Em seu discurso inaugural como presidente, em 28 de julho passado, o professor e sindicalista Pedro Castillo afirmou que “os criminosos estrangeiros terão 72 horas para sair do país”. Essa fala não é algo isolado na cena política peruana. e chama a atenção para a necessidade de se pensar no tema como um direito humano, ao mesmo tempo em que estereótipos se mostram presentes no discurso político e na visão da sociedade.
A pauta migratória, com foco na questão venezuelana, esteve presente nos planos de governo, debates e entrevistas dos candidatos à Presidência, em um momento que o país vive uma profunda polarização política e sofre os efeitos da pandemia de Covid-19. Um estudo da Universidade do Pacífico intitulado “Mitos sobre criminalidade e a imigração venezuelana no Peru” destacou que existe uma construção social da imagem dos venezuelanos como uma ameaça para a sociedade.
Estimativas da OIM (Organização Internacional para as Migrações) e do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) apontam que há 5,4 milhões de venezuelanos refugiados e migrantes no mundo. O último reporte da Plataforma Regional de Coordinación Interagencial para Refugiados y Migrantes de Venezuela (R4V) indicou que dessa cifra, 4,6 milhões se localizam na América Latina e no Caribe. O Peru é o segundo país que mais recebeu essa diáspora (cerca de 1 milhão), atrás somente da Colômbia, fazendo dos venezuelanos a maior comunidade imigrante atualmente no país.
Apesar do fechamento das fronteiras terrestres devido à pandemia e a militarização, o fluxo migratório de refugiados e migrantes venezuelanos continua, específicamente, por meio da fronteira do norte do país.
Xenofobia e uso político
Para o Barómetro da Xenofobia, uma plataforma que monitora redes sociais e notícias, determinou que durante as eleições presidenciais se evidenciou um incremento da xenofobia de 864%.
Aron agrega que existe um uso político eleitoral da migração. Os migrantes são transformados em bode expiatórios e responsabilizados pela inseguridade social, desemprego e incremento dos casos de COVID-19.
“Falar de migração como um asunto que não representa um problema é impopular […] No Peru existe uma forte xenofobia, que de fato cresceu durante os últimos anos. A percepção negativa de migrantes como criminosos, pessoas más e desleais segue com aumento”, comentou a politóloga Valeria Aron, no podcast #Hablemosdemigración.
Um estudo do Instituto de Democracia e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Peru (IDEHPUCP) sobre a “Percepção do papel dos líderes de opinião e migração venezuelana no Peru” revelou que um 50% dos entrevistados acreditavam que os candidatos e candidatas deveriam ter uma postura mais firme contra a migração.
Outra pesquisa do mês de abril e maio do Barómetro da Xenofobia indicou que durante o processo eleitoral, os dois pontos de discussão sobre migração venezuelana no Peru estiveram relacionados à xenofobia e ao problema da seguridade nacional.
O mesmo estudo desmantela os dois principais mitos em relação a migração. Primeiro, que a criminalidade aumentou e, segundo, que os venezuelanos são responsãveis pelo incremento da criminalidade. O Instituto de Estadística e Informática (INEI) revela que as cifras do crime disminuiram os dois últimos anos no Peru e que o número dos venezuelanos dentro da população penintenciária são extremadamente pequenos.
Vale lembrar, que nas eleições de 2018 no Brasil, esses discursos criaram um terreno fértil para ações violentas como as de Pacaraima, cidade em Roraima que fica na fronteira com a Venezuela.
Percepção migrante
O coletivo de Mulheres Migrantes Maltratadas articulou uma carta aberta, que entre outros pontos, lembra que não existem migrantes ilegais, que as faltas administrativas não constituem crime segundo o código penal da nação peruana.
“[…] é compreensível e necessário que o Estado se proteja da criminalidade e defina medidas para sancioná-la, seja de procedência nacional ou forânea. Contudo, tem que se garantizar que toda pessoa tenha o direito ao devido processo legal antes de ser encarcerado ou expulsado”, diz trecho do documento.
Na mesma declaração, o coletivo ressalta que deve-se evitar o que ocorreu durante o governo de Ollanta Humala (2011-2016), quando ocorreram expulsões massivas e perseguições a migrantes — ou seja, antes da migração venezuelana se tornar significativa.
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