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quarta-feira, dezembro 4, 2024

Governo Biden nos EUA e a imigração: um balanço entre continuidade e rupturas

Veja um resumo das principais medidas tomadas durante o governo de Joe Biden em relação à imigração nos EUA,; ele será substituído por Donald Trump, que promete endurecer ainda mais a postura em relação ao tema no país

Por Anna Paula Ramos
Do ProMigra

Em 20 de janeiro de 2025, a atuação de Joe Biden (2021 – até o presente momento) na presidência dos Estados Unidos se encerrará, registrando um dos índices de reprovação mais baixos da história do país. Ao assumir o cargo em 20 de janeiro de 2021, o democrata carregava consigo a expectativa de promover mudanças significativas em relação ao seu antecessor, o republicano Donald Trump (2017-2021).    

Biden apresentou-se como o líder capaz de reverter políticas conservadoras de Trump, tanto no cenário internacional, com a reintegração dos Estados Unidos a arranjos multilaterais — especialmente em temas ambientais —, quanto no plano doméstico, com a recuperação econômica após os impactos da pandemia de covid-19 e a restauração do respeito às instituições democráticas. Nesse contexto de tentativas de reposicionar os Estados Unidos como a grande potência defensora dos direitos humanos, a gestão das migrações se destacou como um desafio que envolvia questões regionais e domésticas.                             

Por ser o país com o maior número de migrantes no mundo — estima-se que 14,3% da população não tenha nascido nos Estados Unidos — a pauta migratória possui uma tradição histórica na sociedade estadunidense. Nos últimos anos, o debate sobre a questão migratória ganhou novas dimensões. Antes concentrado principalmente nas regiões fronteiriças com o México, o tema passou a ocupar um papel central no cenário político, tornando-se um dos fatores decisivos na escolha do presidente nas eleições mais recentes. Dois motivos centrais impulsionaram esse novo olhar: o aumento expressivo no número de pessoas tentando atravessar a fronteira sem autorização e a abordagem de Donald Trump, que, enquanto presidente, promoveu um desmonte do sistema migratório por meio de medidas consideradas restritivas e desumanas.

Diante desse enquadramento, o governo Biden-Harris herdou um quadro migratório multifacetado, com a pressão para reverter as políticas controversas de Trump, ao mesmo tempo em que buscava promover uma migração legal, segura e ordenada, ao “controlar” a situação na fronteira com o México. Esse controle é especialmente complexo, pois a conjuntura da fronteira é frequentemente utilizada para avaliar o sucesso ou fracasso de uma administração em lidar com a questão migratória.

Embora o Partido Democrata não tenha conseguido eleger Kamala Harris à presidência nas últimas eleições — o que muitos atribuem à dificuldade da administração Biden-Harris em lidar com a migração e com a questão econômica —, analisar as principais políticas migratórias deste governo é essencial para entender quais pontos poderão sofrer maiores mudanças durante o segundo mandato de Trump. Essa análise se torna ainda mais relevante porque grande parte das políticas de Biden foi direcionada a reverter as medidas do primeiro governo Trump, permitindo, assim, desenhar possíveis aproximações e afastamentos entre as perspectivas democratas e republicanas.

Reversão das políticas implementadas por Trump

Após um primeiro mandato de Trump, considerado rigoroso em relação ao tratamento com os migrantes, as primeiras medidas da gestão Biden foram no sentido de reverter as políticas do republicano. A mudança inicial foi cumprir uma de suas promessas de campanha: estabelecer uma força-tarefa para reunir as crianças separadas de suas famílias devido à política de Tolerância Zero. Segundo dados apurados pelo governo estadunidense, entre julho de 2017 e junho de 2018, cerca de 5.500 crianças foram separadas de suas famílias.

Contudo, um recente relatório emitido pelo Centro de Direito e Política de Imigração da Universidade da Califórnia em Los Angeles demonstrou que, até julho de 2024, mais de 1.400 famílias continuavam separadas. O estudo argumenta que, sob a gestão Biden, esses números foram resultado de processos burocráticos, falta de transparência e responsabilização, e não de uma intenção deliberada de crueldade, como ocorreu durante a administração Trump.       

O estudo destaca, ainda, que a separação dos membros de uma família ao serem processados no sistema de detenção dos Estados Unidos é uma característica estrutural da política migratória do país. Esse cenário persiste, em grande parte, devido à definição restrita de família adotada pelo governo federal, que reconhece apenas pais ou responsáveis legais e seus filhos menores. Como consequência, é comum a separação de cônjuges, pais e filhos adultos, além de avós e netos.           

