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quarta-feira, outubro 30, 2024

Estamos preocupados com o dia seguinte, diz haitiana sobre efeitos da tragédia climática no Rio Grande do Sul

Enchentes afetam mais de 80% dos municípios do Rio Grande do Sul; população migrante quer ser incluída nas políticas de resposta à tragédia climática, enquanto ela própria também faz sua parte para ajudar desabrigados e desalojados

“Minha sensação é que estamos revivendo a mesma situação de 2010”. Assim a haitiana Anne Milceus Bruneau, atual presidente da AHB (Associaçãos dos Haitianos no Brasil) define o sentimento das famílias da comunidade afetadas pelas enchentes em Porto Alegre e no restante do Rio Grande do Sul nas últimas semanas. A tragédia climática que afeta o Estado desde o final de abril tem trazido de volta esse trauma de 14 anos atrás.

Vale recordar que, em janeiro de 2010, um forte terremoto devastou o Haiti e matou cerca de 200 mil pessoas. Meses depois, o Brasil emergiu como um dos destinos para a diáspora haitiana em busca de melhores condições de vida, em um fluxo que seguiu de forma intensa até meados da década passada. O Estado do Rio Grande do Sul foi um dos locais para o qual essa comunidade se dirigiu e se estabeleceu. E agora uma parte desse grupo novamente se vê diante de uma tragédia.

Anne tem dividido seu tempo entre cuidar da família e atender as pessoas migrantes que estão no abrigo Vida Centro Humanístico, na região norte da capital gaúcha. Segundo ela, são cerca de 570 famílias no local, entre brasileiros, haitianos e venezuelanos, para citar as nacionalidades mais numerosas entre os abrigados.

Ao MigraMundo, a líder da associação agradeceu pela mobilização da população brasileira, que tem arrecadado doações que estão chegando aos atingidos pela tragédia climática no Estado. A própria AHB também tem reunido donativos, a serem direcionados especialmente aos haitianos que vivem em outras cidades gaúchas e que possuem menor estrutura de acolhimento e atendimento. Mas Anne compartilha uma preocupação especial da comunidade migrante com o que vem pela frente.

“Graças a Deus a população brasileira está se mobilizando. Mas e depois? Estamos fazendo o possível pra saber o que a população brasileira e migrante precisa. Mas os migrantes estão bem preocupados com o dia seguinte, se não serão esquecidos depois pelo governo depois que a água baixar”.

Para doações, a associação disponibilizou uma chave PIX, divulgada pelas redes sociais da entidade (clique aqui para acessar). Em solidariedade aos atingidos pelas enchentes, também foi anunciado o cancelamento da Festa da Bandeira do Haiti, previsto para 18 de maio e uma das datas mais importantes para o povo haitiano.

Vista aérea de Porto Alegre, com a região próxima ao Guaíba totalmente alagada. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Mais mobilizações de migrantes no RS

A associação de haitianos não é a única entre as migrantes a arregaçar as mangas e fazer sua parte no esforço de solidariedade às vítimas da tragédia climática no Rio Grande do Sul. Na semana passada, a comunidade senegalesa em Caxias do Sul (RS) reuniu doações, entre itens de vestuário e alimentos, que foram entregues no Seminário Diocesano Nossa Senhora Aparecida, um dos pontos de coleta de donativos na cidade gaúcha.

“Mesmo que não tenha muita coisa, mas pelo menos dá uma ajudinha, porque se você mora em um lugar, se acontecer alguma coisa no lugar, você faz parte, né?”, disse o senegalês Habib Diallo ao portal Pioneiro.

O compatriota Bamba Touré, da Associação dos Senegaleses de Porto Alegre, afirmou que a comunidade tem colaborado com a produção de marmitas para os desabrigados e desalojados. E pediu mobilização das pessoas que não foram atingidas, seja com doações ou atuando como voluntárias em abrigos. “O Rio Grande do Sul precisa de ajuda, não é somente uma nacionalidade específica”.

Outra entidade que também está coletando doações é a Associação dos Angolanos e Amigos do Rio Grande do Sul, por meio de uma vaquinha virtual. Mais detalhes podem ser obtidos por meio deste link.

Por meio de nota, o ACNUR informou que fortaleceu os esforços de coordenação com parceiros locais, especialmente com contrapartes governamentais diretamente responsáveis pela resposta de socorro aos desastres no Rio Grande do Sul. “Estamos apoiando com o que está ao alcance neste momento e para que não haja sobreposição dos esforços, contribuindo assim para maior eficiência da resposta voltada para as comunidades brasileiras, refugiadas e migrantes no Estado”, afirma Maria Eliana Barona, Representante Adjunta do ACNUR no Brasil.

“Todas as regiões do mundo estão sujeitas aos impactos da mudança do clima, seja de forma direta ou indireta, e não podemos deixar para trás as pessoas forçadas a se deslocar devido a fatores climáticos e ambientais”, manifestou-se a OIM, a agência da ONU para as migrações.

Números da tragédia

O Rio Grande do Sul vive a maior tragédia climática de sua história, com números que não param de crescer. De acordo com boletim divulgado pela Defesa Civil estadual na manhã desta quarta-feira (8), são cem pessoas mortas e 128 desaparecidas, além de 372 feridos. Há quatro casos de óbito nos quais ainda é investigada a relação com as enchentes.

Ainda de acordo com a Defesa Civil, 230,4 mil pessoas encontram-se fora de casa, sendo 66,7 mil em abrigos e 163,7 mil desalojados (que estão nas casas de familiares ou amigos). De forma direta ou indireta, são 1,4 milhão de habitantes afetados pela tragédia, que atinge 417 dos 497 municípios gaúchos (ou seja, 83% do total).

De acordo com uma projeção do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), cerca de 35 mil pessoas migrantes (incluindo aquelas em situação de refúgio) que vivem no Rio Grande do Sul podem ter sido afetados direta ou indiretamente pelos desastres.

As enchentes impactaram fortemente nos serviços públicos, acarretando em problemas no fornecimento de água e energia elétrica, além da falta de sinais de internet e telefone em determinadas áreas. O Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, está fechado por tempo indeterminado e com todas as operações suspensas pelo fato de estar alagado.

Cobrança por ações e cenário sombrio

Adriano Pistorelo, advogado do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), de Caxias do Sul (RS), reforça a preocupação expressa por Anne.”Essa calamidade não condiciona atingidos pelo local de nascimento, gênero, raça e cor, classe social. Muitos afetados pelas inundações se tornarão migrantes internos porque suas casas foram levadas pelos rios, e suas vidas foram destruídas. Isso é triste e desolador!”.

O advogado ainda pediu a adoção de medidas que ajudem a prevenir novas situações como essa. “Torçam e orem pelo Rio Grande do Sul, e lembrem-se de que políticas efetivas de prevenção são necessárias para salvar vidas e evitar perdas econômicas”.

No entanto, as ações do poder público até o momento (ou a falta delas) caminharam na direção contrária. Por exemplo, uma reportagem do portal UOL com base em dados do Portal da Transparência da Prefeitura de Porto Alegre indicou que nem um real foi investido em ações de prevenção a enchentes. Em resposta, a gestão municipal informou que investiu em outras áreas que também impactam na prevenção às cheias.

Outras cidades gaúchas afetadas pelas enchentes também não contam com uma preparação para ao menos mitigar esse tipo de evento climático, conforme reportagem publicada pelo portal BBC News Brasil.

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