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sexta-feira, setembro 20, 2024

DPU lista 6 motivos e defende revogação de medida que muda regras para refúgio no Brasil

Em nota técnica, DPU aprofunda críticas à medida que restringiu as solicitações de refúgio no país e reforça recomendações já feitas às autoridades para lidar com a situação

Uma das primeiras instituições a se manifestar contra as medidas do Ministério da Justiça que restringiram as solicitações de refúgio no Brasil, a Defensoria Pública da União (DPU) elaborou uma nota técnica na qual aprofunda os argumentos contra a ação, que se encontra em vigor desde 26 de agosto.

Na prática, pela norma atual, quem entrar com pedido de refúgio no Brasil e for de um país do qual é exigida a apresentação de visto terá que provar que está sendo perseguido no país de origem para ter autorização para ingressar em território brasileiro. De acordo com o Ministério da Justiça, essa medida “tem como objetivo proteger o instituto do refúgio, assegurando seu acesso a pessoas que efetivamente demonstrem interesse em solicitar a proteção internacional por parte do Estado Brasileiro, além de quebrar a atuação de organizações criminosas no contrabando de imigrantes e tráfico de pessoas”.

A pasta alega ainda que essa interpretação encontra base na legislação migratória nacional, o que é fortemente rebatido por pesquisadores, especialistas e outros atores envolvidos, como a DPU.

Pontos problemáticos

A Defensoria listou na nota técnica um total de seis pontos considerados mais problemáticos na medida imposta pelo Ministério da Justiça:

  • Falta de diálogo social e interinstitucional para a tomada da decisão e incoerência com a Política Nacional de Migrações, Apatridia e Refúgio;
  • Violação aos direitos de migrantes e refugiados previstos em Convenções Internacionais, além da criminalização da migração e não dos contrabandistas de migrantes;
  • Violação ao princípio do non-refoulement (não-devolução), com a oossibilidade fática de devolução em escalas;
  • Violação à Lei do Refúgio (Lei no 9.474/97);
  • Restrição de direitos por Nota Técnica – Documento sem valor jurídico;
  • Inadequação da via eleita – a medida pode agravar a situação e promover rotas de contrabando de migrantes – e problemas metodológicos com os dados do Ministério da Justiça.

A nota técnica da DPU apontou ainda que as medidas implementadas pelo Ministério da Justiça baseiam-se em “uma visão securitária, delineada pela Polícia Federal e incentivada e apoiada pelo Ministério Público Federal de Guarulhos/SP, sem que tivesse havido a preocupação de buscar algum contraponto com as entidades que lidam diariamente com o atendimento de imigrantes e refugiados ou com os próprios imigrantes”.

O governo federal tem sustentado que o Brasil se tornou um local de trânsito de migrantes que visam basicamente chegar aos Estados Unidos e Canadá. Estudos diversos sobre a dinâmica migratória, no entanto, apontam que o Brasil é tanto um país de origem quanto de destino e de trânsito de pessoas migrantes.

A Defensoria, que faz diligências semanais no aeroporto de Guarulhos, não foi consultada pelo governo federal a respeito das medidas de restrição. O mesmo ocorreu com outros atores envolvidos direta ou indiretamente na questão, como o ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) e demais instituições da sociedade civil.

A DPU lembrou ainda que parte das pessoas que partem em rotas perigosas e irregulares de migração são brasileiras. Nos últimos meses, reportagens diversas na imprensa brasileira destacaram esse ponto.

“Além dos brasileiros, as rotas são compostas por pessoas de países que não precisam de visto para ingresso em território nacional, por pessoas com entrada regular no país, por pessoas que passaram por outros pontos de fronteira e por pessoas que ingressaram no Brasil por meios informais, sem qualquer registro formal. Isso significa que o Aeroporto de Guarulhos não fornece um número significativo de migrantes para essa situação. As rotas continuarão tendo adeptos em quantidades significativas”, acrescenta a DPU.

Caminhos

Como alternativas para lidar com a questão das solicitações de refúgio no aeroporto de Guarulhos, a Defensoria propõe, além da revogação das medidas atuais, a adoção de iniciativas para melhorar a situação, como a criação de uma equipe especializada para acelerar o processamento dos pedidos de refúgio e garantir que as pessoas não fiquem mais de 24 horas em áreas restritas dos aeroportos.

Além disso, os defensores públicos federais sugerem a priorização de casos vulneráveis, com critérios de triagem para gestantes, mães com filhos, idosos e pessoas com problemas graves de saúde.

As sugestões apresentadas pela DPU são as mesmas feitas em um documento enviado em 16 de agosto a autoridades públicas quanto privadas para lidar com a questão dos migrantes retidos na área restrita do aeroporto de Guarulhos. As recomendações, no entanto, não foram levadas em consideração pelo governo federal. Dias depois, em 21 de agosto, o Secretário Nacional de Justiça, Jean Uema, anunciou por meio de entrevista à TV Globo a adoção das medidas de restrição às solicitações de refúgio que entraram em vigor no dia 26 e que seguem válidas desde então.

As manifestações contrárias à decisão do governo ressaltam, incluindo a da DPU, apontam que o caminho a ser adotado é o da construção de políticas públicas que definam direitos e deveres de cada um dos atores envolvidos com a temática migratória, e não o de restrições puras e simples.

Entenda o caso

A situação de migrantes na área restrita no aeroporto de Guarulhos não é nova, mas ganhou repercussão especial por conta do caso envolvendo o migrante ganês Evans Osei Wusu, de 39 anos, que passou mal depois de dias retido no terminal e acabou falecendo no último dia 13 de agosto. O caso vem gerando forte indignação, sobretudo junto à comunidade migrante, que cobra providências e justiça.

O governo federal tem sustentado que o Brasil se tornou basicamente um local de trânsito de migrantes que visam chegar aos Estados Unidos e Canadá, o que vem se refletindo nas retenções verificadas no aeroporto de Guarulhos. Estudos diversos sobre a dinâmica migratória, no entanto, apontam que o Brasil é tanto um país de origem quanto de destino e de trânsito de pessoas migrantes.

As medidas implementadas pelo Ministério da Justiça são fortemente questionada tanto pela sociedade civil quanto pelo meio acadêmico e jurídico, que apontam tanto violações aos direitos garantidos aos migrantes por meio da legislação nacional quanto de acordos internacionais firmados pelo Brasil.

Em 5 de setembro, a Justiça Federal atendeu a um habeas corpus da DPU que pedia a proibição de devolução dos migrantes retidos no terminal e que eles tenham acesso ao direito legal de requerer refúgio. Embora a decisão ainda esteja em vigor, o governo federal já consegui a deportação de um grupo de migrantes que se encontrava na área restrita do aeroporto, segundo apuração do MigraMundo.

Em nota, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), por meio de seu Comitê de Migrações e Deslocamentos, vê nas restrições impostas pelo Ministério da Justiça uma violação aos direitos garantidos aos migrantes por meio da legislação nacional. E avalia que, na prática, ela dá à Polícia Federal um poder que só pode ser exercido pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados).

Um conjunto de 29 universidades brasileiras, por meio da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, expressou diretamente ao Conare sua contrariedade com a decisão do governo brasileiro. O grupo ressaltou a necessidade de se prevenir e combater o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes, mas que tais ações devem ser feitas respeitando os preceitos de proteção aos direitos humanos e de acordo com a tradição humanitária do Brasil.

Além disso, uma nota conjunta, assinada por dezenas de instituições, coletivos de migrantes e grupos de pesquisa no meio acadêmico, expressou repúdio à decisão do governo federal.


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