A gestão Trump também deliberou pelo desmantelamento do sistema de asilo, o que fez com que o início da administração Biden tivesse um foco na reconstrução desse tipo de proteção humanitária. A primeira ação nesse sentido foi encerrar as inscrições no programa conhecido como “Permaneça no México”, que, em suma, obrigava os migrantes a aguardarem, em território mexicano, a análise de seus pedidos de asilo. Além de encerrar as novas inscrições, a gestão democrata ordenou que todos aqueles inscritos sob a administração de Trump fossem admitidos nos Estados Unidos.         

Entretanto, devido ao aumento do fluxo migratório na fronteira com o México e à percepção de que a situação estava “fora de controle”, em 15 de agosto de 2021, uma ação judicial movida pelos estados do Texas e Missouri resultou em uma ordem de um juiz federal para que o governo retomasse o programa. Assim, em 2 de dezembro de 2021, foi anunciado um acordo com o México para restaurar o programa na fronteira, o que ocorreu em 8 de dezembro. A principal mudança na segunda versão foi a permissão para que os migrantes expressassem à Patrulha de Fronteira estadunidense o seu medo de retornar ao México, corrigindo uma das falhas da versão implementada por Trump, que colocava os migrantes em situações de insegurança no território mexicano. Em junho de 2022, a Suprema Corte anulou essa ordem, permitindo que o “Permaneça no México 2.0” fosse encerrado novamente e por definitivo em outubro de 2022.

A segunda ação em prol do estabelecimento de um sistema de asilo justo ocorreu em fevereiro de 2021, quando o governo Biden encerrou os Acordos de Terceiro País Seguro, assinados em 2019 com Guatemala, El Salvador e Honduras. Esses acordos permitiam que o governo estadunidense transferisse solicitantes de asilo para países da América Central, onde deveriam solicitar proteção humanitária. A principal crítica a esses instrumentos jurídicos era que a maioria dos solicitantes vinha justamente dessas regiões, ou seja, de países centro-americanos que careciam de estruturas adequadas para serem considerados seguros.

Uma das medidas mais emblemáticas do governo Trump que persistiu por um período significativo sob a gestão Biden foi o Título 42. Implementada em março de 2020, sob a justificativa de segurança sanitária nacional devido à pandemia de covid-19, essa norma permitiu o fechamento das fronteiras terrestres com o México e a expulsão imediata de migrantes que tentassem cruzá-las em direção aos Estados Unidos. Como resultado, os migrantes eram impedidos de apresentar seus casos ao sistema migratório estadunidense.

As críticas à manutenção do Título 42 aumentaram à medida que as restrições internas relacionadas à pandemia foram sendo flexibilizadas. Em 2023, a administração Biden justificava a permanência da política com a necessidade de desenvolver novas estratégias para gerenciar os fluxos migratórios na fronteira. Isso porque, na visão da gestão democrata, as políticas de dissuasão — ou seja, medidas destinadas a desmotivar as pessoas a tentar migrar — não eram suficientes para controlar a migração indocumentada. Nesse contexto, em maio de 2023, o Título 42 foi oficialmente substituído pelo Título 8.

O Título 8, que já era a medida utilizada para gerenciar a fronteira antes da pandemia, estabelece as bases legais sobre imigração, cidadania, naturalização e deportação nos Estados Unidos. Ele apresenta dois aspectos importantes que geraram discussões na conjuntura vivida pela gestão Biden: (i) a permissão para que os migrantes aguardem, nos centros de detenção estadunidenses, a análise de seus pedidos; e (ii) a possibilidade de uma deportação rápida, conhecida como “remoção acelerada”.

Esses dois pontos fizerem com que o retorno ao Título 8 apresentasse vantagens e desvantagens. Sob o Título 42, os migrantes não enfrentavam penalidades ao serem expulsos, o que, de certa forma, “incentivava” múltiplas tentativas de cruzar a fronteira. Já no Título 8, caso o migrante seja deportado, ele enfrenta um período de “proibição de reentrada”, que pode durar cerca de 10 anos. Se o migrante tentar ingressar novamente nos Estados Unidos durante esse período e for apreendido, poderá responder a um processo criminal.

