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terça-feira, dezembro 24, 2024

Educação, etarismo e migração: uma reflexão

Doutoranda do PPGH-USP e atualmente na Alemanha, a pesquisadora brasileira Priscilla Pachi parte da própria experiência recente para fazer uma reflexão sobre educação, etarismo e migração

Por Priscilla Pachi*

Em março deste ano, a mídia abordou a questão do etarismo na Educação por meio do infeliz episódio sofrido pela estudante de graduação, Patrícia Linares, de 45 anos, que foi alvo de discriminação pela sua idade por colegas mais jovens no Centro universitário Unisagrado em Bauru, interior de São Paulo.

O que este fato deve nos levar à reflexão com relação à realidade social brasileira?

Diferentemente do que ocorre em países desenvolvidos, onde os estudantes completam a sua graduação e entram no mercado de trabalho, no Brasil, ao contrário, muitos estudantes cursam a universidade no período noturno e trabalham durante o dia. Cabe ainda destacar que, segundo a CLT, a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho no Brasil é de 14 anos, desde que o menor seja contratado como aprendiz.

Além disso, pesquisa recente aponta que 6 em cada 10 brasileiros concluem o ensino médio até os 24 anos, esse dado revela a dificuldade dos jovens em manterem os estudos, sem contar,  a evasão escolar que atinge adolescentes entre 15 e 17 anos, gerando o aumento da desigualdade e da vulnerabilidade social desses indivíduos.

Partindo do pressuposto que o término tardio do ensino médio pode ocorrer por inúmeras razões como: falta de estímulo e apoio familiar para o estudo, a necessidade de trabalhar para contribuir com a renda familiar, manter filhos que foram concebidos ainda na adolescência ou para sobreviver; temos hoje, o aumento no número de calouros nas universidades com mais de 40 anos. Segundo dados do Censo da Educação Superior, do Ministério da Educação (MEC) o número de calouros com 40 anos ou mais em universidades brasileiras quase triplicou nos últimos dez anos, entre 2012 e 2021.

A maior oferta de cursos à distância (EAD) com a pandemia, o aumento do desemprego, a busca por recolocação no mercado de trabalho, a necessidade constante de se manter atualizado, as mudanças com a previdência que aumentou o tempo de contribuição das pessoas e, com isso, a necessidade de se manterem por mais tempo empregadas ou, simplesmente, a realização de um sonho que não se concretizou após o ensino médio, são alguns dos motivos que levaram ao aumento desses números nessa faixa etária.

Com a mudança no perfil dos estudantes universitários, faz-se necessário, por parte das instituições de ensino superior, um olhar mais voltado para o acolhimento de todos, independente das diferenças do grupo, e políticas de não discriminação e inclusão. Quanto aos editais das agências de fomento à pesquisa, esses também precisam se adaptar, pois muitos ainda limitam a idade em 35 anos, principalmente, os de instituições internacionais que têm no seu público alvo estudantes de graduação e pós-graduação brasileiros.

Uma experiência no tempo certo

Recentemente fui beneficiada com uma bolsa de estudos na Alemanha para fazer um “doutorado sanduíche” de quatro meses e desenvolver parte da minha pesquisa em uma universidade europeia. Incluo-me no perfil de estudante que depois de uma longa imersão no mercado de trabalho e após a maternidade tardia, decidi terminar minha graduação (bacharelado e licenciatura), cursar o mestrado e agora fazer o doutorado.

Aos 51 anos de idade os desafios para tal empreitada são outros, deixar o filho adolescente no Brasil, a família e amigos, pais em idade avançada, etc. Por outro lado, a pesquisa que faço relaciona-se com o tema das migrações e poder vivenciar, mesmo que de forma diferente da maioria dos migrantes – na qualidade de estudante-, minha mobilidade humana, permite com que eu me depare com as inúmeras dificuldades vivenciadas por eles. Dificuldades essas que, muitas vezes, nós pesquisadores estudamos, mas não temos a oportunidade de vivenciar e é assim que considero esses quatro meses, uma verdadeira imersão no meu campo de pesquisa para melhor compreender as migrações.

