A migração sempre foi uma busca por melhores condições de vida, mas impõe desafios múltiplos além da simples mobilidade geográfica: a saúde surge frequentemente como um campo de vulnerabilidade para quem se desloca e busca recomeçar em outro país. No Brasil, apesar de garantias legais, imigrantes ainda enfrentam obstáculos práticos ao acessar o sistema público de saúde. Internacionalmente, os cenários variam: em muitos casos, políticas fragmentadas, discriminação e custos elevados limitam o acesso efetivo.
Para além das questões socioeconômicas, o preconceito e a discriminação tanto da população local como de profissionais de saúde criam um ambiente hostil para imigrantes buscarem atendimento. A falta de material informativo em diferentes idiomas e a pouca capacitação para atendimento culturalmente sensível reforçam a exclusão e a desinformação, dificultando o uso dos serviços disponíveis.
Em âmbito internacional, essas barreiras também costumam ser comuns, especialmente em países que ainda não possuem políticas públicas específicas ou bem estruturadas para acolher migrantes, aumentando as desigualdades e a iniquidade na saúde global.
Panorama no Brasil: garantias legais versus realidade de acesso
A Lei de Migração brasileira (Lei nº 13.445/2017) assegura que imigrantes, independentemente de sua condição migratória, tenham acesso aos serviços públicos de saúde e de assistência social, em igualdade com os nacionais. Além disso, o Sistema Único de Saúde (SUS) opera sob princípios de universalidade, integralidade e equidade, que teoricamente incluem migrantes.
No entanto, na prática, há uma lacuna entre as normas e a realidade vivida por muitos estrangeiros: falta de informação, barreiras linguísticas e receios quanto à documentação viralizam entre as principais dificuldades.
Barreiras práticas no cotidiano
- Desconhecimento do sistema de saúde brasileiro: muitos imigrantes não sabem como funciona a rede de atenção básica, as unidades de saúde ou como procurar encaminhamentos.
- Idioma e comunicação: dificuldades no diálogo com profissionais ou ao preencher formulários geram insegurança e atrasos no atendimento.
- Preconceito e discriminação institucional: relatos apontam que migrantes podem ser tratados de forma distinta ou desassistidos por preconceitos de origem ou nacionalidade.
- Acesso tardio ou em emergências: por medo de buscar atendimento, muitos só recorrem à saúde pública em estágios avançados de doenças.
- Recursos insuficientes nas redes municipais e regiões de acolhimento: em locais com alta demanda migratória, os sistemas de saúde locais ficam sobrecarregados.
Desafios comuns no âmbito internacional
Políticas fragmentadas e regimes de cobertura variáveis
Em muitos países, os imigrantes (especialmente recém-chegados) não têm direito imediato a planos públicos ou seguros de saúde. Isso costuma gerar uma dependência de seguros privados, planos de curto prazo ou redes de atendimento solidário.
Além disso, sistemas de saúde nacionais variam bastante: em alguns países desenvolvidos há exigência de período mínimo de residência ou contribuição social antes de concessão de cobertura.
Custo elevado e seleção de risco
Para migrantes que buscam cobertura privada, os preços muitas vezes são majorados ou determinados por avaliação de risco (condições de saúde prévias). Em muitos casos, seguradoras impõem carências longas ou exclusão de cobertura para doenças preexistentes.
Reconhecimento de histórico médico
Um desafio prático é validar e transferir registros e laudos médicos de um país a outro — exames, vacinas, histórico de doenças crônicas, tudo isso pode não ser aceito diretamente ou exigir reavaliação local.
Saúde mental e impactos psicossociais
A migração envolve rupturas, culturais, sociais, afetivas e pode ser gatilho para estresse, depressão, ansiedade e distúrbios psicológicos. Essas questões tendem a ser negligenciadas em sistemas de saúde focados apenas em aspectos biomédicos.
Estudos decoloniais apontam que abordagens centradas no indivíduo e sensíveis à cultura são fundamentais para superar formas de silenciamento e alienação impostas por normas hegemônicas.
Situação de refugiados e migrantes vulneráveis
Refugiados carregam experiências de violência, deslocamentos forçados, traumas. No Brasil, há relatos de grande dificuldade de acesso ao SUS por causa da barreira linguística, do preconceito institucional e da escassez de recursos no atendimento.
Durante a pandemia de COVID-19, as vulnerabilidades migratórias ficaram ainda mais evidentes, com acesso desigual às vacinas, restrições de mobilidade e maior exposição a enfermidades.
Como se preparar: orientações para quem pretende migrar
Levantar histórico médico e vacinal antes da saída
Antes de migrar, reúna laudos médicos, exames de rotina, histórico de vacinas e tratamento contínuo. Ter uma “fotocópia” bem documentada facilita a transposição desses registros no país de destino.
Verificar cobertura internacional ou contratar seguro complementar
Mesmo em países com sistemas públicos robustos, pode haver lacunas ou períodos de espera. Nesse contexto, um plano de saúde internacional pode se tornar uma ponte de proteção até que se adquira cobertura local. É importante escolher opções que permitam cobertura fora do país, integrações com redes internacionais e cláusulas claras sobre doenças preexistentes.
Estudar o sistema de saúde do país de destino
Antes de viajar, pesquise como funciona o sistema público local (nivéis de atenção, exigências de inscrição, rede de parceiros). Faça cursos ou leia guias sobre como se cadastrar e os direitos de saúde como imigrante no país de destino.
Aprender o idioma local ou termos básicos de saúde
Mesmo com conhecimento básico, saber expressar sintomas e compreender orientações médicas no idioma local ajuda muito no atendimento. Busque glossários médicos no novo idioma ou aplicativos de tradução focados em saúde.
Prever reservas financeiras para emergências médicas
Tenha uma reserva para consulta, exames ou medicação nos primeiros meses, até que você esteja integrado ao sistema de saúde local.
Buscar redes de apoio e organizações migrantes
ONGs, associações de imigrantes ou centros comunitários frequentemente oferecem orientação, apoio psicossocial e, em alguns casos, clínicas solidárias, que podem ajudar até a consolidação de direitos formais.
Conclusão
A saúde é um pilar determinante na qualidade de vida de quem migra. Embora o Brasil disponha de bases legais robustas para garantir o acesso de imigrantes ao SUS, a prática mostra que muitos ainda ficam à margem das redes formais de atendimento. Internacionalmente, a disparidade entre políticas nacionais e a situação concreta do migrante reforça a necessidade de preparo individual e coletivo.
Para quem planeja migrar, reunir documentação médica e estudar o sistema de saúde local são medidas pragmáticas que ajudam a mitigar riscos.
No fim das contas, a integração em saúde exige mais do que leis: demanda sensibilidade institucional, capacitação de profissionais e valorização das identidades culturais dos migrantes, para que a migração não termine sendo um risco à própria saúde.

