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quarta-feira, outubro 30, 2024

Museu Nacional de Joinville vive transição para discutir o passado e o presente das migrações

Migração é um tema tanto histórico como contemporâneo, embora muitos ainda vejam o fenômeno apenas sob o prisma romântico das memórias dos antepassados. Com isso, museus de todo o Brasil e do exterior já procuram novas formas de mostrar e discutir a migração, fazendo e servindo como pontes entre o passado e o presente. E iniciativas adotadas em certas instituições ajudam a inspirar abordagens inovadoras em outras cidades.

Um exemplo é o que acontece atualmente com o Museu Nacional de Imigração e Colonização, localizado em Joinville (SC). Assim como outras cidades catarinenses e brasileiras, Joinville tem nos migrantes um importante agente na sua formação e continua a atrair pessoas de outras partes do mundo, como os haitianos. E os desafios trazidos pela migração atual também se refletem no Museu Nacional, fundado em 1957 e que busca se adequar para também abordar o lado contemporâneo do processo migratório.

“Ao longo da sua existência, a instituição adotou uma perspectiva que poderíamos chamar de tradicionalista, refletida ainda hoje sobretudo na sua expografia. Nos últimos anos o Museu Nacional vem repensando sua linha discursiva e aproximando-se mais das propostas da chamada “nova museologia”: conceitos como diversidade cultural, educação patrimonial, participação comunitária, transformação social, acessibilidade, gestão democrática passaram a nortear as ações institucionais”, explica Dilney Cunha, diretor do Museu.

O Museu Nacional de Imigração e Colonização, localizado em Joinville (SC). Crédito: Divulgação
O Museu Nacional de Imigração e Colonização, localizado em Joinville (SC).
Crédito: Divulgação

Em entrevista ao MigraMundo, Cunha explica como vem sendo conduzido esse processo de transição na linha museológica do Museu Nacional e que frutos ele já rendeu. “Os museus de imigração podem ser importantes espaços de promoção da cidadania, do respeito à diversidade cultural, de combate ao racismo e à xenofobia, de representação dos diferentes grupos sociais e de acolhimento de novos migrantes”, ressalta Cunha.

Qual a linha museológica do Museu Nacional de Imigração e Colonização de Joinville?

O Museu Nacional de Imigração e Colonização (MNIC) foi criado em 1957 para tratar das memórias do processo imigratório e de colonização no sul do Brasil. Ao longo da sua existência, a instituição adotou uma perspectiva que poderíamos chamar de tradicionalista, refletida ainda hoje sobretudo na sua expografia. Essa concepção preocupou-se em construir um tipo de museu no qual estivessem retratadas sobretudo as memórias de um determinado grupo ou etnia, qual seja, o dos imigrantes germânicos pioneiros que construíram a cidade, dando-se destaque às famílias tradicionais e mais abastadas que constituíram a elite da antiga Colônia Dona Francisca, atual Joinville. Nos últimos anos o Museu Nacional vem repensando sua linha discursiva e aproximando-se mais das propostas da chamada “nova museologia”: conceitos como diversidade cultural, educação patrimonial, participação comunitária, transformação social, acessibilidade, gestão democrática passaram a nortear as ações institucionais.

Na sua opinião, qual a importância de um museu específico para a imigração em uma cidade ou região?

Entendo que um museu que trate da temática migratória deve ser um espaço de discussão de questões contemporâneas, incluindo aí principalmente, é claro, aquelas relacionadas aos deslocamentos, às migrações humanas. Os museus de imigração podem ser assim importantes espaços de promoção da cidadania, do respeito à diversidade cultural, de combate ao racismo e à xenofobia, de representação dos diferentes grupos sociais e de acolhimento de novos migrantes.

Quais os maiores desafios do Museu hoje, na sua opinião?

