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segunda-feira, novembro 25, 2024

Refúgio e população LGBT: uma questão (in)visível

Preconceito e criminalização são problemas encontrados por homens e mulheres LGBT tanto em seus países de origem quanto nos de refúgio

Por Ana Luiza Voltolini Uwai
Em São Paulo (SP)

Maria é uma mulher que se casou cedo, por pressão do pai. Teve filhos logo depois e passou a maior parte da vida sofrendo violência doméstica. Conseguiu fugir e envolveu-se com uma mulher, passando a ser perseguida pelo ex-marido e pela comunidade.

Nicola nasceu homem, mas se identifica como mulher. Ela mora em um país predominantemente muçulmano, que condena pessoas trans à morte.

Katherine gosta de vestir roupas diferentes das esperadas para uma mulher e mantém o cabelo curto. Em seu país, ser gay é um crime e não é preciso ser flagrada durante o ato sexual para ser presa, basta que um policial suspeite da sua sexualidade.

Maria, Nicola e Katherine são exemplos de trajetórias ouvidas por profissionais que trabalham com perfis muito comuns de pessoas pertencentes a grupos sociais criminalizados em 73 países do mundo. A advogada Gabriela Ferraz trabalhou durante dois anos e meio na Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, organismo da Igreja Católica que atende e assiste pessoas solicitantes de refúgio e refugiadas na cidade. Ela acompanhou casos como os citados e relata que o entendimento de que a população LGBT é um grupo social, enquadrando-se, portanto no definição legal daqueles que podem solicitar o refúgio no Brasil, advém de uma interpretação extensiva do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), do Ministério da Justiça, a partir de diretrizes estabelecidas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

Segundo a Cartilha Informativa sobre a Proteção de Pessoas Refugiadas e Solicitantes de Refúgio LGBTI, também do ACNUR, “o Brasil já processou mais de 250 solicitações cujo fundamento da perseguição diz respeito a questões relacionadas a sexo, orientação sexual e/ou identidade de gênero.”

Apesar do número ser pequeno, Gabriela afirma que o fluxo migratório de pessoas LGBT tem aumentado significativamente. Junto a isso, diversas violações de direitos humanos começam a perder o véu da invisibilidade e, aos poucos, o assunto passa a ser debatido no mundo todo.

Em 2008, o Brasil assinou junto a outros 65 países a “Declaração sobre Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero” na Assembleia Geral da ONU. Desde 2014 também é desenvolvida no Brasil a iniciativa Livres & Iguais, do ACNUR, que visa à  promoção  da  igualdade  de  direitos da  população  LGBT.

Bangladesh é um dos países que se recusaram a reconhecer esses direitos e ainda criminalizam a homossexualidade com penas de até 10 anos de prisão. A organização Boys of Bangladesh – Bob é um dos grupos de apoio à homens e mulheres homossexuais mais antigos do país. Segundo seu idealizador, que não pode se identificar por motivos de segurança, uma das áreas de atuação da BoB é informar e ajudar pessoas pela internet, além de realizar advocacy e desenvolver pesquisas, como por exemplo, o relatório “The Invisible Minority: The situation of the LGBT community in Bangladesh” em parceria com a Global Human Rights Defense.

Bandeira LGBT carregada durante manifestação na Rússia.
Crédito: Joseph Smida/ACNUDH

No entanto, o reconhecimento internacional do problema não é o suficiente. Segundo outro grupo chamado LGBT Bangladesh, além do código penal, a religião conta muito para reforçar a cultura homofóbica e transfóbica do país. A pessoa que administra a organização nas redes sociais e que também não pode ser identificada, contou que gays, lésbicas, travestis e pessoas trans são cotidianamente silenciadas por medo de serem presas ou mortas pelo grupo terrorista Daesh (que se autointitula Estado Islâmico).

Ainda de acordo com ela, pessoas trans, chamadas Hijras em bengali (língua oficial do país) são as que mais sofrem, já que possuem maior dificuldade em esconder sua identidade de gênero.

Para Gabriela Ferraz, “um dos grandes problemas para além da legislação e da prisão é também o banimento social, porque, em geral, nesses países a homossexualidade também é tida como algo pecaminoso, sujo.” Por isso, a pessoa passa a ser rejeitada pela família e banida da vida social. “Em muitos lugares essas pessoas não conseguem sobreviver fora de um núcleo familiar, pois ele é um vínculo de proteção. Elas só são respeitadas e têm seus direitos preservados se possuem proteção da família, então se um homem ou uma mulher são sozinhos, eles ficam muito mais vulneráveis e expostos a todo tipo de violência física e mental.”, continuou a advogada.

Quando isso acontece, não resta outra saída senão fugir. Os principais países de destino são os da América do Sul, Estados Unidos e Canadá. Nos casos mais urgentes, o grande centralizador do continente africano é a África do Sul, pois é um dos únicos países receptivos à população LGBT que faz fronteira com os que possuem legislação mais dura.

O Brasil é um dos mais avançados nos critérios de entrevista com solicitantes, pois se baseia em um padrão auto declaratório. No entanto, existem problemas. O país ainda marginaliza pessoas refugiadas e possui altos índices de violência contra a população LGBT, inclusive brasileira. Em entrevista, a representante do Bangladesh LGBT pediu para fazer um último pedido em nome de todas e todos que sofrem esse tipo de violência: “Se algum gay ou lésbica pedir alguma ajuda, por favor, não ignore”.

A atuação do Estado é essencial para que essa população possa recomeçar suas vidas, sem a necessidade de esconder suas identidades, mas acima de tudo, é preciso desconstruir os preconceitos que, quando não invisibilizam, as fazem visíveis num contexto de violações de direitos dentro de suas casas, nas comunidades em que viviam e nos países para os quais fogem.

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