Por Fernanda Sardenberg Quadros
Em uma perspectiva de sexo biológico e gênero, nós mulheres somos metade da população do planeta. Mas no que se refere a ocupar outros lugares, seja do ponto de vista social, político ou profissional, lutamos há séculos para chegar nesses 50%, nessa equidade tão justa quanto necessária para a evolução da sociedade e do próprio mercado de trabalho. No entanto, a depender do nosso país, ou nossa especialidade, ou a indústria na qual trabalhamos, o ponteiro mal passa dos 10%.
E quando o tema é Mobilidade Global, esses números se repetem. Apenas 14% de mulheres: essa é a média de mulheres que são expatriadas globalmente, segundo o último relatório Worldwide Survey of International Assignment Policies and Practices (2017) da Mercer. É um número ainda muito baixo diante do avanço da mobilidade global que vivemos nessas primeiras décadas dos anos 2000. É claro que parte é reflexo da própria participação desigual das mulheres no mercado de trabalho formal e corporativo, o que varia ainda mais de acordo com diferentes geografias e setores. Por exemplo, enquanto no Sudeste Asiático e na Ásia Oriental esse número pode ser de 10%, nos EUA ele sobe para 20%. Em um recorte por indústria, nos setores de energia e alta tecnologia temos de 8 a 11% mulheres expatriadas, no setor de ciências da vida (biologia, saúde, etc) o número sobe para 23%. Esses números mais próximos de 20% também são encontrados em empresas dos setores de serviços e varejo.
Essas variações, no entanto, não mudam o panorama geral da desigualdade de gênero nos processos de expatriação global: mesmo nas economias mais desenvolvidas o número não passa de 25%. E mesmo com a tendência global de investimento que as empresas estão fazendo em #ESG, o ritmo não tem sido o suficiente para que alcancemos essa paridade nem nos próximos 30 anos.
Assim como já sabemos o impacto que a #diversidade de gênero (e raça, etária, etc) produz na inovação, no crescimento e nos resultados de uma empresa, a ausência de paridade de gênero nos processos de expatriação e em mobilidade global repercute diretamente em questões como gestão de talentos, desenvolvimento de liderança e, claro, na remuneração e equidade salarial.
No mercado de trabalho, em especial para empresas globais, ter uma experiência internacional de trabalho é essencial para o crescimento na carreira. Logo, um percentual baixo de transferências internacionais de mulheres impacta diretamente nos índices de gestão de talentos da empresa e se torna um obstáculo na jornada de igualdade de gênero e na presença de mulheres em posições de liderança. Aliás, ao longo da carreira das mulheres, é exatamente quando elas estão no nível intermediário em direção a cargos de liderança que essa progressão é dificultada ou interrompida. Em termos globais, as mulheres ocupam 40% das posições intermediárias, e o número vai caindo: são 33% dos gerentes médios, 26% dos gerentes seniores e menos de 20% dos cargos executivos e de liderança (relatório When Women Thrive).
Se a gestão estratégica de talentos é uma meta importante para os resultados de uma empresa, então a questão do gênero nas políticas e nos processos de expatriação é uma abordagem fundamental para os recursos humanos.
Dificuldades
Podemos listar algumas dificuldades que as mulheres encontram em processos de expatriação e mobilidade global:
- A cultura machista da sociedade, que se reflete no mercado e que gera vieses inconscientes no pensamento e no trabalho de gestão em todos os setores da empresa, pode influenciar o processo de seleção de funcionários;
- De um lado, as colaboradoras candidatas a uma transferência internacional podem ser discriminadas por esses vieses durante o processo, e de outro, também podem se desqualificar por não receberem o mesmo apoio que um homem recebe da empresa, dos amigos e de suas famílias para realizar essa mudança;
- Os diferentes graus de dificuldade que mulheres encontram em cada local para onde realizam sua migração profissional, que pode variar de uma cultura bastante inclusiva, passando por sociedades e culturas empresariais mais resistentes a mulheres em cargos de chefia, até países extremamente hostis a mulheres que exerçam um trabalho não-doméstico, onde elas sequer podem andar na rua, realizar compras e outras atividades civis e profissionais sem a presença ou tutoria de um homem.
Caminhos
São vários os caminhos para a empresa, em especial os recursos humanos, lidar com esses desafios e aumentar a equidade de acesso das suas colaboradoras aos processos de mobilidade global. Um bom começo é alinhar o tema com o alto nível executivo e o setor de diversidade da empresa, principalmente, e criarem juntos políticas de conscientização organizacional acerca dos vieses de gênero no trabalho, para estimular a conversa e o compromisso em aumentar a paridade de gênero e se afastar, a longo prazo, do modelo tradicional de expatriação preferencialmente masculina.
Depois, com a diversidade e equidade de gênero em mente, analisar se os benefícios e subsídios da atual política de expatriação estão ajudando ou atrapalhando as mulheres no processo – sejam elas as funcionárias candidatas a uma expatriação, sejam cônjuges de funcionários em processo de expatriação. Medidas específicas, como creche para os filhos, apoio profissional, psicológico, orientação cultural, etc, para que a mulher possa receber o mesmo incentivo, apoio e orientação que o cônjuge durante o processo de transição. Do ponto de vista financeiro, é importante existir flexibilidade para se redirecionar subsídios ou revisar valores fixos que possam ser usados para atender às necessidades específicas das mulheres expatriadas ou demais minorias.
Em termos de construção de cultura dentro e fora da empresa, é importante que funcionários e funcionárias, suas famílias e rede de apoio, saibam que existe uma política e um trabalho de equidade de gênero sendo colocados em prática. Inclusive esse posicionamento gera uma oportunidade para que as equipes de diversidade e de mobilidade da empresa trabalhem juntas e desempenhem um papel estratégico na gestão de talentos da empresa, impactando na percepção positiva do mercado de trabalho e demais stakeholders sobre o posicionamento da empresa em ESG, diversidade e resultados comerciais e de construção de marca a partir disso.
Sobre a autora
Fernanda Sardenbeg Quadros é sócia proprietária da Atlantic Tax & Advisory desde 2012, formada em Direito, MBA em Gestão de Recursos Humanos e graduanda em Psicologia. Possui mais de 15 anos de experiência na área de consultoria fiscal a pessoas físicas e gestão de expatriados, com passagem pelas empresas PWC e EY, como consultora, e Souza Cruz, como especialista de Recursos Humanos
Este texto foi publicado originalmente no LinkedIn. Acesse aqui