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quinta-feira, dezembro 26, 2024

Países europeus aproveitam pandemia e endurecem leis sobre migração e concessão de refúgio

Dinamarca se tornou o primeiro país europeu a revogar autorizações de residência a refugiados sírios. Outros governos têm caminhado em uma direção semelhante

Por Luciano Caires Jr.

Diante do impacto gerado por crises humanitárias e pelas migrações forçadas a partir delas, algumas nações têm se movimentado para alterar medidas de suas atuais políticas relacionadas a esses deslocamentos, inclusive indo contra acordos firmados internacionalmente.

A pesquisadora de migração Euro-Mediterrânea de Direitos Humanos, Michela Pugliese, afirma que “houve uma grande mudança de foco na inclusão e integração de refugiados para enfatizar a natureza de curto prazo das proteções e a necessidade de retornar na primeira oportunidade”.

A tendência entre os países europeus, acentuada em meio à pandemia de Covid-19, é desencorajar os deslocados a procurarem auxílio na Europa, deixando cada vez mais frágil e temporária a proteção a essas pessoas.

O novo pacto migratório da União Europeia, apresentado no final de 2020, teve como princípio evitar o acolhimento obrigatório de migrantes em países do bloco. Segundo o Comissariado de Assuntos Internos da UE, devem ser rejeitados aqueles que não possuem o direito de conquistar seu refúgio em países do continente, com “o equilíbrio certo entre solidariedade e responsabilidade”.

Veja abaixo alguns países europeus que, nos últimos anos, endureceram de forma mais contundente suas leis para concessão de refúgio.

Dinamarca

O caso mais recente é o da Dinamarca, que no começo de junho aprovou uma lei que permite criar locais de refúgio fora do próprio país, inclusive, fora da Europa.

Na prática, pessoas que solicitam refúgio dentro da Dinamarca podem acabar aguardando a resposta em outros países. O parlamentar Rasmus Stoklund disse à agência de notícias AP que ‘pessoas deixarão de pedir refúgio à Dinamarca quando perceberam que serão mandadas para fora da Europa’.  Os dinamarqueses, com esta decisão, se tornaram o primeiro país do continente à dificultar suas políticas migratórias, que contrariam declarações de defesa aos deslocamentos, ainda mais no cenário atual da pandemia da COVID-19.

No final de 2020, a Dinamarca já havia sido o foco das atenções ao revisar a proteção temporária de quase 1.300 refugiados sírios vindos de Damasco. Ao todo, aproximadamente 400 pessoas tiveram sua residência no país revogada. Entre elas, a grande maioria de crianças e mulheres. O entendimento do governo dinamarquês é de há uma “melhora” na situação de conflito na cidade natal dos deslocados, sendo que não há mais ataques aéreos e terrestres. Especialistas são contra a decisão, já que a falta de ataques não necessariamente demonstra uma segurança em Damasco.

“Deixamos claro para os refugiados sírios que sua autorização de residência é temporária e que a autorização pode ser revogada se a necessidade de proteção deixar de existir”, disse Mattias Tesfaye, Ministro da Imigração dinamarquesa. Fato curioso é que ele próprio é filho de imigrantes etíopes.

+ Países anti-Pacto Global para Migração chegam a prender solicitantes de refúgio

Suécia

O país escandinavo em 2015 era um dos epicentros dos pedidos de refúgio na União Europeia, com 163 mil solicitantes – um terço deles eram sírios.

Uma lei temporária imposta pelo governo sueco em 2016 começou a dificultar os pedidos de residência justamente por conta do aumento no fluxo de deslocados. A determinação afetava principalmente o agrupamento das famílias, e oferecia a proteção temporário de três anos. A lei em questão expira ainda este ano e a tendência é que ela seja definitiva dentro do país que acolhe migrantes desde a década de 90.

O especialista em imigração da Universidade de Gotemburgo, Joakim Ruist, declara que ‘a tolerância com o fluxo migratório na realidade sempre foi frágil: todos sabiam que grande parte da população não queria refugiados no país’. Nos últimos anos, os bairros com maiores problemas sociais e de desemprego na Suécia, coincidentemente ou não, são os com o maior fluxo de migrantes.

Reino Unido

A tentativa de migração através do Canal da Mancha é algo recorrente dentro do território britânico.  Por conta disso, o controle deste fluxo é um dos principais centro de debate do governo do primeiro ministro Boris Johnson, que já idealizou inúmeras estratégias. Somente vindos da França, quase 7 mil pessoas tentaram migrar para o Reino Unido em 2020.

Jornais britânicos como The Guardian e Financial Times noticiaram que o governo cogitou enviar requerentes de residência na Inglaterra para as ilhas vulcânicas de Santa Helena e Ascensão, no sul do oceano Atlântico. Centros de tratamento para deslocados requerentes de auxílio em países africanos e navios para conter os barcos de migrantes também no Canal da Mancha foram outras opções levantadas. Todas essas opções foram consideradas ‘desumanas’ por inúmeros órgãos.

Uma constante apresentada na tentativa de explicar todas essas ações é a narrativa de impedir os migrantes de colocarem suas vidas em riscos durante os trajetos perigosos e considerados irregulares. Segundo a Anistia Internacional-Reino Unido as propostas apresentadas ‘ignoram todas as considerações sobre as necessidades, direitos e bem-estar dos migrantes’.

Vale ressaltar que o número de migrantes no território britânico influenciou nos votos para a saída do país da União Europeia, o chamado Brexit, decidido por referendo em 2016.

