Mais que times de futebol tradicionais de São Paulo, Portuguesa e Juventus carregam consigo parte das histórias de ontem e de hoje das migrações que ajudaram a formar a cidade
Por Jorge Monteiro
Colaboração de Rodrigo Borges Delfim
De São Paulo (SP)
Atualizado em 25/08/2017, às 12h20
Você sabia que a cidade de São Paulo tem um jogo conhecido como “Dérbi dos Imigrantes”? Assim é apelidado o embate entre Juventus e Portuguesa, que voltam a se enfrentar na Rua Javari, no próximo domingo (27/08), pela Copa Paulista.
Mas por que esse nome? Os dois clubes representam duas das maiores colônias de imigrantes e descendentes da capital: o Juventus (italianos) e a Portuguesa (portugueses). Embora não seja tão conhecida como de outros clássicos entre times de São Paulo, sua história é importante para o futebol paulista e ainda ajuda a conhecer um pouco das comunidades de onde tiveram origem.
De Cotonifício Rodolfo Crespi para Juventus
O Clube Atlético Juventus nasceu da fusão de dois times de várzea do bairro da Mooca, então tradicional reduto da comunidade italiana em São Paulo, o Extra São Paulo e o Cavalheiro Crespi F.C, em 20 de abril de 1924. Os dois times eram formados por funcionários do Cotonifício Rodolfo Crespi, empresa de algodão da família italiana Crespi, e que tinha o empresário italiano Rodolfo Crespi como grande entusiasta. Foi ele quem cedeu o terreno na rua Javari onde até hoje fica o estádio do clube.
Em seus primeiros anos de existência, o time atuou com o nome de Cotonifício Rodolfo Crespi. A mudança para o nome atual veio em 1930, depois de uma viagem de Rodolfo Crespi para a Itália, na qual se encantou pela Juventus de Turim. Mas as cores do clube, o grená e o branco, homenageiam outro clube da cidade italiana, o Torino, grande rival da Juventus.
Lusa e as fusões
No dia 14 de agosto de 1920 surgiu a Associação Portuguesa de Esportes após a fusão de cinco times representantes da colônia portuguesa: Luzíadas Futebol Club, Associação 5 de Outubro, Esporte Club Lusitano, Associação Atlética Marquês de Pombal e Portugal Marinhense. A data da fundação não foi escolhida por acaso, pois é quando se comemora em Portugal a vitória das tropas portuguesas contra o reino de Castela na batalha de Aljubarrota (1385), que permitiu a afirmação de Portugal à época como reino independente.
O pedido de filiação para a Portuguesa jogar em campeonatos profissionais foi aceito no dia 02 de setembro daquele ano. Mas como não havia mais tempo de se inscrever no Campeonato Paulista, ela se juntou ao time do Mackenzie, mudando o nome do clube para Portuguesa-Mackenzie.
Essa fusão durou até 1923, quando retomou o nome original. Em 1940 o time muda novamente, desta vez para o que permanece até hoje, a Associação Portuguesa de Desportos.
Dérbi começou em 1930
O primeiro duelo entre Portuguesa e Juventus aconteceu em 18 de maio de 1930, no qual a Portuguesa venceu por 2 a 1. Em um dos embates mais marcantes, na final do Torneio Relâmpago do Pacaembu (que marcava os festejos da inauguração do estádio do Pacaembu, em 1940), quem levou a melhor foi o Juventus, que venceu facilmente a partida por 3 a 0. Mais de 50 mil pessoas aplaudiram a equipe juventina nesse jogo, que até hoje foi a única decisão entre as duas equipes.
Outro jogo marcante do dérbi foi na inauguração oficial do estádio do Canindé, quando a Portuguesa se tornou proprietária. O dia foi 9 de dezembro de 1956 e a vitória foi da Lusa por 2 a 0.
Desde então em 117 jogos a Lusa teve 63 vitórias, com 25 vitórias do Moleque Travesso (apelido do Juventus) e 29 empates.
Times em baixa
Tanto a Portuguesa como o Juventus atualmente estão distantes dos dias de glória, disputando a segunda divisão do Campeonato Paulista (conhecida como Série A-2). Vice-campeã brasileira em 1996, a Lusa vem amargando campanhas ruins nos últimos anos que levaram o time à Série D do Brasileirão e Série A-2 no Campeonato Paulista, de onde quase foi novamente rebaixada neste ano.
O Juventus também está há um bom tempo afastado da elite do futebol e sem grandes possibilidades de fazer jus ao apelido de Moleque Travesso (quando surpreendia os grandes times de São Paulo). Sua última vez na elite do Paulista foi em 2004 e chegou a cair para a terceira divisão estadual. Voltou para a A-2 em 2016 e permanecerá por lá em 2018, junto com a Lusa.
Para Henrique Ferraz, torcedor do Juventus, o dérbi é atualmente marcado pelo momento ruim que ambos vivem no futebol. “Nos dias atuais o jogo ganhou uma conotação mais nivelada por conta das dificuldades enfrentadas pelos times por consecutivos rebaixamentos”.
Atualmente o Juventus se personificou como o time que agrada fãs de outros times pela sua característica peculiar de “time de bairro”. “Há uma identificação com o Juventus de amantes do futebol que não se identificam com o que se chama de ‘futebol moderno’, com a construção de arenas e o crescimento do entretenimento midiático e buscam algo mais enraizado”, explica o fã juventino Henrique Ferraz.
O torcedor da Lusa Everton Calício ressalta a importância da Portuguesa como instituição para os imigrantes portugueses, mas lamenta o abandono dos mesmos com o clube. “A Lusa é a mais importante instituição portuguesa na cidade de São Paulo, tanto que lá se realiza a maior festa da comunidade em São Paulo (a adega da Lusa, sempre no segundo sábado do mês), mas a colônia abandonou o clube com as sucessivas quedas do time”.
O futebol e povos migrantes de hoje
“Sou neta de imigrantes portugueses e italianos, em jogo entre Portuguesa e Juventus é dia de fazer antropologia de botequim: observar as características de cada lado, as poucas diferenças e outro tanto de coisas em comum, sobretudo a passionalidade (…). Há um lado bonito e outro bastante sombrio, com “viúvas do fascismo” de ambos os lados, que aproveitam pra descarregar seu rancor nos alambrados… Felizmente esses já são poucos”, conta Rachel Maimone Tiago, torcedora da Lusa.
De fato o futebol pode acirrar ânimos e ser motivo para hostilidades entre diferentes povos, mas também pode ser muito bem usado como ferramenta de integração. E experiências recentes envolvendo os dois times – assim como outros mundo afora – mostram que isso é possível.
“Quanto às imigrações acho que o ‘dérbi’ serve para reforçar, em tempos de ódio e xenofobia, que no Brasil, em algum momento de sua história, os “refugiados” eram nossos antepassados. Daí a importância de valorizar o ser humano independente da origem, condição social ou torcida…”, reforça Rachel.
Recentemente a Portuguesa fez uma parceria com o Instituto Adus, especializado na acolhida e orientação de refugiados que vivem em São Paulo, que permitiu que refugiados pudesses acompanhar os jogos do time no Canindé. Tais fatos são lembrados por Rachel como forma de mostrar que a Portuguesa já vai além dos limites da colônia lusitana. “Nossas arquibancadas já recebem novos torcedores: crianças bolivianas que vivem no entorno e adotaram a Lusa como clube do coração. A Lusa não é só dos portugueses, ela é de todos!”
muito bom!
podiam abordar a situação do Juventus na segunda guerra Mundial, se sofreu pressões como aconteceu com o Palestra Itália que quase perdeu o estádio.