“Tenho uma vaga para alguém com o seu perfil! Eu não sei muito bem o que faz, mas é para ser a babá de expatriados da empresa”.
Talvez pelo nível de cuidado. Talvez pela falta de familiaridade com o tema, é assim que muitas vezes o profissional de mobilidade global é procurado para vagas nas empresas.
Essa visão, causada em outras áreas do RH, pode ser tanto um feedback quanto um alerta, uma vez que Global Mobility pode ser desconhecido para outras áreas, quanto pode ser uma área vista como supérflua, trazendo à realidade algo do imaginário popular: o profissional de Mobilidade Global só serve para ser a babá de uma pequena população na empresa.
Mas o advisor de Mobilidade é realmente uma “babá”? O que é o cuidado com o profissional estrangeiro e o que é ser uma babá?
O que é o cuidado com o expatriado?
O foco de todo profissional de Mobilidade Global está sobre o quão rápido o expatriado pode iniciar seu trabalho no novo país.
Sim, cada expatriado é um projeto em si mesmo. Cada um tem um prazo, cada um tem um requisito e cada um tem uma dificuldade. Entretanto, cada um é uma pessoa (Como diz uma das precursoras de Mobilidade Global no Brasil, “It’s all about people”.). E por ser uma pessoa, significa que além dos requisitos obrigatórios de uma expatriação, há de se levar em conta os interesses pessoais, prazos, possíveis dificuldades familiares, e o impacto que uma mudança de cultura possa parecer.
Para que o expatriado comece a trabalhar em seu novo país, ele precisa seguir as regras migratórias do país, ter uma acomodação (temporária ou já o contrato de aluguel feito), e estar de acordo com as leis trabalhistas do país – em outras palavras, estar “na folha de pagamento”.
Entretanto, outros itens somam-se a lista, uma vez que o expatriado é uma pessoa – se fosse simplesmente um projeto, deixá-lo apto ao trabalho já finalizaria a entrega. Os móveis, a escola dos filhos, as questões de saúde, e o que fazer no tempo livre são alguns poucos exemplos que acolchoam o impacto da mudança de país de um profissional – e nos faz questionar o suporte que outros tipos de migrantes possuem quando mudam para outro país.
O advisor de Global Mobility atua em todas essas frentes de uma vez, frentes que contribuem para a performance da pessoa expatriada na empresa.
E por que isso pode ser visto como uma babá?
Realmente trata-se de um profissional quase dedicado ao expatriado – entretanto com o interesse na performance rápida (se não imediata) do profissional expatriado em outro país. Toda a preocupação e dedicação de um profissional dedicado somente a isso pode soar como um cuidado excessivo – até a pessoa ser expatriada.
A entrega de um profissional de Mobilidade Global muitas vezes somente é vista por quem passou pelo processo – um CEO possui um impacto gigantesco na organização como um todo, e, por exemplo, passa por uma expatriação para assumir o cargo, contará com o apoio de um profissional de mobilidade global, entretanto a empresa como um todo pode não ver o suporte dado, somente se vê a chegada e a posse do CEO.
Claro, o trabalho de Global Mobility está na coxia, não no palco. A função deste profissional é fazer com que o expatriado esteja pronto para performar, como falamos. E buscar uma escola para o filho deste expatriado, negociar um contrato de aluguel, incluir benefícios na folha, calcular o custo de vida da pessoa, preparar o expatriado para o choque cultural, dentre tantas outras coisas, faz parte do job description.
Talvez a alcunha de “babá de expatriados” venha somente da atenção dedicada ao profissional. Entretanto as empresas começaram a ver como todo o onboarding realmente é difícil, ainda instituindo profissionais dedicados a este processo. Exatamente como em Mobilidade Global. Ambos os profissionais, de Onboarding e de Global Mobility, podem aprender muito entre si, justamente por lidar com adaptações culturais e diminuição do choque cultural, em diferentes escalas.
Quando o cuidado é demasiado…
Ter um profissional totalmente dedicado à acomodação de um expatriado pode soar um pouco demais, mas nenhuma adaptação é fácil – principalmente se culturas muito distantes estiverem nesta combinação.
Mas, assim como o processo de maturação, o suporte do profissional de mobilidade global tem de ir até certo ponto. Ou seja, o profissional expatriado precisa experienciar a nova vida, e aprender com seus erros e acertos por si só.
Deixar o expatriado sempre acolchoado, ou mesmo, conversando com as mesmas pessoas que dominam a língua que ele fala, pode ser nocivo ao longo da expatriação. Em uma localização, onde o expatriado passa a ser um funcionário local, ou seja, sem o contrato com seu país de origem, manter sempre o acolchoamento, a mesma língua, fará com que a pessoa não crie vínculos, podendo fazer com que chegue-se a um nível de insatisfação e baixo pertencimento a nova cultura.
Dificilmente uma expatriação será “plug-and-play”, justamente pelas variáveis presentes no processo, mas proteger o expatriado ao ponto de não haver o “play” no dia a dia do novo país fará, com toda certeza, com que haja perdas neste processo.
Ainda, a maioria dos latinos, possui uma vontade grande de agradar alguém que chega no país, o que pode, também, atrapalhar a experiência do estrangeiro, pois todos os cuidados possíveis são tomados para que essa pessoa tenha o melhor tratamento, mas não é isso que ela precisa. Advisors de Global Mobility em outros países e regiões podem ter uma abordagem que pode parecer fria, onde os expatriados têm toda a recepção, todos os serviços feitos e pronto. Para expatriados saindo da América Latina parece algo muito frio.
Equilíbrio
Dificilmente será possível dizer que uma medida em específico seja adequada como “equilíbrio” para todas as expatriações. Afinal, o tipo de trabalho que lida a Mobilidade Global faz com que cada caso seja um caso – não existe uma pessoa igual a outra, existem certos padrões semelhantes, mas nenhum caso é igual ao outro.
Uma das coisas que a pandemia de Covid-19 trouxe para o profissional de mobilidade global foi a possibilidade de ser estratégico, não só atuar no operacional da expatriação, mas sim, analisar, questionar e poder contribuir nas discussões de recursos humanos. Essa habilidade estratégica, essa análise e esses questionamentos podem ser usados na análise de cada expatriação, de modo que encontre-se o equilíbrio de cada expatriação.
Ou seja, ao invés de criar uma receita que atenda a todos os expatriados, encontrar o até que ponto pode-se ir com essa pessoa, com essa família – e, em dado momento, prover o caminho para que o expatriado o trilhe por si mesmo.
Assim, deixa-se de ser uma babá de expatriados, mas passa-se a ser como o Mestre dos Magos, de A Caverna do Dragão, que dá o caminho, e deixa que os protagonistas trilhem o caminho – devidamente munidos com as ferramentas que precisam.
Sobre o autor
Danyel Andre Margarido possui mais de dez anos de experiência em Mobilidade Global e Expatriados, atuando como consultor de Global Mobility na EMDOC, e fundador da Altiore Experience. Atualmente no setor de Global Mobility do Prysmian Group, já realizou a movimentação de mais de 2.000 famílias pelo mundo. É formado em Relações Internacionais pela UniFMU, com especialização em Direito Internacional pela Escola Paulista de Direito. Tem MBA em Recursos Humanos, pela Anhembi Morumbi, e um mestrado profissional em Recursos Humanos Internacionais, pela Rome Business School.