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segunda-feira, dezembro 23, 2024

Capital da Espanha quer ampliar direitos de imigrantes sem documentos

Por Ricardo Rossetto
de Pamplona (Espanha)

Imigrantes e refugiados sem documentos que vivem na cidade de Madri poderão, em breve, usufruir do sistema público de saúde da Comunidade Autônoma de Madri. A decisão foi anunciada por Cristina Cifuentes, presidente da capital espanhola, nesta sexta-feira (21), e visa tornar obsoleto o Decreto Real 12/2012, que restringiu a assistência à saúde básica para todos os estrangeiros irregulares que vivem no país.

De acordo com o relatório Global Trends 2014, divulgado em junho deste ano pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur), há na Espanha 13.593 refugiados e pessoas que pediram asilo por motivos de perseguição política, ideológica ou racial. Ainda não existe um número certo de indivíduos que serão beneficiadas pela nova legislação, mas o que se já sabe é que os imigrantes receberão um cartão especial da secretaria de saúde do governo para receber atendimento médico primário (para prevenção de doenças, com médicos que acompanham o dia a dia da família) e especializado. Os beneficiados, por sua vez, terão que cumprir algumas obrigações que ainda serão definidas e só poderão utilizar os serviços de saúde públicos oferecidos dentro do município.

Para Cristina, o Executivo tem a obrigação moral de prestar atendimento a qualquer pessoa, independentemente de ela ter ou não documentos regularizados. “Não falamos de imigrantes, falamos de pessoas, que têm que ser tratadas com dignidade e devem receber toda assistência médica”, disse.

Madri permitirá acesso de imigrantes aos serviços de saúde da cidade. Crédito: Reprodução/Anticapitelistas
Madri permitirá acesso de imigrantes aos serviços de saúde da cidade.
Crédito: Reprodução/Anticapitelistas

Dessa forma, Madri se junta a outras seis comunidades autônomas da Espanha que já iniciaram processos semelhantes de elaboração de novas leis que ampliam os direitos dos imigrantes e refugiados. Todas elas são governadas por partidos de esquerda, que assumiram o poder recentemente depois das eleições regionais realizadas em 24 de março: Aragão, Castela-La Mancha, Cantábria, Valência, Extremaduras e Baleares.

Na quinta (20), o secretário-geral do Ministério da Saúde, Rúben Moreno, tentou frear as manobras das comunidades autônomas,  consideradas inconstitucionais pelo presidente do país, Mariano Rajoy, com a advertência de uma suposta multa diária “milionária” que seriam aplicadas aos governos locais pela Comissão Europeia, além da suspensão de recursos financeiros que compõem cada orçamento. Em uma entrevista coletiva, entretanto, Moreno não parecia seguro de que a decisão de Madri e das outras seis comunidades ultrapassavam suas competências administrativas e invadiam as atribuições do governo estatal. “Tenho que estudar mais para ter a certeza de que essas decisões ferem a constituição da Espanha”, disse.

Desde que se tornou lei em 2012 como uma medida tributaria dirigida a reduzir o déficit público, o malfadado “Decreto 12” foi alvo de diversas críticas tanto do Conselho da Europa como do organismo da ONU para assuntos de extrema pobreza e direitos humanos. “As mudanças adotadas pelo governo da Espanha em 2012, que reduziram o acesso ao sistema público de saúde, não cumprem com as obrigações de direitos humanos do país. Os princípios básicos de direitos humanos não podem ser ignorados por causa de pressões fiscais”, afirmou, em abril de 2014, a advogada chilena Magdalena Sepúlveda, relatora da ONU. Para o Conselho da Europa, o “Decreto 12” infringiu a legislação europeia de direitos humanos. “A crise econômica não pode servir de pretexto para negar o acesso à saúde”, disse, em um comunicado escrito em 2013.

Pressão migratória

Neste ano, a quantidade de imigrantes e refugiados que fogem de conflitos na África e Oriente Médio e chegam à Europa não para de crescer. De acordo com a Organização Internacional para Migração (OIM) e a Frontex (agência europeia de gestão das fronteiras), somente no mês de julho mais de 107 mil pessoas entraram de forma irregular no Velho Continente, um número três vez maior em relação ao mesmo mês do ano passado. Desde o começo do ano, já são mais de 340 mil indivíduos que atravessaram o Mar Mediterrâneo, o Estreito de Gibraltar ou as fronteiras terrestres através da Turquia, Grécia e Macedônia.

Missing Migrants Projectda OIM, que mapeia as rotas através do Mediterrâneo e contabiliza o número de pessoas que chegam e morrem nessa travessia, mostra que 149.028 indivíduos entraram na Grécia (outras 76 morreram no caminho), 103.864 na Itália (com 2.266 mortes no caminho), e 2.166 na Espanha (23 mortos durante a passagem).  A maioria dos refugiados saiu da Síria, Afeganistão, Eritreia e Nigéria, e busca se instalar nos países mais prósperos do norte da Europa, como Alemanha, Suécia e Holanda.

Tamanha pressão migratória pode assustar os governantes dos países da União Europeia, mas fechar as suas fronteiras ou limitar aos estrangeiros a garantia dos direitos humanos mais básicos (como fez, recentemente, o primeiro-ministro da Inglaterra, David Cameron), apenas aumentará a dor e o sofrimento de milhares de refugiados, e certamente não os impedirá de continuar chegando. Já está na hora de a Europa assumir a sua dívida histórica de décadas de imperialismo sobre os povos africanos e asiáticos.

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