Alemanha

Há aproximadamente seis anos, Angela Merkel, chanceler alemã, permitiu que milhares de refugiados sírios, afegãos e iraquianos entrassem no país pela Rota dos Balcãs. A decisão causou uma enorme crise migratória por conta do alto fluxo de migrantes no país. Em 2019, foi aprovado pelo Parlamento Alemão a Lei de Retorno Ordenado, um pacote de leis migratórias que facilita a deportação de estrangeiros. A decisão foi tomada pelo número de deportações fracassadas no país ser maior do que as feitas com sucesso: 31 mil fracassaram contra 23, segundo o Ministério do Interior da Alemanha. A ideia é colocar os privados de residência em território alemão até mesmo em prisões regulares, onde eles possam aguardar a deportação sem risco de fuga.

Em teoria, a lei não afeta alguns tipos de deslocados: os que correm algum risco em seus países de origem, requerentes de refúgio rejeitados em formação profissional ou que sobrevivem com sua força de trabalho.

A Alemanha sempre foi considerada um país de regras rígidas a imigrantes nas décadas de 80 e 90, mas teve sua modernização feita por um governo de centro-esquerda nos anos 2000. Entre 2015 e 2017, quase um milhão e meio de pessoas solicitaram entrada em terras alemãs, tornando o país, para muitos, um ‘território de migrantes’.

Atualmente, 29% dos migrantes trabalham legalmente no país, mas as regras tem se tornado difíceis para quem tenta fazer parte desse grupo, mesmo aqueles que sejam atraídos pelas leis destinadas a atrair estrangeiros qualificados profissionalmente, que também passam por toda a burocracia de entrada em terras alemãs.

Hungria

Vivendo uma constante ascensão da extrema-direita nas últimas décadas, a política húngara sobre migração se tornou uma das mais rígidas nos últimos anos, principalmente após o início da pandemia da COVID-19. O país nunca teve políticas migratórias duras até 2015, quando o fluxo de solicitantes asilo nos países europeus se tornou enorme por conta da crise. Desde então, as medidas se tornaram mais restritivas, o que se intensificou com medidas aplicadas pelo partido do primeiro-ministro Viktor Mihály Orbán.

Desde o ano passado, as tentativas de entrada em território húngaro a partir da Sérvia aumentaram. De acordo com Gyorgy Bakondi, diretor sênior da Diretoria de Gerenciamento de Desastres do Ministério do Interior, foram quase 3.500 tentativas de entrada no país somente nos primeiros meses de 2020. Para conter esse avanço nas solicitações de refúgio, foram construídos campos de retenção para migrantes que aguardam sua aprovação ou não para entrada na Hungria, medida considerada ofensiva aos direitos daquelas pessoas, já que as condições nesses locais “se assemelham a uma privação da liberdade, principalmente porque os interessados não podem legalmente abandonar a área de maneira voluntária em nenhuma direção” como defende o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

“Se, após um exame judicial da legalidade da referida retenção, for estabelecido que as pessoas em questão foram detidas sem motivo válido, o tribunal deverá libertá-las com efeito imediato”, complementa o Tribunal.  Essa trava nas fronteiras húngaras tem servido para impedir não somente migrantes sérvios, mas sim, de todo o Oriente Médio. Além dos campos, localizados em Tompa e Röszke (as únicas vias de acesso da Sérvia para entrar na Hungria), há também uma rede elétrica na parte da fronteira entre a Sérvia e a Croácia.

Grécia

Cerca de 10 mil deslocados vindos da Turquia chegaram em apenas um dos dias do mês de março de 2020, quando o governo turco decidiu romper com o polêmico acordo firmado com a União Europeia quatro anos antes e liberou a chegada de migrantes à fronteira grega. O grupo foi impedido de prosseguir na região de Evros, ao longo dos mais de 200 km de fronteira entre Turquia e Grécia. A fronteira turco-greca foi um dos epicentros do grande fluxo migratório que ocorreu em 2015 e que ficou marcado por cenas como a do menino curdo-sírio Alan Kurdi, encontrado morto em uma praia turca em setembro daquele ano.

Seguindo a linha húngara de medidas que vão contra os tratados da ONU, o jornal norte-americano The New York Times apurou que mais de 100 migrantes foram deixados em alto mar entre 2019 e 2020. Times François Crépeau, ex-observador de questões migratórias e direitos humanos da ONU classificou que ‘essas deportações são totalmente ilegais em todos os seus aspectos, seja na lei internacional ou nas leis da União Europeia’.

Além dessas deportações que corroboram com o aumento das crises humanitárias europeias, se tornou constante no ano passado relatos de deportações ilegais dentro do próprio território grego. Os casos são ainda mais frequentes na fronteira de Evros. O presidente do Conselho Grego de Refugiados, Vassilis Papadopoulos, reportou que o cenário dessas deportações ilícitas acontece quase sempre de uma mesma forma, dando a ideia de que os procedimentos seguem um padrão:

“Vans da polícia chegam ao campo, e os policiais fazem uma breve checagem das pessoas que ainda não estão registradas. Eles pedem seus papéis. Eles os detêm e dizem que serão levados para a delegacia, ou para verificação de documentos ou para fornecimento de documentos novos e, em vez disso, de acordo com as denúncias, são devolvidas à Turquia” completa Papadopoulos.

Mesmo diante do grave cenário, os governantes responsáveis pelo controle do fluxo migratório aprovam todas as medidas tomadas. Notis Mitarakis, ministro da Grécia de Migração e Asilo, disse à uma emissora estatal grega em abril do ano passado que ‘não houve nenhuma chegada a nosso país em abril de 2020 graças aos grandes esforços feitos por nossas forças de segurança’. Em comparação ao ano passado, houve uma queda de 73% no pedido de asilo em território grego nos quatro primeiros meses de 2021, segundo o próprio Ministério de Migração e Asilo. Em junho, por exemplo, pouco mais de 200 requerentes de asilo apenas foram barrados em Evros.


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