Em uma nova decisão polêmica sobre migrações, o Reino Unido aprovou na última terça-feira (23) um projeto que prevê que determina o envio forçado para Ruanda de imigrantes que chegam ao país de forma indocumentada e pedem refúgio em solo britânico.
A medida, defendida pelo premiê Rishi Sunak como uma forma de conter a chegada de imigrantes ao país por barcos, é fortemente criticada por organizações internacionais e entidades locais de defesa dos direitos humanos. Além disso, a ideia foi rejeitada de forma unânine em novembro passado pela própria Suprema Corte britânica.
Mesmo asism, o governo britânico fez mudanças no projeto para driblar o veto judicial e comemorou sua aprovação pelo Parlamento como o “começo do fim” da chegada de barcos ao Reino Unido, especialmente por meio do Canal da Mancha. Ao discursar sobre a medida, Sunak afirmou que nada poderá parar o plano de envio de imigrantes para Ruanda.
O premiê também voltou a ameaçar retirar o país do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, caso continue a se opor aos voos com imigrantes para Ruanda.
Segundo o Ministério do Interior britânico, 6.265 barcos chegaram ao Reino Unido neste ano até 21 de abril, um número 24% a mais que o mesmo período de 2023. A maior parte (40%) foi de vietnamitas e afegãos. Em 2023 foram 29.437 no total, contra 45,774 em 2022 e 28.526 em 2021.
De acordo com cálculo divulgado pela emissora pública britânica BBC, há cerca de 52 mil pessoas aguardando uma resposta do governo britânico sobre pedidos de asilo. Seriam necessários mais de três anos para retirar todas elas, mesmo que o governo atinja um máximo de 15 mil deportações por ano, valor registrado pela última vez em 2012.
Em troca, Ruanda vai receber uma quantia equivalente a R$ 2,3 bilhões ao longo de cinco anos para receber os voos com os imigrantes, analisar os pedidos de asilo e eventualmente conceder o status de refugiado. O país de 13,78 milhões de habitantes já abriga atualmente cerca de 135 mil refugiados oriundos especialmente dos países vizinhos Brurundi e República Democrática do Congo.
Organizações de direitos humanos, no entanto, afirmam que o histórico controverso de Ruanda sobre o tema não o torna um país adequado para refugiados, embora tenha feito acordos recentes para receber pessoas realocadas de campos de detenção na Líbia. No histórico recente do país africano há ainda um acordo já extinto, no qual Ruanda se comprometeria a receber pessoas que solicitaram asilo em Israel e tiveram o pedido negado.
Possibilidade de judicialização
O polêmico projeto de lei é alvo de questionamentos desde que foi proposto, ainda em 2022, pelo então premiê Boris Johnson. Em junho daquele ano, um voo com destino a Kigali, capital ruandesa, foi barrado em plena pista de decolagem por uma liminar do Tribunal Europeu de Direitos Humanos contra a deportação de sete imigrantes que nele estavam.
Desde então, a ideia de deportar imigrantes para Ruanda passou por várias idas e vindas no Legislativo e Judicário britânicos. Em novembro de 2023, os cinco juízes da Suprema Corte britânica endossaram uma decisão de junho do mesmo ano, emitida pelo Tribunal de Apelação de Londres, que considerou a medida ilegal. Os magistrados entenderam que havia um risco real de que as solicitações de refúgio fossem erroneamente julgadas em Ruanda, resultando em requerentes erroneamente devolvidos aos países de origem.
Para driblar esse veto da Suprema Corte, o governo Sunak determinou que a Justiça terá de provar que os abrigos em Ruanda não são locais seguros para receber os imigrantes deportados do Reino Unido. Além disso, Sunak – que é filho de imigrantes indianos – afirmou que Ruanda aprimorou processos quanto à análise de pedidos de asilo.
O principal argumento contra o projeto é que viola o “non-refoulement” (não devolução, em tradução livre), um dos princípios fundamentais do direito internacional. Ele proíbe que um país devolva ou deporte qualquer pessoa que entre em seu território solicitando asilo ou refúgio. A não-devolução também é um dos pilares do Estatuto dos Refugiados, documento ratificado pela Convenção de Genebra de 1951 e do qual o Reino Unido é um dos signatários.
Esse histórico indica que o envio forçado de imigrantes pelo Reino Unido para Ruanda deve ser alvo de judicialização tão logo se transforme em lei.
Repercussão
Organizações internacionais que lidam com direitos humanos e com a temática migratória criticaram o governo britânico e pediram que a decisão de terceirizar a concessão de asilo para Ruanda seja reconsiderada.
“Proteger refugiados requer que todos os países – não apenas aqueles vizinhos de zonas de crise – cumpram suas obrigações. Este acordo busca transferir a responsabilidade pela proteção de refugiados, minando a cooperação internacional e estabelecendo um preocupante precedente global”, afirmou o alto comissário da ONU para refugiados, Filippo Grandi, em comunicado à imprensa.
“Todos merecemos a oportunidade de viver uma vida segura e de procurar proteção quando mais precisamos dela. Este vergonhoso projeto de lei destrói a Constituição e o direito internacional, ao mesmo tempo que coloca os sobreviventes da tortura e outros refugiados em risco de um futuro inseguro em Ruanda”, expressaram por meio de uma declaração conjunta as organizações Freedom from Torture, Anistia Internacional e Liberty.
Ao jornal britânico The Guardian, a diretora do Comitê Internacional de Resgate do Reino Unido, Denisa Delic, classificou o projeto como uma abordagem ineficaz, desnecessariamente cruel e custosa. “Em vez de terceirizar suas responsabilidades sob o direito internacional, instamos o governo a abandonar este plano equivocado e, em vez disso, focar em implementar um sistema de imigração mais humano e ordenado”.
Em um posicionamento duro, a Human Rights Watch afirmou que o Reino Unido perdeu credibilidade para exigir que outros Estados cumpram suas obrigações para com os refugiados. E que os esforços contra a futura lei vão continuar.
“O Reino Unido deve adotar urgentemente políticas de asilo humanas e justas, incluindo garantir que as pessoas possam ter suas reivindicações ouvidas no Reino Unido e expandir rotas seguras para que as pessoas não sejam forçadas a jornadas mortais.”
Tendência britânica e europeia
O projeto de lei aprovado pelo Reino Unido vem na esteira de outras medidas adotadas recentemente tanto pelo próprio governo britânico quanto por outros países europeus no sentido de tentar conter a chegada de imigrantes.
No caso de Londres, a mais conhecida dessas medidas é o Brexit, como ficou conhecida a saída do Reino Unido da União Europeia. Aprovado em 2016, o divórcio do bloco europeu só foi efetivado cinco anos depois.
No ano passado, a Itália anunciou um acordo com a Albânia que prevê criar no país balcânico centros de pré-deportação sob jurisdição italiana.
A União Europeia, entre outros acordos, firmou entendimentos recentes com Turquia e Tunísia no sentido de tentar barrar os migrantes que chegam à Europa passando por esses dois países.
Outro passo nessa direção foi dado em dezembro de 2023, com a aprovação pela União Europeia de um acordo político chamado “Novo Pacto sobre Migração e Asilo”, que traz uma série de medidas que a partir de meados deste ano vão endurecer o tratamento das migrações por parte do bloco comum europeu. Celebrado por governos nacionais, o acordo é alvo de críticas de organizações internacionais.
Com informações de BBC, G1, Deutsche Welle e The Guardian