Por Thayná Pissaia
Atualizado às 10h de 13.mar.2023
Dirigido pela dupla The Daniels (Daniel Kwan e Daniel Scheinert), o longa “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” (2022) concorreu em 11 categorias no Oscar 2023, aparecendo como um dos favoritos. Algo que se confirmou, já que venceu em sete delas, incluindo melhor filme e direção, além de melhor atriz e de ator e atriz coadjuvante.
Evelyn (Michelle Yeoh) é uma imigrante chinesa que administra junto ao marido, Waymond (Ke Huy Quan), uma lavanderia com declarações de impostos duvidosas nos Estados Unidos. Sua rotina caótica e estressante se torna ainda pior na época de prestar contas com a funcionária pública Deirdre (Jamie Lee Curtis) e seu temperamento frio afasta cada vez mais seu companheiro, que sequer recebe atenção para falar sobre o divórcio que quer pedir, e sua filha Joy (Stephanie Hsu).
A vida frustrada da chinesa ganha uma nova direção quando seu marido de um universo paralelo vem em busca de ajuda para derrotar uma vilã que coloca a humanidade em risco.
Trazendo às telonas mais uma vez o conceito de universos paralelos, o espectador que for assistir ao filme achando que encontrará algo semelhante ao universo Marvel só tem duas saídas: não gostar do filme por ser mais profundo e reflexivo do que a empresa do grupo Disney tem apresentado em suas histórias, ou gostar… pelos mesmos motivos.
Com um enredo que apresenta um drama familiar e em questão de minutos se transforma rapidamente em aventura, ação, comédia e ficção científica, a produção dos Daniels nos pressiona a refletir sobre os “e se’s” que carregamos em nossa mente dia a dia.
Assim que Waymond do universo Alfa faz contato com a Evelyn deste mundo, o homem deixa claro que já conheceu diversas versões da esposa, todas bem sucedidas e bem resolvidas, mas que falharam na missão de derrotar a vilã Jobu. A personagem deste mundo, frustrada pelo que podia ter sido e fracassada em tudo o que é, pode ser única a conseguir resolver a situação. Para tal, ela tem de enfrentar capangas de Jobu e realizar atividades que beiram ao ridículo para adquirir habilidades de suas versões de outros mundos.
O “sonho americano”
Quando jovens, Evelyn e Waymond deixaram a China em busca de uma vida melhor nos Estados Unidos como donos de uma lavanderia. Como boa parte dos imigrantes que sofre não somente com preconceitos, mas também dificuldades para se estabelecer economicamente e seguir as regras fiscais do país que escolheram, o casal vive de – ao que tudo indica – apresentar notas frias e com risco de cair na malha fina.
A solução se mostra ainda distante uma vez que ambos não falam e nem compreendem o inglês, precisando da filha, nascida nos Estados Unidos, para auxiliar na comunicação.
O sonho, bonito nas tramas desenvolvidas em Hollywood e reproduzidas ao redor do globo, se desenrola como um pesadelo vivido em um ciclo sem fim pela protagonista, que na tentativa de manter tudo sob o mínimo controle, entrou em um modo automático para sobreviver dentro da rotina que leva.
Reproduzindo o que frequentemente vemos em famílias imigrantes, ainda que sua vida nos Estados Unidos seja repleta de problemas financeiros e infelicidade, Evelyn se esforça para que o pai não perceba tal cenário, pois assim como quando era mais nova, a protagonista ainda teme os julgamentos do pai.
Tais julgamentos vão ainda mais além quando somos apresentados à Joy, que precisa esconder do avô – de outra geração e com um pensamento conservador chinês – sua homossexualidade e relacionamento com uma mulher.
A genialidade do filme e seu título podem ser vistos até mesmo em detalhes como os idiomas. Evelyn fala em mandarim e cantonês com o pai (que não entende nada em inglês), e em mandarim e um inglês “so so” com o marido e a filha, que ao ser educada tendo o inglês como língua materna, se distancia das raízes da família a ponto de as visitas do avô renderem um “a cada dia que passa o seu mandarim fica pior”.
Conflito familiar
Se o mandarim da neta é criticado, o que dizer do que o ancião chinês conservador faz a sua filha? A personagem mostra ter crescido com sonhos podados e escolhas sempre criticadas pelo pai, que construiu um relacionamento frio e distante da filha a ponto de não ter feito esforço para mantê-la na China.
O grande problema é que a carga conflituosa dessa relação não foi solucionada por Evelyn quando ela iniciou sua família nos EUA, o que faz a protagonista repetir os erros de seu progenitor com Joy.
Em todos os universos a relação entre mãe e filha não vai bem, a ponto de a vilã Jobu ser a Joy do universo do Waymond Alfa. A jovem foi tão pressionada em experimentos pela Evelyn de seu mundo que, ao obter todo o conhecimento disponível, notou sua insignificância e decidiu dar um fim aos mundos existentes.
Uma reflexão, entre tantas outras propostas, é muito válida nesse conflito. Quantos filhos de imigrantes se sentem pressionados a serem, desde pequenos, a realização dos sonhos de seus pais em outro país? São a esperança de mais inteligência, capacidade e futuro próspero em um lugar supostamente mais fértil.
Contudo, mostrando como a personagem principal aos poucos fez a frustração dominar a sua vida, Evelyn esquece o que todos estão propensos a esquecer também ao se aventurar em outros terrenos. Nós podemos mudar de bairro ou até de continente, mas levamos na mala problemas que pedem por solução para, só assim, alcançarmos o sucesso almejado.
Nada importa
Como já citado, entre tantas versões bem sucedidas, a Evelyn mais fracassada é igualmente a mais provável heroína, uma vez que em sua vida conturbada que parece não ter solução, nada importa.
O filme traz a filosofia niilista para nós que se desenrola principalmente com a vilã Jobu tentando convencer a personagem de Michelle Yeoh a desistir de tudo.
O plot twist vem, como esperado, no final. Tudo indica que o fim do mundo se dará pela entrada de mãe e filha na rosquinha que detém todo o conhecimento, até que Evelyn percebe que se nada importa, então ela pode ser e fazer o que quiser, sem se preocupar com julgamentos.
Isso te lembra algo? Pois bem, os julgamentos do pai da protagonista se tornam irrelevantes e ambos fazem as pazes com Evelyn apresentando sua realidade e colocando um ponto final no ciclo problemático dessa relação.
É aqui que a trama com a filha e o marido ganha o desejado final feliz. O filme é tão imenso e eficaz em suas apostas que não é difícil esquecermos que ele é de tudo, de comédia à ficção científica, mas, principalmente e/ou especialmente, um filme de imigrantes e seus conflitos em outro país.