Por Coletivo Cio da Terra
Mesmo com pedidos de reunião familiar deferidos pelo governo federal, mulheres haitianas seguem sem respostas da Embaixada do Brasil no Haiti. Coletivos denunciam violência institucional e apontam a urgência de soluções diante da crise humanitária no país caribenho.
O Coletivo de Mulheres Migrantes Cio da Terra denuncia a situação de dezenas de mães haitianas que vivem no Brasil com residência regular e enfrentam a morosidade e a ausência de respostas do Estado brasileiro para concretizar o direito à reunião familiar com filhos e filhas que permanecem no Haiti.
Esse é o caso de Marie Odette Jules, mulher negra, haitiana e mãe solo, residente no Brasil desde 2018. Ela tenta desde 2020, sem sucesso, trazer seu filho adolescente para viver ao seu lado em Belo Horizonte (MG). Mesmo com a autorização de residência para reunião familiar deferida pelas autoridades brasileiras desde novembro de 2023, após anos de trâmites administrativos e judiciais, o Estado brasileiro ainda não autorizou o reencontro dessa família.
O caso de Marie Odette evidencia uma violência institucional grave e persistente, que afeta outras várias famílias haitianas. A Embaixada do Brasil em Porto Príncipe, Haiti, onde o visto deve ser solicitado, está fechada desde 2023 por razões de segurança, e o setor consular informa que há mais de 10 mil pedidos de visto na fila, com previsão de atendimento para 2026 — no caso de Marie Odette, três anos após o pedido ser aceito oficialmente.
A situação é agravada pelo colapso institucional no Haiti, país que enfrenta uma grave crise humanitária marcada por fome, deslocamentos forçados, controle territorial por milícias armadas e o esfacelamento dos serviços públicos. Trata-se de um cenário reconhecido por organismos internacionais como um dos mais críticos do continente americano.
“A fila na Embaixada do Brasil no Haiti permanece estagnada, sem qualquer plano de contingência para agilizar a emissão de vistos a crianças e adolescentes haitianos em situação de extrema vulnerabilidade e afastados de suas mães. O caso de Marie Odette segue judicializado em Belo Horizonte, atualmente aguardando decisão em segunda instância no TRF6, mesmo com parecer favorável do Ministério Público. A morosidade do Judiciário, somada ao hermetismo do Itamaraty e à burocracia federal, impede a efetivação do direito à convivência familiar. Um Brasil que se diz acolhedor, mas não acolhe os filhos das mães haitianas”, comenta Catalina León Amaya, ativista colombiana e integrante do coletivo de mulheres migrantes Cio da Terra e da Coletiva de Mulheres em Migração pela Paz – MeMiPaz.
Judicialização
Em meio a esse contexto, a Defensoria Pública da União (DPU) acionou o Judiciário solicitando a dispensa da exigência de visto para haitianos que já tiveram o pedido de reunião familiar deferido pelo Ministério da Justiça, com base na Portaria nº 38/2023. A medida visa garantir o direito à convivência familiar, conforme previsto na Constituição Federal e em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e o Pacto de San José da Costa Rica.
Como explicado pela advogada, professora e pesquisadora Juliana Cesario Alvim, quem coordena a Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (CDH/UFMG), recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a entrada no Brasil, sem necessidade de visto, de uma adolescente haitiana cujos pais já moram legalmente no país. A decisão reconheceu que a demora da administração pública em analisar o pedido de entrada não pode impedir a reunião familiar, especialmente diante da situação de extrema calamidade no Haiti.
Nesse contexto, coletivos e organizações de migrantes denunciam que, na prática, o Estado brasileiro tem falhado em garantir esse direito a famílias negras, migrantes e pobres, reiterando padrões históricos de racismo institucional, xenofobia e seletividade no acesso à cidadania plena.
“Que maternidade o Estado brasileiro está disposto a proteger? O caso em questão não é isolado. Estamos diante de uma política migratória que, na prática, falha sistematicamente em atender mulheres migrantes, negras e pobres. O que está em jogo é o reconhecimento do direito à maternidade para essas mulheres. Elas têm seus laços familiares desfeitos pela burocracia e pela negligência institucional”, afirma Laura Queslloya, coordenadora do coletivo Cio da Terra e ativista peruana.
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