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domingo, dezembro 22, 2024

ONGs param resgates no Mediterrâneo durante pandemia; ONU denuncia reenvio de migrantes à Líbia

Dois meses depois, Estados europeus começam a desconfinar suas populações e ONGs planejam voltar ao mar; ONU denuncia reenvio de migrantes à Líbia e falta de gestão europeia no acolhimento

Por Victoria Brotto
Estrasburgo (França)

Por conta da epidemia do covid-19, desde fevereiro deste ano nenhuma organização humanitária opera nas águas do mar Mediterrâneo no resgate de migrantes.

Tal ausência inquieta as Nações Unidas, uma vez que “as ONGs têm um papel importante no resgate e na prevenção, além de serem testemunhas do que se passa no mar”, afirmou Vincent Cochetel, representante do ACNUR no Mediterrâneo, em entrevista ao site InfoMigrant na semana passada. Ele ainda criticou a falta de gestão europeia do acolhimento de uma população vulnerável que chegava à suas fronteiras durante a epidemia.

A ONG francesa de resgate de migrantes SOS Mediterranée denunciou “um ainda maior desengajamento dos Estados europeus no Mediterrâneo” além da situação (de migrantes atravessando o mar) “ter saído completamente do radar”, afirmou Sophie Beau, presidente da ONG.

De volta ao mar

Desde 2015, as operações de resgate de migrantes foram alvos de críticas por supostamente os incentivarem a fazer a travessia África-Europa. Porém, com a ausência das ONGs durante o confinamento, ainda há pessoas fazendo a travessia.

Segundo a Organização Mundial para Migrações (OIM), apenas em abril 17.813 migrantes atravessaram as águas mediterrâneas desde o continente africano, chegando em países como Itália, Espanha, Malta, Grécia e Chipre.  

“Ouviu-se frequentemente na Europa que as ONGs eram cúmplices dos coiotes porque elas incentivariam os migrantes a deixar a Líbia. Mas nós estamos vendo bem claro nesse momento que mesmo com a ausência dos navios humanitários, as partidas da Líbia continuam acontecendo”, afirmou Cochetel.

Nesta semana, a Europa se prepara para relaxar mais as regras de isolamento: a França, por exemplo, entrará em sua segunda fase de desconfinamento, com abertura de parques, restaurantes e livre circulação dentro de suas fronteiras. Com isso algumas ONGs, como a SOS Mediterranée, se preparam para voltar ao mar.

“Estamos montando nossa equipe médica, além de colocarmos em prática os protocolos sanitários exigidos, afim de voltar ao mar nos próximos dias”, afirmou Sophie Beau em live na página da ONG no Facebook.

A organização não faz operações no mar desde fevereiro, quando, após ter desembarcado um grupo de migrantes no porto de Pozzalo, na Itália, teve que colocar o seu navio The Ocean Viking em quarentena por 14 dias.

Reenvios à Líbia

Após esses 14 dias, a situação sanitária na Itália se degradou, e o governo declarou seus portos como não-seguros, impedindo assim qualquer desembarque. “Como não tínhamos condições de segurança suficientes para resgatar os migrantes decidimos não partir”, afirmou Beau.

Foi nesse momento que a ONG Médicos Sem Fronteiras rompeu sua parceria de quatro anos com a SOS Mediterranée – as duas operavam dentro das embarcações, uma com a equipe médica e a outra com a equipe de resgate e salvamento. A MSF defendia a volta ao mar, pois acreditava que era função da equipe humanitária estar presente num período crítico como o da epidemia.

Outra consequência da pandemia no mar Mediterrâneo foi o aumento dos reenvios de migrantes para a Líbia, denunciado pelo comissário do ACNUR na região.  

“Houve um grande número de partidas de embarcações da Líbia nesse final de semana e a maioria delas foram interceptadas e reenviadas à Líbia. Entre 200 e 300 pessoas serão enviadas para centros de detenção na L[ibia nos próximos dias”, denunciou o representante da ACNUR.

Ele também criticou a falta de coordenação europeia no acolhimento dessa população vulnerável durante a pandemia, obrigando Itália e Malta a gerenciar as chegadas caso por caso.

“Roma precisa contar com a solidaridade europeia. Nós não podemos mudar a geografia : Itália, Grécia e Malta não podem gerenciar isso sozinhos.”

O diretor de operações marítimas da SOS Mediterranée, Frédéric Penard, afirmou que com a epidemia, os Estados europeus se desengajaram ainda mais com o que acontece no Mediterrâneo. 

“Os migrantes continuaram chegando, fossem dentro de suas próprias embarcações precárias, fossem porque eles foram resgatados pelos navios comerciais (pelo direito marítimo, o resgate no mar é um dever de toda embarcação). Mas alguns navios foram bloqueados, como foi o caso do navio cargueiro Marina, bloqueado por mais de uma semana antes do seu desembarque ser autorizado na Sicília”, acrescentou.

Motivos para ausências no Mediterrâneo

A ausência das ONGs na rota chamada pela Organização Mundial para Migrações como a mais mortal do mundo se explica por três fatores, de acordo com François Thomas, presidente da SOS Mediterranée em solo francês:

O primeiro é a declaração dos governos caracterizando seus portos como “não seguros para desembarque” – a Itália, principal país de desembarque de migrantes, foi um dos primeiros a fechar seus portos, em abril quando o vírus se alastrava pelo território.

Com isso, segundo o direito marítimo, uma vez que o governo não pode assegurar a segurança de um porto, todo desembarque pode ser considerado ilegal. Assim, as ONGs humanitárias não poderiam desembarcar nos portos ditos não seguros.

“Houve um caos absoluto no mundo marítimo com o fechamento dos portos”, afirmou Thomas.

O segundo motivo para a ausência humanitária nas águas mediterrânicas é que as políticas de confinamento e prevenção dos países europeus obrigaram os navios a fazerem quarentena. O barco The Ocean Viking, da SOS Mediterranée, foi um deles que teve que voltar para o porto original, o de Marseille (no sul da França) onde ficou três semanas parado.  E mesmo aqueles que tentam voltar ao mar, ainda é complicado a nível de logística, agora melhorou um pouco, mas quando se precisa de combustível, de conserto, de verificação de equipamento, tudo isso é difícil de obter em uma Europa confinada”, afirmou Thomas.

O terceiro motivo é a dificuldade da equipe de resgate de se sair de seus países em período de confinamento. As autorizações para cruzar as fronteiras dentro da Europa são raras de se conseguir.


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