Em função de uma concepção de museu tradicional, estático, o MNIC voltou-se durante décadas somente para o passado, representado principalmente pelas famílias locais mais ilustres, retratadas nas exposições. Sem nenhum demérito para com as pessoas que administraram o Museu durante esse período, muitas vezes até de forma voluntária, e que dentro de seus conhecimentos e possibilidades, conduziram a instituição dessa forma.

Porém, o MNIC vive um momento de transição. Além das demandas de curto prazo externas, como o atendimento a um público cada vez maior e diversificado (o MNIC é hoje um dos museus mais visitados do sul do Brasil) e outras internas, como a organização do inventário e digitalização do seu acervo, o Museu vem repensando e redefinindo seu papel. Caminhamos para transformá-lo em um espaço mais acessível aos diferentes grupos sociais, que cumpra sua função como vetor de transformação social e representação não hierarquizada das diversas identidades e memórias que se configuram na sociedade.

O Museu desenvolve atualmente algum projeto junto à população? Se sim, qual?

O MNIC desenvolve desde 2011 o projeto “Educação Patrimonial e Acessibilidade – Museu Nacional de Imigração e Colonização”, através de um convênio entre a Fundação Cultural de Joinville e o Conselho Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. As ações que o compõem são voltadas sobretudo às pessoas com alguma deficiência visual, auditiva e com mobilidade reduzida e tem transformado o Museu em referência em acessibilidade.

Além dos imigrantes que ajudaram a formar a cidade no passado, Joinville também tem recebido atualmente pessoas de outros países, como do Haiti. Como o senhor vê esse nova movimentação migratória em direção à cidade e outras localidades do Estado?

O fenômeno das migrações existe desde o aparecimento do ser humano na face da terra e é, como se vê atualíssimo. Esses deslocamentos provocam sentimentos difusos nos “estabelecidos” na sociedade que recebe os “outsiders”, muitas vezes de rejeição, discriminação, como demonstrou Norbert Elias. Como em outros lugares e em diferentes períodos da história, isso foi o que aconteceu em Joinville com os imigrantes europeus no século XIX e acontece hoje em relação aos haitianos por exemplo, e basicamente pelos mesmos motivos. Pessoalmente, penso que essas ondas migratórias podem mudar a configuração da sociedade local em dois sentidos, que dependem do grau de aceitação e assimilação entre os grupos envolvidos. Assim, esse contato pode tornar a sociedade ao longo do tempo mais fechada, intolerante, o que acaba resultando no (auto)isolamento ou mesmo expulsão do grupo de “fora”; ou então (como creio ser o caso de Joinville) produz uma sociedade mais tolerante, democrática, aberta, justamente a partir desse “choque” cultural inicial. Mesmo que sobrevivam, ainda que enfraquecidos, aqueles sentimentos negativos. Pois é conhecendo o “outro”, o “diferente”, o “estranho” que conseguimos superar medos, preconceitos e aprender que somos todos fundamentalmente iguais na diferença.

Alguns museus que lidam com a temática migratória no mundo, como o Museu da Imigração de São Paulo e o de Buenos Aires, têm procurado abordar e debater elementos das migrações atuais em suas mostras. Existe a ideia de fazer algo parecido no Museu em Joinville?

Sem dúvida. Porém, como já disse, o MNIC é um museu em transição. Ultimamente temos discutido e redefinido o papel do MNIC como espaço vivo, dinâmico, que procura atender as demandas da sociedade e estimular o debate de questões da contemporaneidade, entre as quais o das migrações atuais. Por isso nossa aproximação e estreitamento de laços com o Museu da Imigração de São Paulo e com os grupos de novos imigrantes, por exemplo. Essas ações servirão para embasar uma nova museografia e refletirão nas futuras exposições.

Museu Nacional de Imigração e Colonização
Endereço: Rua Rio Branco, 229 – Centro – Joinville (SC)
Funcionamento: De terça a sexta, das 9h até às 17h; sábados, domingos e feriados: das 12h às 18h; às segundas-feiras o museu é fechado para visitação.
Contato: (47) 3433-3736
[email protected]
[email protected]
http://museudeimigracao.blogspot.com.br/

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