internacional têm sido vozes de grande importância no sentido de denunciar violações de direitos humanos e de cobrar dos governos o respeito a acordos e legislações globais e nacionais sobre a temática migratória. No entanto, segundo Baghdadi, as eleições para o Parlamento Europeu passaram um duro recado para tais grupos: o da necessidade de se rever toda uma estratégia de atuação, até então mais focada na atuação junto aos governos nacionais.
“Esse é o momento no qual essas organizações precisam rever suas estratégias em termos de mobilização. Uma coisa é fazer pressão sobre os governos, contra determinadas medidas que sejam tomadas contra a migração, isso vem sendo bem feito. Outra coisa é a capacidade de mobilizar a população, que tem justamente mostrado que deseja essas restrições. Vimos que a pauta anit-migração é muito popular, como ela se saiu vitoriosa em vários países europeus”.
Como funciona o Parlamento Europeu
Com sede em Estrasburgo, na França, e em Bruxelas, na Bélgica, o Parlamento Europeu é a única instituição do bloco que conta com eleição direta. Junto com os governos dos países-membros, tem como funções a negociação e aprovação de leis que são aplicadas aos cerca de 450 milhões de cidadãos da União Europeia, sendo a mais importante instância legislativa e decisória do bloco.
O Parlamento Europeu também tem uma importância significativa na votação dos orçamentos das instituições continentais, que abrangem desde as políticas de securitização de fronteiras, como o Frontex, até as diretrizes para a circulação e emissão do Euro pelo Banco Central Europeu.
Desde a última quinta (6) e até domingo (9), cerca de 373 milhões de europeus estavam aptos a votar nos 27 países que formam a União Europeia.
A definição das 720 cadeiras é proporcional ao tamanho da população de cada país. Alemanha (96), França (81), Itália (76), Espanha (61) e Polônia (53) são os que elegem mais eurodeputados. Os países com menos representantes são Luxemburgo e Malta, com seis cadeiras cada um.