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quarta-feira, maio 21, 2025

Comunidade boliviana usa arte para rebater pichação xenófoba em São Paulo

"A gente sentiu que precisava fazer algo a respeito, nem que fosse algo pequeno", disse uma das participantes da intervenção cultural que rebateu o discurso de ódio deixado em muros no bairro da Mooca

Contra a xenofobia, a indignação transformada em arte. Foi o que representantes da comunidade boliviana em São Paulo fizeram em relação a pichações com a mensagem “Fora bolivianos”, feitas no bairro da Mooca, zona leste da cidade.

Não se sabe ao certo quando as pichações foram feitas. As mensagens – e agora, também as respostas a elas – estão gravadas em muros na região da avenida Radial Leste, próximas ao Teatro Gamaro e do campus Mooca da Universidade Anhembi-Morumbi.

Um dos bairros mais antigos da capital paulista, a Mooca tem seus primeiros registros datando de 1556 (apenas dois anos depois da fundação de São Paulo). A partir de meados do século XIX, se consolidou como um dos locais de concentração dos migrantes que chegavam à cidade, como os italianos. Nas últimas décadas, viu outras comunidades também se tornarem parte dessa história, entre elas a boliviana.

Não é à toa que o bairro da Mooca também abrigue o Museu da Imigração, que fuciona no espaço da antiga Hospedaria do Brás – que recebeu ao menos 2,5 milhões de pessoas do Brasil e do exterior durante seus 91 anos de funcionamento. O espaço, inclusive, fica a poucas centenas de metros do local das pichações. Tais elementos tornam ainda mais simbólicas tanto a manifestação xenófoba anônima quanto a resposta que ela recebeu.

Intervenção artística contra pichação xenófoba que atacou a comunidade boliviana em São Paulo. (Foto: Karla Burgoa/Arquivo pessoal)

Da indignação à resposta pela arte

Na última semana, justamente no Teatro Gamaro, estava acontecendo uma apresentação do comediante boliviano Fico. A jornalista boliviana Karla Burgoa, que também integra a Fraternidade Caporales Mi Viejo San Simón em São Paulo, acompanhou o show e notou a pichação ao deixar o evento. A postagem feita por ela no Instagram repudiando o ato contou com reações imediatas de diferentes membros da comunidade boliviana e de coletivos e instituições ligadas à temática migtatória.

Uma dessas manifestações veio do coletivo Cholitas de Babilônia, que propôs uma intervenção imediata contra a pichação.

Já na noite de sábado (3), um total de seis pessoas (incluindo Karla) voltou ao local. Em um dos muros pichados, “lambes” com mensagens de conscientização foram colados em cima da frase xenófoba. Em outro, a frase “Fora Bolivianos” foi “adaptada” para “Bora, Bolivianos”, no sentido de mobilização da comunidade.

Intervenção artística contra pichação xenófoba que atacou a comunidade boliviana em São Paulo. (Foto: Karla Burgoa/Arquivo pessoal)

“Sabemos que podem ter outras pichações dessas por aí, só ali [na Mooca] encontramos três. Mas a gente sentiu que precisava fazer algo a respeito, nem que fosse algo pequeno”, comentou Karla ao MigraMundo sobre a intervenção.

O portal de notícias Bolívia Cultural também noticiou o ato de xenofobia e captou indignação de moradores da região com o ocorrido.

Bolivianos em São Paulo e a reivindicação de um novo olhar

Os bolivianos formam atualmente a maior comunidade migrante na capital paulista. Dados da Prefeitura e do Ministério da Justiça indicam que ela esteja em torno de 65 mil representantes, superando de longe outras comunidades, como a haitiana (cerca de 25 mil) e chinesa (17 mil). O grupo é reforçado ainda por pessoas brasileiras que são filhos e netos de bolivianos e que desenvolvem um forte laço com a cultura de seus antepassados.

Essa característica gera um debate junto à própria comunidade sobre questões quanto a pertencimento a este ou aquele território. Uma das edições do Quipus Podcast, mantido pela própria Karla, trata justamente dessa discussão.

Nos últimos anos tem crescido ainda uma percepção junto à comunidade boliviana em São Paulo de se reconhecer também como pessoas indígenas andinas, além de migrantes. Parte desse sentimento é captado pela série documental “Ventos do Peabiru”, lançada em seis episódios entre 2023 e 2024 e disponível gratuitamente na íntegra no YouTube. A produção surge da inquietação diante da invisibilidade das comunidades indígenas migrantes na capital paulista, que usam a própria cultura para quebrar essa barreira.

Outro sentimento que pode ser notado junto à comunidade boliviana é o de se posicionar com maior firmeza diante de manifestações que a coloquem em uma situação de perpetuação de estereótipos. Um exemplo recente foi a resposta dada pelo Cholitas de Babilônia e outros coletivos culturais contra a exposição fotográfica “Oficina do Suor”, em dezembro passado, que teve abordagem considerada ofensiva e estigmatizante da situação da comunidade migrante andina em oficinas de costura em São Paulo.


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