“O 11 de Setembro da ONU”: assim é considerado o ataque ao Hotel Canal, em Bagdá (Iraque), em 19 de agosto de 2003, que matou 22 funcionários das Nações Unidas. Entre eles estava o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, de 55 anos, que chefiava a missão da ONU no país.
Em razão desse acontecimento, a ONU escolheu o 19 de agosto para lembrar anualmente o Dia Mundial Humanitário. Além de recordar os mortos no atentado em Bagdá, a data também é uma forma de homenagear outros que perderam a vida em ações humanitárias mundo afora, no passado e no presente.
“Neste Dia Mundial da Ajuda Humanitária, saudamos a coragem e a dedicação dos trabalhadores de ajuda humanitária em todos os lugares. (…) Celebramos a sua dedicação inabalável para atender todas os necessitados: Não importa quem, não importa onde, não importa o quê”, frisou o atual secretário-geral da ONU, António Guterres, sobre a data.
Sérgio Vieira de Mello dedicou sua carreira à promoção da paz, com destacada atuação em assuntos humanitários, e teve boa parte de sua passagem pelas Nações Unidas ligada ao ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados). Ele também chegou a ser visto como um possível futuro secretário-geral da organização.
Pelo ACNUR, entre outras ações, Sérgio Vieira de Mello atuou na resolução de crises humanitárias e de deslocamento forçado em locais como Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique e Camboja. Em vídeo, o ACNUR prestou uma homenagem ao brasileiro ao mesmo tempo que homenageou outros trabalhadores humanitários em atividade ou que já atuaram nessa missão.
Entre 1999 e 2002, em outra tarefa dentro das Nações Unidas, foi designado para liderar a missão que acompanhou a transição para a independência do Timor Leste. Ao final, assumiu o cargo de alto comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos em 2002, posto que ocupava quando perdeu a vida no atentado no Iraque.
Legado de Sérgio Vieira de Mello nas migrações
Questionados pelo MigraMundo, pesquisadores ressaltaram as contribuições de Sérgio Vieira de Mello em relação às migrações em específico, em meio à sua atuação humanitária em diferentes funções na ONU.
“Vinte anos se passaram desde que um atentado a bomba vitimou o Alto Comissário das Nações Unidas, Sérgio Vieira de Mello. Ali se encerrava tragicamente a trajetória de um humanista que defendia pauta migratória junto às potências geopolíticas. Atuante em diversos países e empreendendo ações e alianças de amplitude global, sua liderança em situações de conflito era pautada pela mediação, pela incondicional defesa dos direitos humanos e pelo comprometimento irrestrito por uma cultura de Paz, ressaltou a historiadora e professora Ana Carolina de Moura Delfim Maciel, presidente da Cátedra Sérgio Vieira de Mello na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
A Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM) é um acordo de cooperação entre a agência da ONU e instituições de ensino nacionais. Seu objetivo é estimular projetos de ensino, pesquisa e extensão sobre temas relacionados à promoção do Direito Internacional dos Refugiados. Ao todo, 38 instituições de ensino estão ligadas a essa iniciativa no Brasil, número que vem crescendo ano após ano.
A criação da Cátedra ocorreu logo após a morte de Sérgio Vieira de Mello justamente como forma de celebrar e preservar o legado do diplomata brasileiro.
“A CSVM tornou-se uma experiência transcendente nas universidades brasileiras, para a proteção internacional e a integração local de pessoas refugiadas e migrantes forçados”, recordou Gilberto Rodrigues, professor associado de Relações Internacionais e membro da Cátedra Sergio Vieira de Mello (CSVM) na Universidade Federal do ABC (UFABC).
Para a professora Claudia Loureiro, Coordenadora da Cátedra Jean Monnet na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o diplomata brasileiro levou para as Nações Unidas um olhar diferenciado para causas humanitárias, que se faz presente nas ações da Cátedra.
“A criação da CSVM é o reflexo das contribuições de SVM para a apreensão, compreensão e difusão dos temas ligados ao refúgio, no contexto da ajuda humanitária às pessoas vulneráveis, que necessitam se deslocar em busca de sobrevivência. Ademais, a criação da CSVM consolida a forte e marcante presença de um brasileiro no sistema onusiano, no contexto migratório, com os ideias humanitários de acolhimento, integração, proteção e respeito aos refugiados”.
Essa percepção também é reforçada por Rodrigues. “Sergio trabalhou décadas de sua vida em prol das pessoas migrantes e refugiadas e deslocadas internas. Dessa experiência acumulada em grande parte no terreno, sujando as botas como gostava, ele adquiriu um sentido da existência humana, uma visão de mundo na fronteira mais distante do horizonte da proteção humanitária e dos direitos humanos. Sua trajetória o levou a se tornar, e ser admirado, como hábil problem solver (solucionador de problemas) e exitoso peacemaker (pacificador)”.
Por fim, Maciel destacou que pesquisadores e demais pessoas engajadas em questões humanitárias, incluindo a migração, carregam consigo uma importante missão. “Estamos fazendo jus aos princípios por ele defendidos. Sua partida precoce, aos 55 anos, nos legou essa imensa responsabilidade”.