Por Pe. Alfredo J. Gonçalves
A recente tragédia no município de Palotina-PR, na data de 26 de julho, com a explosão numa cooperativa agroindustrial de armazenamento de grãos, causou a morte de nove trabalhadores, dos quais oito eram de origem haitiana.
No Brasil, o destino destes migrantes, em particular, tem sido, de um lado, a agroindústria ligada aos frigoríficos. O quadro mais amplo comporta a pecuária, a criação de bovinos, suínos e de frangos, o abatedouro – tudo em vista da embalagem de carnes, presunto, linguiça e derivados, em grande parte para exportação. De outro lado, os haitianos têm buscado os estados do Sul (RS, SC e PR) para o trabalho nas cooperativas, na construção civil, nas safras agrícolas, no trabalho doméstico, entre outros.
Historicamente, tem sido um povo marcado pela tragédia. Ademais das recorrentes turbulências sociais, econômicas e políticas, um terremoto de 7.3 graus na escala Richter atingiu a capital do Haiti, Porto Príncipe, em janeiro de 2010. A cidade ficou praticamente em ruínas. Morreram ao redor de 230 mil pessoas, entre elas a Dra. Zilda Arns, que estava em missão pela Pastoral da Criança. A estimativa de desabrigados ultrapassou a casa de um milhão.
O Brasil foi um dos poucos países que se propôs receber esses refugiados em regime de urgência, flexibilizando a entrada e o acesso ao trabalho. Por Tabatinga e Manaus (AM), Rio Branco (AC) e Porto Velho (RO), dezenas de milhares de haitianos desembarcaram em território nacional.
População em diáspora
A tragédia desses migrantes, entretanto, não parou por aí. Estende-se hoje por diversos países da América do Sul, América Central e Caribe, além do eldorado norte-americano. Boa parte deles, não conseguindo fixar-se no Brasil, tentou retomar a rota em direção aos Estados Unidos, por exemplo. Centenas, ou talvez milhares, ficaram pelo caminho, encurralados nas fronteiras. Os que lograram emprego, submetem-se em geral a condições precários de trabalho, salários baixos e não pouca discriminação. Difícil sustentar a si próprio e, ao mesmo tempo, sustentar a família à distância através da remessa de parte dos ganhos auferidos.
Muito mais difícil, ainda, tem sido trazer os familiares para o reencontro em terras brasileiras. Boa parte dos haitianos que vive em território brasileiro se engaja no mercado informal, não raro, como vendedores ambulantes, nas capitais dos estados, entre as quais Manaus, Cuiabá, Porto Velho, Curitiba e São Paulo.
Verdade que outra parte considerável da migração haitiana tem demonstrado no Brasil um exemplo nada desprezível de resistência, teimosia e esperança. Hábeis no aprendizado da língua, bem como em diversos ofícios, logo encontram emprego razoavelmente estável, ainda que em serviços pesados e, em geral, mal remunerados. Destes, não são poucos os que já começaram o processo de recompor a família nesta terra de destino. Em alguns lugares, como por exemplo, a região do Glicério, em São Paulo, chegam a introduzir no local costumes de sua culinária.
Um termômetro social
A presença desses migrantes entre nós – com suas tragédias e sua tenacidade – revela a necessidade de mudanças profundas nas relações regionais e internacionais.
O desafio mais urgente e imediato é, sem dúvida, aquele de dirimir as assimetrias e desigualdades socioeconômicas entre os países e/ou regiões. A partir daí todos os seres humanos, em qualquer lugar em que tenham nascido ou em que se encontrem, poderão ter oportunidades iguais de inserção e de mobilidade social.
Fato é que a migração em geral, e o êxodo haitiano ou venezuelano em particular, constituem um termômetro seja da concentração de renda e riqueza em poucos países e em poucas mãos, da pobreza, miséria e fome derivadas da exclusão social.
Sobre o autor
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, é vice-presidente do SPM (Serviço Pastoral dos Migrantes)