Ela é apelidada de “nação arco-íris”, é ponto de atração de imigrantes de toda a África e até sediou a última edição do Fórum Social Mundial das Migrações (WSFM), em dezembro passado. Mas a África do Sul ainda está longe de ser um país colorido. Além das cicatrizes e das feridas ainda abertas da época do regime do apartheid na sociedade, os migrantes que vivem em solo sul-africano têm sido alvo de atos de xenofobia – e que ficaram mais intensos nas últimas semanas.
O foco da atual onda de violência contra migrantes é a cidade de Durban, mas tem se estendido também para Joanesburgo, maior e mais importante cidade do país. O estopim teria sido uma declaração atribuída ao rei zulu (uma das etnias que vivem na África do Sul), Goodwill Zwelithini, que todos os estrangeiros no país “deveriam fazer as malas e voltar para casa”.
A fúria é direcionada basicamente aos imigrantes da própria África: congoleses, moçambicanos, angolanos, nigerianos, senegaleses, etíopes são apenas algumas das nacionalidades presentes nas cidades sul-africanas – e potenciais alvos dos atos de xenofobia. Alguns sul-africanos repetem os discursos que se ouvem em países da Europa e nos Estados Unidos e acusam os imigrantes de roubarem empregos (aceitando salários menores que a população local) e de estarem envolvidos em ações criminosas.
A recente onda já deixou pelo menos seis mortos e desalojou cerca de 5.000 imigrantes, de acordo com agências internacionais. Devido aos atos de violência, há imigrantes procurando regressar aos países de origem. “Eles estão matando pessoas aqui. Estou planejando voltar para casa”, disse o congolês Patou Lumumba, receoso da própria segurança na África do Sul.
Nas redes sociais circulam diversas imagens de pessoas gravemente feridas ou mortas em resultado desses ataques. Também na web, por meio das hashtags #XenophobicSA e #AfrophobicSA, sul-africanos e migrantes expressavam horror aos ataques, solidariedade às vítimas e reclamavam da falta de ação dos governos – tanto do sul-africano como da comunidade internacional.
Problema antigo
A xenofobia já causou traumas recentes na África do Sul. Em maio de 2008, uma onda de violência na township de Alexandra resultou na morte de 60 pessoas – para comparação, entre 2000 e 2008 tinham sido 67 registros. Barracos, estabelecimentos comerciais de imigrantes eram atacados e depredados.
A xenofobia está também em reações cotidianas, como a sofrida pelo moçambicano Miguel Raimundo, estudante de logística que vive há dez anos na África do Sul. “Estava parado no farol e veio um homem querer limpar o vidro do meu carro. Recusei e logo em seguida o homem disse ‘então volta para o seu país’, seguido de um palavrão”, descreveu.
Raimundo é casado com a brasileira Conceição Silva, que vive na África do Sul desde 2006. Ela também lembra que os ataques deste ano são uma repetição do que já ocorre cotidianamente, em maior ou menor grau. “Isso acontece há mais tempo, só não era mostrado”, resume.
Contra violência, reações pacíficas
Além das manifestações de solidariedade nas redes sociais, uma série de protestos pacíficos tem sido organizados dentro e fora da África do Sul contra a xenofobia. Em Durban, sul-africanos e imigrantes de diversas nacionalidades foram às ruas no último dia Com bandeiras da África do Sul e cartazes com as mensagens “África Unida” ou “Parem Com a Xenofobia”, manifestantes lotaram as ruas de Durban no último dia 16.
Em Moçambique, país vizinho e que conta com uma comunidade estimada em 3 milhões de pessoas na África do Sul, as reações aos ataques incluem atos em frente à embaixada sul-africana na capital, Maputo, um cordão humano na região de fronteira e propostas de boicote a produtos sul-africanos.
“Queremos, em primeiro lugar, patentear a nossa solidariedade para com os nossos irmãos vítimas de ataques xenófobos na África do Sul. Trata-se de um modo de dizer a todos os moçambicanos vítimas da violência xenófoba que estamos todos juntos e solidários, e que Moçambique estará sempre de braços abertos para acolher os seus filhos caso estes queiram regressar a casa”, disse Boaventura Monjane, representante do movimento, à DW África.
País já promoveu campanha contra a discriminação
Em 2012, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) lançou uma campanha na África do Sul intitulada “I am a migrant, too“, cujo objetivo era mostrar que os migrantes são parte integrante da sociedade – e que, na verdade, todos são migrantes.
A campanha incluiu ainda uma canção chamada “I am a migrant too”, interpretada por diversos artistas sul-africanos e em vários idiomas falados no país (do inglês e africânder a tribais como zulu e xhosa). O clipe da música está disponível no YouTube e também pode ser visto no player abaixo:
A língua pode mudar, mas a mensagem é a mesma: mostrar que todos são migrantes e promover a união e coesão social entre os africanos – servindo também como modelo para o restante do mundo.
As últimas atualizações do site são de maio de 2014, mas o portal e o conteúdo continuam no ar. No entanto, os recentes ataques contra imigrantes mostram que parte da sociedade sul-africana tem ignorado as lições deixadas pela campanha. Uma delas está em explícita em um dos textos explicativos da campanha:
“Todos nós viemos para onde estamos porque mudamos ou migramos de algum lugar. Não importa se você mudou de outra província para Gauteng ou do Western Cape (regiões sul-africanas) para procurar trabalho, ou de outro país para a África do Sul em fuga de conflitos ou em busca de uma vida melhor, ou fugiu para o exílio durante o Apartheid para lutar pela liberdade, ou foi transferido para estudar; você é#IAMAMIGRANTTOO“.
Portal I Am a Migrant, too – http://iamamigrant.co.za/
Com informações de Deutsche Welle, Csem, Global Voices