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sexta-feira, dezembro 20, 2024

Primeira parte dos Diálogos do OBMigra debate fluxos migratórios e presença haitiana no Brasil

Por Geórgia Lima*

O Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Migrações Internacionais (LAEMI), o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), o Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (CEPPAC) e a Universidade de Brasília (UnB) deu início, no dia 02 de Junho ao curso de extensão “Os novos fluxos latino-americanos no Brasil”, que acontecerá no CEPPAC-UnB de junho a novembro deste ano e integra o conteúdo programático do “Diálogos do Observatório de 2015”.

Essa iniciativa tem o intuito de estimular e difundir o debate sobre as migrações internacionais e servirá de um espaço para a reflexão acadêmica, a troca de experiências e diálogos entre os pesquisadores envolvidos com a temática. Visa também incentivar a participação da comunidade externa, dos gestores, instituições da sociedade civil e de pessoas interessadas no tema.

Crédito: Geórgia Lima
Curso de extensão “Os novos fluxos latino-americanos no Brasil” integra o conteúdo programático dos “Diálogos do Observatório”. Crédito: Geórgia Lima

Essa primeira parte dos diálogos contou com a presença da Irmã Rosita Milesi, do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), de representantes da embaixada haitiana no Brasil, do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), Organização Internacional para o Trabalho (OIT), Secretaria de Educação do DF e demais estudiosos e interessados na temática que puderam expor suas observações, comentários e dúvidas, que foram respondidas pelos palestrantes.

Reflexões sobre fluxos migratórios e políticas públicas

A aula inaugural, intitulada “Fluxos migratórios de e para o Brasil: imigração, emigração e retorno”, foi ministrada pelo Prof. Leonardo Cavalcanti, coordenador do OBMigra. Ele falou inicialmente da trajetória das migrações no contexto histórico de forma global, mostrou quais eram os principais locais de destino e como se davam esses fluxos, de onde saíam, e para onde pretendiam ir os imigrantes ao longo da história, suas motivações e o perfil migratório das pessoas que se deslocavam de seu local de origem em busca de melhores condições de vida e como isto se dá hoje. No Brasil, destacou a chegada de diversos portugueses, espanhóis e italianos brancos e católicos com o intuito de embranquecer a população brasileira. Já na década de 1980, citou a chamada “ década perdida”, em que milhares de brasileiros de classe média, devido à crise econômica, emigraram em busca de melhores condições financeiras.

Em 2010, após o terremoto que atingiu o Haiti que matou cerca de 300 mil pessoas, muitos haitianos saíram de seu país em busca de trabalho e sobrevivência. Assim, percebeu-se que a questão econômica sempre ditou o rumo dos fluxos migratórios e isto permanece até hoje, sendo potencializado pela globalização e a troca rápida de informações.

Além disso, Cavalcanti levantou algumas questões que geram grandes debates como a abertura, o controle e a seletividade dos migrantes através da política de branqueamento do Brasil, existente de forma pública em décadas anteriores e que até hoje possui elementos vivos, como o preconceito aos imigrantes negros. “Será que existem preferidos ou o Brasil é um país de todos?”, provocou o pesquisador. Outra problemática que trouxe à reflexão foi o fato de, apesar de haver um contingente de haitianos com mão de obra qualificada, estes quando se inserem no Brasil, passam a exercer funções aquém de suas capacidades, justamente devido à falta de revalidação de seus diplomas.

Houve também um destaque para as legislações que tratam da temática das migrações no Brasil, apontando o Estatuto do Estrangeiro de 1980 como um instrumento normativo retrógrado, que remete ao período ditatorial e possui um viés de segurança nacional, no qual o imigrante é visto como uma ameaça e não um sujeito de direitos humanos. Para isso, Cavalcanti aponta possíveis caminhos existentes hoje como propostas, mesmo que precisem de ajustes, entre elas, merece destaca o Projeto de Lei 288/2013, que foi aprovado pela Comissão do Senado e o anteprojeto de lei, elaborado por especialistas da área junto ao Ministério da Justiça. Porém, ainda há um longo caminho para percorrer, pois o entrave político é grande. E um dos fatores é a impossibilidade de imigrantes residentes no Brasil votarem – ou seja, sem voto, eles estariam sem voz.

