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domingo, dezembro 22, 2024

Portaria de Moro sobre deportação é inconstitucional e viola direitos

Ministério da Justiça diz que Portaria 666 visa proteger o Brasil da entrada de suspeitos de crimes de terrorismo e tráfico; ex-secretário nacional de Justiça e entidades rebatem

Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo (SP)
Atualizado às 6h47 de 27.jul.2019

Uma portaria estabelecida pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, e publicada na última quinta-feira (25) no Diário Oficial da União, endurece as regras para entrada de pessoas de outros países no Brasil, assim como de deportação e repatriação. No entanto, especialistas e organismos públicos e da sociedade civil apontam que ela bate de frente com a legislação vigente no país.

Segundo nota no site do Ministério da Justiça, a Portaria 666 (clique aqui para acessar) “pretende proteger o Brasil ao evitar a entrada de pessoas suspeitas de crime de terrorismo ou de tráfico de drogas, assim definidos em lei”.

Seriam também alvo da portaria, de acordo com o texto, estrangeiros que sejam “suspeitos” de ter envolvimento em grupo criminoso organizado, associação criminosa armada, tráfico de pessoas, tráfico de armas e pornografia ou exploração sexual infantil.

Para tal, não precisa haver uma acusação formal e nem condenação por parte da pessoa – basta uma investigação em curso contra a pessoa (dentro ou fora do Brasil) ou que existam “informações de inteligência provenientes de autoridade brasileira ou estrangeira”.

O diretor do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça, do MJ, André Zaca Furquim, afirma que o texto trata de disciplinar a deportação excepcional prevista na Lei de Migração. “Isso que foi feito. O texto está sendo discutido desde 2017 [a lei entrou em vigor em novembro do referido ano]. É um ano e meio de trabalho. Ela não é uma portaria isolada, faz parte de um contexto”.

Questionamentos

Já Beto Vasconcelos, sócio do escritório XVV Advogados e ex-Secretário Nacional de Justiça, aponta que a portaria pode ser alvo de questionamento judicial, caso não seja revista.

“Ela cria hipóteses genéricas e subjetivas para deportação e outras restrições de direito, fundadas em mera suspeita – o que nosso ordenamento constitucional e legal não permite”.

Em nota, a Defensoria Pública da União (DPU) também critica, entre outros pontos, o cerceamento de direitos previsto pela portaria e suas consequências para os não-nacionais no Brasil como um todo.

” O problema que se detecta é o conteúdo extremamente nocivo da portaria sob comento, que viola os padrões mínimos de devido processo legal segundo a legislação brasileira e os parâmetros internacionais de direitos humanos e traz um grave retrocesso frente ao trabalho construído pelo Estado brasileiro, ao longo de anos, para a consolidação dos direitos de não-nacionais em seu território”.

Entidades que atuam na temática migratória também se posicionaram e apontaram irregularidades na portaria. Para a Conectas Direitos Humanos, a decisão dá margem para decisões arbitrárias.

“Diante de uma acusação, qualquer pessoa, seja brasileiro ou migrante, tem o direito de apresentar sua defesa perante um juiz. Na prática, o que esta portaria faz é restringir este direito, estabelecendo um prazo curto para que o migrante constitua e apresente sua defesa”, afirmou Camila Asano, coordenadora de programas da instituição.

Também por meio de nota, a ABA (Associação Brasileira de Antropologia) repudiou a Portaria 666 e afirmou que ela traz de volta o fantasma do Estatuto do Estrangeiro – legislação migratória da época da ditadura militar, que via o migrante como potencial ameaça à soberania nacional. Essa norma só foi revogada pela Lei de Migração, em 2017.

“Além de restaurar, atualizar e até extrapolar o malfadado Estatuto do Estrangeiro, da época da ditadura, a Portaria 666 – ao evocar as “novas ameaças” estabelecidas pela comunidade internacional, como o narcotráfico, o terrorismo, o tráfico de pessoas e de ilícitos e até a pornografia ou exploração sexual infanto/juvenil – trata a priori migrantes como pessoas perigosas e suspeitas de praticar atos que contrariam a Constituição Nacional, sujeitas à deportação em função do enquadramento seja na lei antiterrorista (no. 12.360/2016), ou naquela referente ao crime organizado (lei no. 12.850/2013)”, diz trecho da nota.

Há também preocupação quanto à imposição de sigilo antecipado sobre todos os processos sob o argumento de preservar informações sigilosas e investigações internacionais.

De acordo com a coordenadora da Conectas, a portaria contraria também a Lei de Acesso à Informação (12.525/2011) e cria entraves para a transparência e análise de atos do governo pela sociedade civil.

“Essa previsão de sigilo enseja preocupações sobre se o deportando e sua defesa terão acesso a todas as acusações e informações do processo para se defender”, finaliza Asano.

“A portaria prevê um sigilo para motivações de restrições que é absolutamente inconstitucional e ilegal”, reforça Vasconcelos.

Glenn Greenwald

A Portaria 666 sai em meio em meio às divulgações do site The Intercept Brasil, que revelou, em trocas de mensagens privadas entre o ex-juiz da Lava Jato e procuradores da força tarefa, ingerência do atual ministro da Justiça sobre as investigações da operação.

Diversos veículos de comunicação associaram a publicação da portaria a uma resposta de Moro ao jornalista Glenn Greenwald, idealizador do portal. Ele é cidadão dos Estados Unidos, mas mora no Rio de Janeiro e é casado com o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), com quem tem dois filhos adotivos – ambos nascidos no Brasil.

“Há um sensacionalismo da grande mídia em associar diretamente a Portaria com a possibilidade de deportação sumária do Glenn, mas ela trata de deportação sumária apenas dentro do escopo de pessoas inadmitidas, que não é o caso do Glenn que reside em território nacional”, pontua o ProMigra, projeto de extensão vinculado à Faculdade de Direito da USP e voltado à promoção, conscientização e efetivação dos direitos de migrantes.

Leia também: Portaria sobre deportação é ilegal e afronta direitos, dizem especialistas (Conjur)

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