Cabe destacar que, mesmo antes de sair do Brasil, deparei-me com dificuldades que vão além do etarismo proposto inicialmente neste texto, mas que revelam muito da nossa sociedade e que vale a pena mencionar, como a questão de gênero. Não foram raros os comentários machistas, ainda no século 21, que remetiam à minha coragem de deixar marido e filho e seguir sozinha neste projeto, como se essa possibilidade só fosse cabível aos homens. Além disso, também ouvi que não precisava “disso” nesta altura do campeonato… (com relação à minha idade).

Deixando as questões de gênero e etária no universo pré-viagem e partindo para a chegada na Alemanha, posso dizer, sem sombra de dúvida, que a primeira dificuldade imposta é a da língua, uma barreira praticamente intransponível. Vivo, atualmente, numa pequena cidade no norte do país e nem todos falam outro idioma além da língua materna. Nas estações de trem e dentro dos vagões, raramente as informações são passadas em inglês. Poucas placas e informações históricas e turísticas estão em dois idiomas e mesmo dentro dos museus (poucos museus têm informações também em inglês). Os produtos no supermercado possuem todas as informações somente em alemão e é inevitável fazer uso constante de aplicativos que traduzem, ao pé da letra, e, às vezes, sem muito sentido, o que é preciso saber.

Logo após a chegada na Alemanha é obrigatória a apresentação do migrante no setor de imigração para em seguida poder dar entrada no pedido de residência.  É impossível fazer o agendamento nesses setores sem a ajuda de um alemão, a página inicial do site permite a opção da língua inglesa, mas os formulários são todos em alemão, assim como a posterior confirmação dos agendamentos.

A adaptação aos costumes locais se inicia com o aluguel da bicicleta que passa a ser o transporte oficial, faça frio ou faça sol, e por aqui é mais comum frio do que sol. Acostumados com a cidade e as pedaladas, os ciclistas passam em velocidade ao meu lado, mas continuo firme em meu ritmo até chegar ao meu destino final.

No que diz respeito à alimentação, os hábitos alimentares, muito diferente dos hábitos brasileiros, me faz buscar alternativas, muitas vezes, repetitivas para não ter que gastar com algo que não me agradará, já que o orçamento é limitado e o custo de vida é altíssimo.

Poucos foram os brasileiros que encontrei na universidade, mas todos, sem exceção, buscam estabelecer uma rede de apoio e de solidariedade entre eles. Buscam manter contato, ao menos, para ter certeza que estão bem.

A universidade possui um “International Center” que promove mensalmente reuniões para todos os estudantes de fora da Alemanha com o intuito de se conhecerem, trocarem opiniões e passarem momentos agradáveis juntos, os alemães também são bem vindos nesses encontros.

Há várias residências estudantis por aqui e a maioria é administrada pela própria universidade. A diversidade cultural é imensa porque cada um que mora nessas residências veio de um país diferente com seus próprios costumes e isso nos faz conviver, aceitar, interagir e, sobretudo, respeitar o outro.

A solidão e a distância da família é algo muito difícil e eu diria que depois da barreira da língua é a maior dificuldade a ser enfrentada. Desse modo, as ferramentas de vídeo chamada me faz, como Abdelmalek Sayad, nos ensina “estar presente onde se está ausente” e assim, à distância, e vencendo a diferença de fuso horário, é possível acompanhar o dia a dia no Brasil, a vida escolar do filho e manter os laços conjugais.

Para muitos a experiência que vivo agora pode ser considerada tardia, mas eu acredito que ela veio no tempo certo. Aprender a cada dia algo novo é um estímulo para continuarmos vivos. Feliz é aquele que busca realizar os seus sonhos, independentemente de sua idade.

Sobre a autora

Priscilla Pachi é Doutoranda do PPGH-USP, Visiting PhD student at Christian-Albrechts-Universität zu Kiel (Germany) e Bolsista CNPq-Brasil

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