Acordo entre organizações religiosas na Itália, Marrocos, Líbano e Etiópia tem chamado a atenção no continente europeu e tem potencial para se aplicado por outros países
Por María Villarreal
Do Rio de Janeiro (RJ)
Em 4 de fevereiro de 2016 entrou no território italiano a primeira família de cidadãos sírios provenientes do Líbano. Desde então e até março de 2017 foram 700 as pessoas que se beneficiaram da criação de corredores humanitários – um projeto que nasce, segundo os seus formuladores, do desejo de evitar a morte de milhares de pessoas no mar Mediterrâneo e, especialmente de crianças, na travessia até a Europa.
Pela ousadia da sua proposta e pelos resultados gerados até o momento, o projeto tem chamado a atenção de numerosos atores. Mas como funciona na prática?
Em termos organizativos, os corredores humanitários são um projeto piloto, fruto de um protocolo de colaboração assinado entre a Comunidade de Sant’Egidio, a Federação das Igrejas Evangélicas na Itália e a organização Tavola Valdese, o órgão que representa oficialmente as igrejas metodistas e valdeses nas relações com o Estado e as organizações ecumênicas. Os seus objetivos são, em particular: promover viagens seguras, evitando os deslocamentos em barcaças no Mediterrâneo e as nefastas consequências que produzem sobre a vida de milhares de pessoas; acabar com a exploração dos traficantes de pessoas que geram lucro a partir do sofrimento daqueles que fogem das guerras; e, finalmente, oferecer a pessoas em condições de vulnerabilidade, um ingresso legal no território italiano através de um visto humanitário e a possibilidade de que posteriormente possam apresentar uma solicitação de refúgio.
Na prática o projeto prevê a chegada em dois anos de 1.000 pessoas provenientes do Líbano (majoritariamente refugiados sírios), do Marrocos (originários especialmente de países subsaarianos afetados por guerras civis e violência generalizada) e da Etiópia (na sua maioria provenientes da Eritreia, Somália e Sudão). A lista de potenciais beneficiários do projeto no Líbano, Marrocos e Etiópia é elaborada pelas associações responsáveis dos corredores através do diálogo estabelecido previamente nestes territórios com organizações locais, organismos internacionais e igrejas. Segundo os organizadores, a ideia que está por trás deste processo é beneficiar especialmente às pessoas em condição de maior vulnerabilidade – como, por exemplo, as vítimas de persecução e tortura, famílias com crianças, pessoas idosas, doentes e pessoas com deficiências.
A nível legal, os beneficiários dos corredores humanitários acedem a um Visto de Territorialidade Limitada (VTL), previsto pelo Regulamento CE N.810/2009 do Parlamento e do Conselho da União Europeia e concedido pelas autoridades diplomáticas italianas no Líbano, Marrocos e Etiópia. No caso do projeto dos corredores humanitários, o visto é concedido só em circunstâncias excepcionais e válido unicamente no território italiano. Mas uma vez na Itália, os beneficiários podem solicitar refúgio e são ajudados neste processo pelas organizações responsáveis que contam com uma ampla estrutura e diversos programas de acolhimento e integração, que incluem cursos de língua italiana, cursos de orientação profissional, ajuda legal, bolsas de estudo, etc.
O projeto dos corredores humanitários é completamente autofinanciado pelas organizações promotoras, que cobrem as despesas de viagem, hospedagem e acolhimento (em residências privadas e paróquias), cuidados necessários em termos de saúde para os beneficiários e iniciativas de integração. Contudo, é possível fazer doações online por meio deste link.
Até março de 2017, as 700 pessoas que chegaram ao território italiano por meio do programa têm sido distribuídas em 68 cidades e 17 regiões italianas que incluem tanto algumas das principais cidades do país como Roma, Milão ou Torino, mas também cidades e municípios médios e pequenos.
Para além do caso italiano, a importância do projeto dos corredores humanitários reside no fato que se propõe como um modelo replicável em outros Estados da União Europeia e não unicamente por parte das organizações civis e do setor privado. “A Europa não está condenada a enfrentar a imigração com medo ou demagogia e os muros são só paliativos”, diz Andrea Riccardi, fundador da Comunidade Sant’Egidio.
Com efeito, o projeto dos corredores humanitários constitui uma abordagem diferente e já existem outros Estados interessados em abri-los no seu território. A França, por exemplo, assinou em 18 de abril deste ano um acordo com a Comunidade de Sant’Egidio e os representantes da Conferência Episcopal francesa, a Federação Protestante da França e outras entidades com o propósito de permitir o ingresso, ao longo de um ano e meio, de 500 cidadãos sírios e iraquianos, atualmente no Líbano.
Em um momento em que a perspectiva de segurança sobre as migrações é protagonista no contexto europeu, assim como em outras regiões, o projeto dos corredores humanitários, apesar dos seus limites numéricos e enormes desafios, é sem dúvida uma boa prática e pode ser visto sim como uma esperança para a Europa e não só. De fato, em tempos de crescentes restrições aos deslocamentos, exemplos de solidariedade deste tipo devem ser multiplicados para demonstrar que frente às políticas e as decisões dos Estados podem e devem prevalecer as escolhas humanas.
Com informações de El País, La Stampa, Comunidade de Sant’Egidio e Parlamento Europeu
María Villarreal é doutora em Ciências Políticas e atualmente pós-doutoranda em Sociologia Política na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Além disso, é migrante há 17 anos, tem vivido em vários países e, a cada dia, tenta compreender as nuances e particularidades do fenômeno da mobilidade humana. Aparte das migrações internacionais, também tem interesse nos estudos latino-americanos, na integração regional, nas políticas públicas, na democracia, na literatura e numa infinidade de outros temas.
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