Onze meses depois da realização da segunda Comigrar (Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia), o governo federal publicou no Diário Oficial da União desta quarta-feira (8) o decreto que institui a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia. Esse dispositivo consta no Artigo 120 da Lei de Migração, em vigor desde o final de 2017, mas seguia pendente até então.
O texto completo do decreto está disponível neste link.
A criação dessa política nacional migratória era uma das principais demandas atuais da sociedade civil organizada em torno da temática. Ela ganhou força a partir do começo de 2023, com a promessa do atual governo de destravar o assunto, com a criação de grupos de trabalho envolvendo diversos atores do setor público, agências internacionais, entidades de apoio a migrantes e representantes da própria comunidade migrante.
No entanto, tal expectativa se converteu em desagrado com a demora do governo federal em publicar as diretrizes dessa política migratória. O assunto passou também para a esteira da segunda edição da Comigrar, realizada em novembro passado e que terminou com a elaboração de um conjunto de 60 sugestões para essa política.
Na mesma Comigrar, durante a plenária de abertura, o Secretário Nacional de Justiça, Jean Uema, afirmou que a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia seria divulgada até o final de 2025 – o que na prática se tornou realidade, após previsões anteriores que não se cumpriram.
Conforme apuração do MigraMundo, diferentes atores estão se debruçando sobre o decreto para entender o real alcance das diretrizes nele contidas, e também checando se de alguma forma ele traz elementos que vieram da Comigrar.
O que diz o decreto – linhas gerais
De acordo com o texto, publicado no Diário Oficial da União (DOU), o objetivo da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia é “coordenar e articular ações setoriais implementadas pelo Poder Executivo federal, em regime de cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com participação de organizações da sociedade civil, organismos internacionais, entidades privadas e das pessoas migrantes, refugiadas e apátridas, com vistas à promoção e à proteção de seus direitos”.
O decreto também menciona como diretrizes para a política de migrações brasileira os pontos abaixo:
- reconhecimento da população migrante, refugiada e apátrida como propulsora do desenvolvimento econômico e social do país;
- centralidade do papel dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na formulação e na implementação de políticas públicas e de ações de acolhida;
- interculturalidade e transversalidade na elaboração e na implementação de políticas, programas e ações;
- valorização do enraizamento comunitário na implementação de mecanismos de promoção da migração regular;
- responsabilidade fiscal e orçamentária para a formulação e execução da Política
Quanto aos objetivos, o decreto determina como objetivos da política migratória nacional:
- promoção do trabalho decente e a inclusão produtiva
- fortalecer a integração local e a inclusão social por meio de políticas públicas;
- regulamentar a acolhida a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por emergências e crises humanitárias;
- definir as responsabilidades, em matéria migratória, dos órgãos e das entidades da administração pública federal;
- promover a cooperação entre setores, unidades da federação e fomentar a participação social das pessoas migrantes;
- implementar e aperfeiçoar processos de coleta, organização, análise, monitoramento e compartilhamento de dados e informações
O texto traz ainda a ratificação do Ministério da Justiça como organismo do governo federal responsável por encabeçar a política migratória brasileira, delegando atribuições especiais a outras pastas – Relações Exteriores, Direitos Humanos, Desenvolvimento e Assistência Social, Saúde, Educação e Trabalho.
Outras mudanças
Um ponto que chama a atenção no decreto é o da criação de dois colegiados para coordenação e articulação das ações setoriais da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia: o Comitê Executivo Federal, para coordenação e pactuação intragovernamental, e o Conselho Nacional de Migração, para controle social, articulação interfederativa, monitoramento e avaliação da execução. O funcionamento de ambos ainda será regulamentado por um ato futuro do Ministério da Justiça.
Vale lembrar que já existe no governo federal o CNIg (Conselho Nacional de Imigração), em vigor desde a década de 1980 e que já integrou tanto o Ministério do Trabalho quanto o da Justiça, de onde faz parte atualmente. Durante a vigência do antigo Estatuto do Estrangeiro, o CNIg foi o responsável por deliberar sobre questões migratórias que a legislação não era capaz de lidar, sobretudo depois da Constituição de 1988 – que deixou o antigo estatuto em grande parte inconstitucional e ultrapassado. O novo decreto não deixa claro qual o destino desse colegiado.
O texto também cita que dentro de 90 dias será divulgado o Plano Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, a ser renovado a cada quatro anos e que terá como função o planejamento, gestão e monitoramento da nova política.
O decreto publicado nesta quarta-feira no Diário Oficial da União também faz algumas mudanças no Decreto 9.199, de 20 de novembro de 2017, que regulamenta a Lei de Migração, sobretudo em questões ligadas à emissão de vistos.
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