A fronteira com o México é um símbolo amplamente utilizado por políticos e pela mídia para ilustrar o impacto das políticas migratórias no cotidiano da população. Durante o governo Biden, essa instrumentalização não foi diferente, já que esse período foi marcado por recordes de apreensões nas zonas fronteiriças do sul. No ano fiscal de 2021, foram registradas 1,6 milhão de apreensões, número que subiu para 2,2 milhões em 2022, caiu para 2,06 milhões em 2023 e alcançou novamente 1,58 milhão no ano fiscal de 2024, encerrado em 30 de setembro. Esse aumento da migração indocumentada pode ser atribuído a uma combinação de fatores: as condições econômicas adversas nos países de origem, a alta demanda por mão de obra nos Estados Unidos, o desejo de reunificação familiar com parentes já residentes no país e a percepção de que, sob a gestão Biden, as condições para entrar e permanecer no país seriam mais favoráveis.

Além do aumento no volume de migrantes apreendidos, outro reflexo significativo foi a diversificação das nacionalidades entre essas pessoas. Migrantes vindos de fora do México e do Triângulo Norte da América Central (Guatemala, El Salvador e Honduras) já representam mais da metade das detenções — um crescimento expressivo comparado aos 8% registrados no ano fiscal de 2018. No primeiro semestre do ano fiscal de 2024, 62% dos migrantes detidos eram de outros países, com 25% originários de Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela. Também houve um aumento do número de migrantes vindos do Hemisfério oriental: a somatória de cidadãos chineses, indianos e russos apreendidos foi de 7.000 em 2021 para, aproximadamente, 109.000 em 2023, resultando num aumento de 1.500%. Crianças desacompanhadas e unidades familiares também passaram a compor uma parcela maior das detenções, subindo de 23% no ano fiscal de 2020 para 44% no primeiro semestre de 2024.

Devido a essa conjuntura e ao contexto de um ano eleitoral, o presidente Biden assinou, em 4 de junho de 2024, uma ordem executiva que autorizava o fechamento temporário da fronteira com o México caso a média diária de travessias irregulares ultrapasse 2.500 durante sete dias consecutivos. Sob essa medida, os migrantes que tentassem atravessar após o fechamento perderiam a elegibilidade para solicitar asilo. A reabertura da fronteira ficaria condicionada à redução da média diária de travessias para menos de 1.500 durante sete dias consecutivos.

Os impactos dessa medida foram imediatos. No final de junho, as prisões por entrada não autorizada caíram 29%, registrando o nível mensal mais baixo da administração Biden até o presente momento. O número total de detenções desse mês foi de 83.536, uma redução significativa em relação às 117.901 registradas em maio de 2024, e o menor volume desde janeiro de 2021.

Outro aspecto que gerou críticas às políticas migratórias do governo Biden foi o volume de deportações realizadas. Entre o início do mandato e fevereiro de 2024, cerca de 1,1 milhão de pessoas foram deportadas, número que pode se aproximar das 1,5 milhão de deportações registradas nos quatro anos de Trump. Além disso, o governo Biden conduziu cerca de 3 milhões de expulsões de migrantes com base na ordem do Título 42. Somando as deportações e essas expulsões, o governo Biden já realizou quase 4,4 milhões de remoções, um número superior a qualquer outro mandato presidencial desde o segundo governo de George W. Bush, que registrou 5 milhões.

Vale destacar que, em suas promessas de campanha, Trump garantiu que deportará todos os migrantes indocumentados que estiverem nos Estados Unidos. Além disso, afirmou que retomará o Título 42 — agora com a justificativa de que os migrantes estariam espalhando tuberculose — e reimplementará o programa “Permaneça no México”, visando impedir a entrada de novos migrantes no país. Essas três políticas, portanto, provavelmente estarão no centro das discussões no novo governo Trump.  

Caminhos à imigração documentada

Em relação à proteção humanitária, que foi amplamente minada durante a gestão Trump, o governo Biden focou na retomada e no fortalecimento de três programas centrais. O sistema migratório dos Estados Unidos, historicamente, opera em parceria com o ACNUR para o reassentamento de refugiados, sendo reconhecido como o país que tradicionalmente recebe o maior número de refugiados dessa forma. Essa prática é uma marca consolidada da política migratória estadunidense desde sua concepção. Contudo, durante os quatro anos da administração Trump, o número de refugiados admitidos caiu drasticamente, com uma média anual inferior a 30.000, incluindo menos de 12.000 no último ano de seu mandato.

Sob o governo Biden, o progresso na restauração do programa de refugiados foi inicialmente lento devido à necessidade de reconstrução burocrática. No ano fiscal de 2022, apenas 25.465 refugiados foram admitidos. No entanto, com metas ambiciosas e esforços contínuos, o governo fez avanços significativos. No ano fiscal de 2024, foi estabelecida uma meta anual de reassentamento de 125.000 refugiados, e no primeiro semestre desse período mais de 48.500 refugiados foram reassentados, incluindo quase 18.000 apenas nos meses de fevereiro e março. Atualmente, o governo Biden está no caminho para alcançar o maior número de reassentamentos de refugiados desde a década de 1990.      

