Por Pe. Alfredo J. Gonçalves
No contexto dos debates sobre a Campanha da Fraternidade, migração e fome com frequência são companheiras de viagem. Não que o flagelo da fome seja provocado diretamente pela migração, mas porque esta última representa, não raro, a fuga de uma série de carências, entre as quais destaca-se a impossibilidade de garantir“o pão nosso de cada dia” com o próprio trabalho. A mobilidade geográfica tem como anseio e horizonte a mobilidade social: a pessoa busca, por meio da mudança de lugar, região ou país, um nível de vida melhor, para si mesmo e para os familiares.
Nas chamadas “migrações históricas”, essa melhora de vida se revelou real para não poucos migrantes. Durante o século XIX e início do XX, milhares de europeus recomeçaram a vida nos Estados Unidos, Argentina, Brasil etc. Boa parte deles logrou uma efetiva ascensão socioeconômica e até política. O mesmo ocorreu com outros milhares e milhões de migrantes brasileiros que, entre as décadas de 1930-70, trocaram o Nordeste ou Minas Gerais pelo centro-sul, de modo particular São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
Tanto no caso das migrações intercontinentais quanto dos deslocamentos internos, em geral a mobilidade humana foi seguida, a médio e longo prazo, por uma concreta mobilidade social ascendente. Em certo grau, o binômio migração e trabalho praticamente se complementavam. O desenraizamento provisório na Europa ou no Nordeste era seguido de um enraizamento minimamente seguro.
Muito diferente é o que vem acontecendo com as migrações atuais, seja em termos de novo enraizamento no local de destino, seja quanto a encontrar um emprego mais ou menos estável, se tornaram muito mais incertas e inseguras. Ocorre um acentuado divórcio entre o fenômeno migratório e a possibilidade de trabalho, entre migração e futuro mais promissor.
A migração com origem e destino relativamente predeterminados, no passado, cedeu lugar a um vaivém sem rumo e sem a certeza de fixar os pés em um novo solo pátrio e acolhedor. É comum se percorrer vários países, tropeçando nas fronteiras que os dividem, nas leis cada vez mais rígidas, no preconceito e na intolerância – situação escancarada e agravada pela pandemia de COVID-19.
As nações, e claro, o Brasil, necessitam de uma legislação mais flexível, sem o estigma da segurança nacional, acompanhada de políticas públicas destinadas a acolher os migrantes que batem à porta. Ao longo dos tempos, a diversidade de rostos, valores e culturas enriquecem a civilização.
Pe. Alfredo J Gonçalves, cs, é vice-presidente do SPM (Serviço Pastoral dos Migrantes)