De dia, recebe pessoas que rezam em direção à Meca. À noite, vira dormitório improvisado para dezenas de migrantes e refugiados muçulmanos. Mas a Mesquita Associação Al Bayt Annabawi, na região central de São Paulo, precisa lidar com dificuldades diárias para manter esse duplo apoio, que vão do corte no abastecimento de água à situação precária do prédio e a escassez de recursos.
Localizada na sobreloja de um antigo prédio da rua Guaianazes, a mesquita foi instalada em setembro de 2011 e é frequentada especialmente por migrantes muçulmanos de países africanos como Nigéria, Senegal, Gana, Tanzânia, Benin, Somália, Quênia, Argélia e Tunísia, mas também por sírios e libaneses. O nome, que significa “A Casa de Deus” em tradução livre, é uma mistura do árabe com yoruba, uma língua africana fala em países como Nigéria, Togo e Serra Leoa.
Mas com a falta de vagas em abrigos, a mesquita passou a ser literalmente a casa (pelo menos durante à noite) de dezenas de migrantes. Em torno de 25 pernoitam no chão da mesquita, mas o número já alcançou 40 em certas ocasiões. “De noite praticamente não há como andar aqui”, resume o francês Irwin Henry, que já atuou como voluntário em outras instituições que lidam com migrantes, como a Missão Paz, e agora ajuda na manutenção e administração da mesquita.
As condições do prédio, no entanto, estão bem distantes do ideal. O teto, por exemplo, tem infiltrações devido a problemas no telhado e fica com várias goteiras em dias de chuva, enquanto as paredes apresentam umidade.
Mesmo com esses problemas, o aluguel do local custa R$ 6.000 por mês à mesquita. O valor é bancado na maior parte pela comunidade senegalesa e completado com dinheiro arrecadado junto aos fiéis que frequentam a mesquita. “Por isso a gente nunca consegue pagar em dia. Sempre atrasa um pouco”, diz o sheik responsável pela mesquita, o nigeriano Moruf Olanrewaju Lawal. No entanto, o sheik descarta uma possível troca de local no momento, porque crê que dificilmente encontraria outro imóvel na região pelo mesmo preço.
O drama da falta de água
Outro drama vivido pela mesquita é o fornecimento de água. Até julho de 2013, a conta girava em torno de R$ 60 a R$ 80, mas saltou para cerca de R$ 5.000 nos meses seguintes após a Sabesp ter trocado o hidrômetro do imóvel, que era de modelo residencial, para um industrial. Depois da troca, a mesquita não conseguiu mais honrar os pagamentos e acumulou dívidas até setembro de 2014, quando o fornecimento foi cortado. Um extrato pedido pela associação verificou que o total de débitos junto à Sabesp após a troca já ultrapassava R$ 60 mil.
A mesquita já entrou com ação na Justiça contra a Sabesp, por meio da Defensoria Pública Estadual. No entanto, o juiz responsável pelo caso indeferiu o pedido de liminar para retomar o abastecimento, alegando que o modelo anterior de hidrômetro era irregular. A Defensoria já recorreu da decisão para levar o caso para segunda instância.
“Ninguém disse que não queremos pagar, mas queremos pagar o valor justo”, afirmou o sheik em vídeo publicado na internet sobre a situação da mesquita. “Religar a água é o primordial, até por uma questão humanitária”, reforça Henry.
Sem o fornecimento de água, a mesquita se vira como pode. Quando não consegue comprar água mineral, depende da ajuda da vizinhança – seja por doações ou mesmo dando uma ajuda de custo a algum vizinho solícito que topa dividir a própria água com a associação quando necessário. “Quando pegamos água da casa de um morador, ajudamos ele a pagar a conta”, conta o comerciante nigeriano Mukandaz Ade, que vive há dez anos no Brasil e frequenta a mesquita desde a abertura.
Os cursos de português, antes promovidos pela mesquita, estão suspensos até segunda ordem devido à situação. A sala de aula, que antes recebia os alunos, também virou dormitório improvisado, no qual ficam basicamente as mulheres, separando-as dos homens (mais numerosos e que ficam no salão principal). “Primeiro decidimos focar em resolver a questão da água para depois retomarmos os cursos de português”, afirma Henry.
Busca por apoio esbarra em preconceito e desinformação
A mesquita tem usado com frequência as redes sociais com fotos e vídeos para dar visibilidade à situação do local e conseguir apoio. No entanto, estereótipos e desinformação deixam essa tarefa mais árdua.
“Quando ligo em emissoras e jornais para falar dos migrantes e refugiados aqui, ainda tem gente que a confunde com a Missão Paz [ligada à Igreja Católica e que fica no Glicério], ou pessoas que acham que refugiado é igual a fugitivo”, exemplifica Henry. O voluntário crê ainda que o fato de ser uma mesquita e abrigar africanos e muçulmanos em sua maioria também dificulta na busca por apoio, devido aos preconceitos que em geral recaem sobre essas pessoas.
O senegalês Massar Saar, que trabalha como eletricista e frequenta a mesquita, também crê que existe preconceito em relação aos migrantes e ao local, especialmente por conta da desinformação da sociedade sobre o tema. “É complicado, fica uma coisa escondida. A pessoa pode ficar falando com você, mas sem querer te ajudar de fato. O imigrante está sofrendo porque falta uma política de informação sobre a imigração e o refúgio no Brasil. A população tem que saber o que é a imigração, o que os migrantes estão fazendo aqui, por que vieram para cá”, analisa.
Outras mesquitas de São Paulo e da região metropolitana dão certo apoio, em especial com fornecimento de material sobre o Islã em diferentes idiomas – do árabe ao português. Já mantimentos em geral e roupas vêm especialmente de doações de comerciantes e moradores da região (migrantes e brasileiros), além de eventuais contribuições de frequentadores da Al Bayt.
“Água, comida e roupa feminina é o que precisamos mais no momento”, pede Henry.
[…] post foi publicado originalmente em março de 2015 no blog Migramundo, com o qual o Global Voices mantém uma parceria de […]