Com o objetivo de acelerar a concessão de proteção humanitária e promover uma migração segura e ordenada para pessoas originárias da América Central, a administração Biden anunciou, em março de 2021, a reabertura e expansão do programa Menores da América Central (CAM), encerrado pela gestão Trump em 2018. Esse programa permite que crianças e jovens de até 21 anos, originários da região do Triângulo Norte, solicitem refúgio nos Estados Unidos diretamente em seus países de origem. Se a proteção for concedida, esses indivíduos poderão migrar de maneira autorizada, evitando a travessia irregular e os riscos associados.   

Como resultado desses esforços, o número de refugiados reassentados da região aumentou expressivamente, passando de 500 em 2021 para 6.300 em 2023. No primeiro semestre de 2024, esse número já ultrapassou 8.500, estabelecendo um novo recorde anual e consolidando o compromisso do governo em ampliar a proteção humanitária na região.     

O terceiro programa foi a retomada do TPS (Status de Proteção Temporária), uma autorização de residência e trabalho temporário por razões humanitárias, semelhante aos vistos humanitários no Brasil. Em março de 2021, a administração Biden concedeu o TPS a Mianmar e Venezuela devido a crises humanitárias. Em maio, estendeu o programa por 18 meses ao Haiti, após a instabilidade política, e a outros nove países, como El Salvador, Nepal e Somália, afetados pela covid-19. Em 2022, o governo expandiu o TPS para o Afeganistão e a Ucrânia, devido à invasão russa, e para o Sudão do Sul, em resposta a condições precárias. Também em 2022, o TPS foi concedido a deslocados de Camarões e Etiópia, e em setembro de 2023, o programa foi redesignado para proteger 472.000 venezuelanos, em meio à crise em andamento.   Além desses três programas, em abril de 2023, a administração Biden anunciou a criação dos Safe Mobility Offices (SMOs) com o objetivo de oferecer caminhos legais para alguns migrantes, reduzindo a imigração irregular aos Estados Unidos. Em parceria com o ACNUR, a OIM e os governos da América Central e do Sul, foram inaugurados quatro escritórios na Colômbia, Costa Rica, Equador e Guatemala. Esses locais facilitam o acesso aos Estados Unidos para refugiados, pessoas com familiares no país e trabalhadores sazonais, além de fornecer opções legais para a Espanha e o Canadá. Desde o lançamento, quase 190.000 pessoas se inscreveram, com 27.000 admitidas nos Estados Unidos, sendo 8.800 como refugiados e 18.100 por outros meios legais. A Espanha também recebeu cerca de 300 refugiados nicaraguenses e venezuelanos por meio do SMO na Costa Rica.  

É importante destacar que os três programas mencionados — reassentamento, CAM e TPS — foram descontinuados durante o primeiro mandato de Donald Trump. Essa decisão reflete uma postura mais restritiva em relação à política migratória e pode indicar a possibilidade de que medidas semelhantes sejam tomadas com o retorno dele à Casa Branca para o segundo mandato.

As estratégias multilaterais para gerenciar a migração nas Américas

Embora Biden não tenha retomado a participação dos Estados Unidos no Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, sua gestão implementou duas estratégias multilaterais significativas para abordar a pauta migratória na região. Isso representou um avanço importante, considerando o contexto de rejeição à cooperação multilateral que marcou o governo Trump. Contudo, apesar do esforço para estruturar e promover o diálogo coletivo entre os países americanos por parte da gestão Biden, o retorno de Trump à presidência e suas promessas de adotar um protecionismo mais rigoroso podem comprometer a continuidade dessas iniciativas, com a provável retirada dos Estados Unidos dessas estratégias. 

A primeira medida foi a criação da “Root Causes Strategy”, que visava enfrentar os fatores econômicos, de governança e segurança que impulsionam a migração irregular da América Central. No início do mandato, Biden delegou à vice-presidente, Kamala Harris, a liderança do desenvolvimento dessa estratégia, que se organizou em cinco pilares: 1) reduzir a insegurança econômica e a desigualdade; 2) combater a corrupção e fortalecer a governança democrática; 3) promover direitos humanos, trabalhistas e a liberdade de imprensa; 4) prevenir a violência e o crime organizado; 5) combater a violência de gênero e doméstica.           

