Artesanato e “coleta” – como os índios warao se referem à mendicância – são as principais atividades econômicas da etnia
Por Beatriz Santana*
Devido à crise na Venezuela, os deslocamentos de venezuelanos nas fronteiras do Brasil têm sido constantes nos últimos anos, atingindo o total de 168 mil solicitações até o mês de junho de 2019.
Com as fortes instabilidades políticas e econômicas na Venezuela, povos indígenas têm deixado o país. No caso dos índios da etnia warao, segunda maior população indígena da Venezuela, abrigos dos estados da região Norte do Brasil têm se adaptado ao acolhimento desses povos. A presença dos warao no Brasil tem sido registrada a partir de 2014, com um aumento significativo nos anos seguintes.
O abrigo Janokoida, localizado na cidade de Pacaraima (RR), é um dos centros de acolhimento específico para a etnia warao. Administrado pela organização não governamental Fraternidade, parceira do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), o abrigo aloja em torno de 450 migrantes da etnia e busca promover a integração dessa população à sociedade urbana, de modo a preservar suas culturas e tradições.
A cidade de Manaus (AM) também abriga número significativo de migrantes warao. Atualmente 566 integrantes dessa etnia encontram-se abrigados nas três casas de acolhimento localizadas nos bairros Alfredo Nascimento, Centro e Coroado.
Dado a falta de projetos específicos para a interiorização dos migrantes indígenas para outras cidades do Brasil, tais povos encontram-se, muitas vezes, em situações de vulnerabilidade econômica e social. Logo, as atividades que garantem o apoio financeiro das famílias warao no Brasil têm sido principalmente fundamentadas nas vendas de artesanato e na chamada coleta de dinheiro.
Para os warao, sair às ruas para pedir esmola é considerado trabalho. No geral, são as mulheres que pedem tais doações, visando à sobrevivência e manutenção de suas famílias. Até o início desse ano, era comum que elas levassem consigo crianças para essa atividade, de modo a conseguirem mais donativos. No entanto, a mendicância na presença de menores de idade é considerada um delito segundo a legislação brasileira.
Por outro lado, a produção de peças artesanais tem sido importante para a manutenção e integração social dos mesmos no Brasil. Apesar das dificuldades para terem acesso à fibra do buriti – matéria-prima para a confecção de diferentes tipos de artesanatos típicos da etnia –, visto que no Brasil é necessário ter licença ambiental para derrubar a árvore do Buriti, grupos de voluntários empenham-se no auxílio e organização das vendas.
Outras atividades importantes para a inserção social dessa etnia no país foram realizadas. Em janeiro, houve uma oficina de artesanato indígena no Sesc Belenzinho, em São Paulo. Em maio, o atual prefeito da cidade de Manaus, Artur Neto, anunciou uma medida sobre o aluguel de um sítio para abrigar os migrantes warao.
Por outro lado, é necessário apontar as dificuldades presenciadas por tais migrantes no Brasil. Além das diferenças culturais, dos impasses de adaptação e das vulnerabilidades econômicas, há ainda as diferenças lingüísticas, como, por exemplo, a especificidade da língua warao. Esses fatores contribuem para que os migrantes tenham ainda mais dificuldades de conseguir empregos formais em comparação aos migrantes venezuelanos não-indígenas.
Visto a superlotação dos abrigos em Boa Vista, capital do estado de Roraima, o desemprego e a constante chegada de migrantes venezuelanos, a ocupação de prédios abandonados tem sido uma alternativa à condição de morar nas ruas. Em um clube de Boa Vista, outrora abandonado, cerca de 510 moradores vivem sob condições precárias. A maioria deles são indígenas warao.
Ademais das dificuldades citadas anteriormente, cabe ressaltar que os impasses promovidos perante a inserção social dos migrantes indígenas fundamentam-se, ainda, na resistência e problemáticas concernentes ao exercício das políticas e dos direitos dos próprios grupos indígenas presentes no Brasil. Invisibilizados e, muitas vezes, excluídos das políticas públicas empreendidas pelos órgãos governamentais, a aderência e atenção às necessidades e respeito às tradições e culturas dos povos warao e de demais etnias dos migrantes indígenas tornam-se também prejudicadas.
Sem expectativas de melhoras no cenário venezuelano, há de se pensar em medidas de acolhimento que promovam a adaptação e integração dos migrantes indígenas no Brasil.
*Beatriz Santana, 24, é bacharel em Relações Internacionais pela Unesp – Franca. Atualmente desenvolve pesquisa sobre o processo de securitização da entrada de refugiados, tendo como foco a Alemanha