Portanto, para Cavalcanti, devemos repensar os modelos de gestão dos fluxos migratórios, atentarmos ao fato de que as migrações consistem em um fenômeno amplo, multifacetado e que merece a devida atenção pública para que algo mais grave como o que hoje acontece nos navios que aportam na Itália e deixam centenas de pessoas à deriva, em condições sub-humanas. Ele destacou o caráter delicado das migrações, que mexe com a sensibilidade da população e, para ele, não existe nenhum país no mundo que possua uma política migratória considerada exemplar, mas devemos buscar por melhorias nas nossas políticas públicas destinadas a esta população. “Afinal de contas, somos todos migrantes ou descendente deles”.

Com a palavra, os haitianos

Já no dia 8 ocorreu o primeiro dos diálogos previstos para o curso, intitulado “A emigração haitiana – o Brasil como local de destino”, com o professor haitiano Joseph Handerson, da Universidade Federal do Amapá (UFAP). Ele falou sobre sua tese de Doutorado, intitulada “Diáspora. As Dinâmicas da Mobilidade Haitiana no Brasil, no Suriname e na Guiana Francesa”, na qual analisa, através do olhar dos próprios haitianos, as experiências de mobilidade dos haitianos no Brasil – e que abarca, em alguns casos, o Suriname e a Guiana Francesa.

Vinda de haitianos para o Brasil foi tema da primeira aula dos Diálogos do Observatório. Crédito: Geórgia Lima
Vinda de haitianos para o Brasil foi tema da primeira aula dos Diálogos do Observatório.
Crédito: Geórgia Lima

Handerson destacou alguns pontos principais de sua pesquisa, tais como: o Brasil ainda continua sendo lugar de passagem para a Guiana Francesa; a posição política do Brasil no cenário mundial atraiu muitos migrantes para cá; a familiaridade devido à presença do Brasil no Haiti através da mídia e da paixão pelo futebol (eles inclusive usam o bordão “os haitianos são muito mais brasileiros do que muitos brasileiros”; a abertura e hospitalidade do Brasil, que é visto como “um país de braços abertos”; a difusão no mundo de que a Copa e as Olimpíadas trariam grandes oportunidades no Brasil; a ideia de “paraíso racial”, onde não existiria preconceito racial e o terremoto de 2010.

Também presente aos diálogos, o Embaixador do Haiti no Brasil, Madsen Chérubin, dividiu a experiência de emigração do Haiti em quatro fases, de 1915 até os dias atuais, destacando o terremoto que alavancou essa saída. Para o Embaixador, a presença das Forças de Paz brasileiras no Haiti (iniciada em 2004) não é determinante para a emigração deles, mas sim o terremoto que ocorreu seis anos depois. Ele ainda destacou os principais desafios da Embaixada na proteção dos haitianos: o idioma, a dificuldade com a cultura brasileira, a saúde da família que fica no Haiti, conseguir emprego para todos, o custo de vida no Brasil e não perder o contato com eles.

Segundo projeção da Organização Internacional para as Migrações (OIM), 50 mil haitianos teriam chegado ao Brasil entre 2010 e o final de 2014.

Entre as intervenções feitas pelo público presente, o destaque fica para a fala de uma mulher haitiana que questionava se não seria mais produtivo que os países se esforçassem a manter relações que possibilitassem condições para que os haitianos não precisassem sair de seu país – que seria o “direito a não migrar” ao invés de lidar de forma improvisada depois de sua chegada no Brasil. É algo que merece ser refletido para a construção de políticas públicas.

*Geórgia Marina Oliveira Ferreira de Lima é advogada e especialista em Direitos Humanos e Cidadania pela FESMIP-PB. Também integra o Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais (NEPDA / Cátedra Sérgio Vieira de Mello) e é mestranda na UFPB em direitos humanos, cidadania e políticas públicas.

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