Assim como já acontece em diferentes países, o Brasil também é um local que atrai migrantes que vêm ao país para trabalhos sazonais, sobretudo no setor agrícola. E a criação de regras claras que assegurem condições dignas para essa migração laboral temporária foi tema de uma audiência pública na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, ocorrida na tarde de quarta-feira (29).
Proposta pelo deputado Vicentinho (PT-SP) e pela deputada Denise Pessôa (PT-RS), a audiência reforçou que a ausência dessa normativa gera insegurança jurídica e expõe os trabalhadores a situações de vulnerabilidade, como trabalho análogo à escravidão. Além disso, também cria empecilhos para a atividade econômica que depende dessa migração temporária.
Segundo os parlamentares, essa situação é bem comum no Rio Grande do Sul, onde plantações de uva, tabaco, maçã, trigo e arroz contam com esse reforço para as colheitas e atraem tanto migrantes internos quanto de países vizinhos. Segundo projeção da FETAR (Federação dos Trabalhadores Assalariados do Rio Grande do Sul), até 28 mil trabalhadores migrantes sazonais são esperados no Estado neste ano, contra 18 mil de 2024.
Tal realidade, no entanto, também é notada em outros Estados, como Paraná, Mato Grosso e São Paulo.
A audiência pública foi transmitida pelo canal da Câmara dos Deputados no YouTube e encontra-se disponível na íntegra no player a seguir.
Questões práticas
Representantes do governo federal presentes à audiência pública – tanto do Ministério da Justiça quanto do Itamaraty – argumentaram que a migração laboral para fins sazonais já seria atendida por elementos como a Resolução Normativa 02, em vigor desde 2017, ou pelo artigo específico da Lei de Migração que trata dos tipos de visto temporário. Os demais convidados para o debate, no entanto, ressaltaram que é preciso uma normativa apta a atender sobretudo o setor agrícola.
“Não é uma migração que acaba vindo para uma grande cidade para recomeçar a vida, assim como os fluxos de deslocamento forçado. É uma migração que a sociedade local, as culturas agrícolas precisam dessa mão de obra para poder executar. A gente só precisa ter uma normativa que se enquadre perfeitamente nessa realidade”, destacou o advogado Adriano Pistorelo, do CAM (Centro de Apoio ao Migrante) de Caxias do Sul (RS).
Também convidado para a audiência, o diretor do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante) e coordenador da Rede Sem Fronteiras, Paulo Illes, foi além. “É importante a gente entender qual é a realidade desse imigrante, para depois a gente pensar qual é a solução para essa situação. A normativa 02 não atende à realidade desta migração. Eu acredito que o caminho ideal seria realmente uma portaria do Ministério da Justiça regulamentando essa situação”.
O presidente da FETAR, João César Larrosa, afirmou que a grande preocupação da entidade é com a forma adequada de garantir que esse trabalhador, num curto espaço de tempo, consiga entrar de forma legal dentro do Rio Grande do Sul para prestar o seu serviço. “A nossa própria Receita Federal não dá tempo nem de formalizar os vistos desses trabalhadores, porque são muitos. São 30 mil, 26 mil, 25 mil, imagina isso num curto espaço de tempo para entrar e sair do nosso Estado”.
Visibilidade para os trabalhadores migrantes sazonais
Outro ponto levantado durante a audiência foi que a situação de limbo jurídico dos trabalhadores migrantes sazonais os deixa sujeitos a vulnerabilidades como a de atividade análoga à escravidão. Segundo André Rostam, Auditor Fiscal do Trabalho, só em 2024 foram resgatados nessa condição 131 nacionais de outros países do Mercosul.
“Temos, de fato, um gargalo que a gente precisa endereçar aqui na regulamentação para pensar a excepcionalidade dos casos de graves violações de direitos humanos do atendimento dessas vítimas visando a garantia integral de direitos”, comentou o auditor.
A procuradora Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, que representou o Ministério Público do Trabalho na audiência, também pediu que o Legislativo tome a iniciativa a respeito do assunto e criticou a pouca visibilidade que a questão dos trabalhadores migrantes sazonais possui em âmbito nacional.
“Nós não temos visibilidade para os migrantes sazonais. Não há um marco regulatório adequado para contemplar os trabalhadores em atividades sazonais, porque eles não são trabalhadores fronteiriços, no sentido de que moram perto da fronteira. É muito importante que a Câmara se debruce sobre isso porque, embora, teoricamente, fosse possível que o Ministério da Justiça editasse alguma portaria prevendo a possibilidade de legalização desses trabalhadores, nós estamos em 2025 e, até agora, essa regularização via portaria não aconteceu”.
Quer receber notícias publicadas pelo MigraMundo diretamente no seu WhatsApp? Basta seguir nosso canal, acessível por este link
O MigraMundo depende do apoio de pessoas como você para manter seu trabalho. Acredita na nossa atuação? Considere a possibilidade de ser um de nossos doadores e faça parte da nossa campanha de financiamento recorrente