Contudo, durante uma visita à Guatemala em 2021, Harris declarou: “Quero deixar claro para as pessoas desta região que estão pensando em seguir pelo perigoso caminho para a fronteira dos EUA com o México, não venham”, o que gerou uma repercussão negativa sobre a forma como o governo estava lidando com a migração. Além disso, a estratégia foi pouco explorada por Harris em sua recente campanha presidencial, o que sugere resultados limitados. Em paralelo, essa abordagem foi utilizada pelos republicanos para questionar a competência de Harris na gestão da imigração.         

O segundo plano, de caráter continental, representou, embora com um enfoque mais amplo e simbólico, uma grande mudança na forma como os Estados Unidos lida com a migração. Historicamente, o governo estadunidense preferia abordagens bilaterais com países-chave, como o México, ou regionais com o Triângulo Norte. No entanto, diante do aumento e da diversificação dos migrantes que chegam à fronteira com o México, o país presidiu a Cúpula das Américas em junho de 2022, tendo um dos principais objetivos a promoção uma gestão migratória colaborativa e continental.

Como resultado, os Estados Unidos e mais 20 países, incluindo Argentina, Brasil, Canadá, Colômbia e México, assinaram a Declaração de Los Angeles sobre Migração e Proteção. Esse documento busca estabelecer um entendimento comum sobre os desafios migratórios regionais, com compromissos em áreas como estabilidade, expansão de vias legais, proteção internacional, gestão humanitária e resposta coordenada a emergências. Este foi o primeiro instrumento jurídico a abranger todo o continente americano.

O que se pode esperar com retorno de Trump à Casa Branca?

Os quatro anos do governo Biden evidenciaram um equilíbrio entre a continuidade de políticas migratórias coercitivas, características das administrações republicanas, e tentativas de adotar um tom mais ameno, alinhado com os valores democratas. Ao mesmo tempo, houve esforços para implementar um tratamento mais humanitário, conforme prometido em sua campanha em 2020.     

Três fatores ajudam a explicar essa dinâmica. Primeiro, o expressivo aumento nos fluxos migratórios “pressionou” a administração a adotar medidas mais firmes, como parte de seu cálculo político estratégico. Em segundo lugar, esse acréscimo do número de migrantes na fronteira com o México intensificou uma “preocupação” generalizada entre a população, reforçando a percepção de que a migração deveria ser mais rigorosamente controlada. Isso limitou a possibilidade de uma abordagem mais branda, historicamente associada aos democratas. Esse cenário é ilustrado pelo fato de a imigração ter sido apontada como uma das pautas centrais que contribuíram para a derrota de Kamala Harris nas últimas eleições presidenciais. Por fim, a ausência de maioria democrata no Congresso representou um desafio significativo para a aprovação de medidas mais alinhadas à proposta inicial de Biden, especialmente relacionadas à gestão da fronteira.       

Apesar de não ter como prever como será o cenário da fronteira em relação à quantidade de migrantes que tentarão alcançar os Estados Unidos, pode se dizer que no que se refere os dois outros fatores, Trump, em seu mandato próximo, estará numa situação muito “melhor” do que Biden. Primeiramente, a população está tendendo a apoiar medidas mais restritivas para “se proteger” dos migrantes. Em segundo lugar, o Partido Republicano terá a grande maioria no Congresso e no Senado, o que pode ser um indicativo que as propostas de Trump poderão tramitar com maior facilidade.    

Além disso, as primeiras escolhas para a formação do novo Gabinete sugerem que o segundo mandato de Trump poderá ser mais planejado e estruturado do que o primeiro, tendendo a facilitar a implementação de políticas alinhadas à sua visão e prioridades. A título de ilustração, as nomeações de Tom Homan como “czar das fronteiras” e de Stephen Miller como vice-chefe de Gabinete sugerem que Trump, conforme prometido durante sua campanha, tornará a imigração uma pauta central de sua gestão.

Homan e Miller desempenharam papéis-chave no primeiro governo Trump, sendo responsáveis por algumas das políticas migratórias mais controversas, como a separação de famílias na fronteira e a proibição de entrada de cidadãos de países majoritariamente muçulmanos nos Estados Unidos. Com ambos sinalizando a adoção de medidas ainda mais restritivas, é provável que tempos difíceis aguardam os migrantes sob essa nova administração.

Sobre a autora

Anna Paula Ramos é mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, Unicamp, PUC-SP), bacharela em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Álvares Penteado (FECAP) e membra do ProMigra – Projeto de Promoção dos Direitos de Migrantes da Faculdade de Direito da USP. Tem como temas de pesquisa a migração centro-americana, as políticas migratórias dos Estados Unidos e do México.


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